Chegou enfim a nossa vez. A nossa participação não teria como ser a
normal, realizada em teatros, e por ser um show com uma hora de duração,
também não poderia ser uma apresentação de choque, simplesmente. Então,
mantivemos a característica normal de choque, mas com um repertório mais
elástico. E houve o velho dilema do público não habituado à dinâmica
mais intimista da banda, quando possivelmente não entenderia a proposta de sátira e humor do
trabalho. Em festivais desse porte, com público muito numeroso, a
tendência é de haver frisson, só quando o artista é muito conhecido, e o
domina pelo carisma natural que a fama proporciona.
Por outro lado, eu não senti nenhuma preocupação de meus
companheiros, com tal possibilidade. Os demais estavam seguros e dessa
forma, também relevei essa preocupação. Quando entramos no palco, havia
um público com aproximadamente dez mil pessoas, segundo estimativas dos
organizadores. Foi bastante gente, claro, mas a expectativa deles da produção fora reunir cinquenta mil, portanto, dava para ver no semblante dos produtores, um
misto de aflição e frustração. Fora óbvio que estavam a amargurar um
prejuízo mastodôntico, mas não foi por falta de aviso da parte de muitas pessoas, que
carnaval não combina com festivais, por mais que existam pessoas que
detestem o carnaval, rol do qual incluo-me.
Então, o palco estava
montado de frente para uma colina um pouco acentuada, onde naturalmente as
pessoas acomodaram-se como se fosse um anfiteatro. Começamos a tocar e o
som estava bom no palco, no tocante aos monitores. Pituco e Laert
encenavam as suas performances normais, como se fosse show de teatro, e a banda
tocava com tranquilidade, ao fazer as suas encenações, também. O público reagia
bem. Claro que as dez mil pessoas não estavam a vibrar, mas até onde a minha
vista alcançava, eu notava pessoas a dançar e rir das sátiras, aliás, a reação
normal esperada em um show do Língua de Trapo.
O show pôs-se a avançar, e deu
para notar que o céu estava a ficar muito escuro. Um típico vento de
chuva começou, e por ser uma fazenda no interior, o odor ficara ainda mais
característico, com aquele aroma de terra. Quando estávamos a executar a canção, Xingu Disco", a última música
do Set List, o vento intensificou-se, e foi possível sentir a agitação dos
técnicos, ao correr para cobrir com lona, o P.A. e os equipamentos de
palco, o dito, "backline".
Foi quando de-repente, percebi que o piano elétrico do João
Lucas, parou de soar no meu monitor. Mas eu estava empolgado, a tocar bem na ponta do palco e
a fazer poses, por sentir-me um "Rock Star", e assim, nem preocupei-me em olhar o
que estava a acontecer, pois imaginei ter sido uma pane rápida no amplificador que alimentava o piano elétrico, e assim, um
roadie solucionaria prontamente, por ter sido um cabo a falhar, ou
problemas no Direct Box. Continuei a tocar e logo sumiu a guitarra do Lizoel Costa, no monitor. Cáspite, naquela fração de segundos percebi enfim que algo
mais grave estava a acontecer. Quando olhei para trás, vejo o Naminha
a levantar-se da bateria e nesse instante, o Pituco e o Laert a gritar
comigo, para que eu saísse rápido do palco ! A ventania estava a ficar muito
forte, e um spot de luz caiu muito perto da minha cabeça, a espatifar-se no palco
!
Por alguns centímetros não fui atingido e se acertasse, poderia ter ferido-me gravemente, ou mesmo produzido o óbito, pois tratou-se de uma peça pesada, e
a depender de onde atingisse-me, na cabeça ou no pescoço, eu simplesmente não estaria
a escrever esta história.
Corremos para o camarim, que fora na
verdade um espaço improvisado como picadeiro de circo, armado com uma
gigantesca lona. O show estava no fim e não ficamos frustrados, mas o
final foi bem desagradável e frustrante, é claro. O publico não tinha onde abrigar-se e
naquele campo aberto, ficou a suportar a chuva da maneira que pode.
Por
um lado, o clima de "Woodstock" estava a ser instaurado pelo batismo de
chuva e barro, a honrar a sua tradição, mas vou contar-lhe : a lama que
formou-se, decorrente dessa tempestade, não tinha nada de glamorosa, e o
público ficou à mercê de uma sujeira incrível, fora a umidade,
desconforto e uma série de outros incômodos inerentes. E como a estrada vicinal que conduzir-nos-ia para fora da fazenda, até o hotel em Bauru, também ficara intransitável, fomos aconselhados a esperar na tenda dos artistas ou
dentro do ônibus da produção. Foram longas horas de espera e ... calma
que vem mais histórias por aí, dessa aventura em Águas Claras !
Continua...
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