sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Autobiografia na Música - Língua de Trapo - Capítulo 94 - Por Luiz Domingues


Nesta altura, estávamos muito bem ambientados no Rio. O espetáculo entrara em seu ritmo normal, com o qual estávamos acostumados a conduzi-lo em São Paulo, e as reações mostravam-se iguais, sem nenhuma chance de haver algo diferente, por algum fator regional. O show do sábado, 7 de abril de 1984, foi muito bom. Duzentas e sessenta pessoas compareceram à sala Sidney Miller, para ver uma performance boa da banda e assim, a reagir com entusiasmo.

Naquela noite, fomos todos juntos ao bairro da Gávea para jantar no famoso restaurante Sagres, que era tradicionalmente frequentado por atores da Globo, por ficar perto da antiga sede dessa emissora, no Jardim Botânico. O Sagres ficava em frente ao hipódromo da Gávea, e tinha tradicionalmente uma cozinha boa e um ambiente acolhedor, ao parecer-se de certa maneira, com restaurantes do bairro do Bexiga, em São Paulo. 

Nessa noite, vários amigos estiveram juntos conosco, incluso Chico Caruso, o grande cartunista, e um entusiasta do trabalho do Língua de Trapo. O dois dias posteriores foram pautados pela folga. Não haveria shows no domingo e segunda-feira, tampouco compromissos com a imprensa, portanto, alguns membros da nossa comitiva aproveitaram para voltar à São Paulo. Eu preferi ficar, pois não teria compromissos com A Chave do Sol, e apesar de ser jovem naquela época, e portanto ter natural disposição, fiquei com preguiça em enfrentar oitocentos e quarenta Km, em um "bate e volta" à São Paulo. 

Então, no domingo, li no jornal que haveria um show do "Herva  Doce", em um salão longínquo, no bairro do Recreio dos Bandeirantes. Apesar de ser um debutante em termos de conhecer os caminhos pelo Rio de Janeiro, fiquei com vontade de ir ver, e convidei os demais colegas que estavam em minha companhia no apartamento. Após o almoço, eu; Luiz Domingues; Paulo Elias e Naminha, aventuramo-nos em um ônibus que usamos na Rua Barata Ribeiro e fomos ver um show de Rock, em plena efervescência do BR-Rock oitentista. Mas o Herva Doce, ainda bem, mostrava-se como uma banda de Rock com trejeitos setentistas. Com ex-membros da Bolha; Veludo & Mutantes, em sua formação, não tinha nada a ver com o clima Pós-Punk e New Wave em voga, portanto, seria agradável vê-los, embora o seu som fosse nitidamente baseado no Pop para tocar nas FM's, ainda que a soar como os Rolling Stones, então "modernos" da década de oitenta, pós- LP Tatoo You. Chegamos ao local, que foi um salão bem grande e localizado em meio a um lugar inóspito, quase deserto. Não havia um grande público, talvez pelo fato de ser mesmo longe da zona sul e aí seria difícil para chegar-se, sem um carro à disposição. Em um salão onde caberia mil pessoas ou até um pouco mais, devia haver cerca de duzenteas, no máximo. 

Eu; Paulo Elias e Naminha, examinamos bem o local, e resolvemos assistir mais de longe, perto da mesa do P.A., onde teoricamente ouviríamos a melhor mixagem, ao nível da audição do técnico de som. Quando a luz apagou-se e a turma de Renato Ladeira deu o primeiro acorde, uma explosão pirotécnica ocorreu, para causar um impacto, claro, mas imprudentemente, quem estava muito perto do palco e com os braços colocados sobre ele, feriu-se !

Imediatamente pessoas socorreram alguns vitimados, e o Paulo Elias saiu a correr para unir-se à essa corrente solidária. De longe, o vi a conduzir uma menina com o braço a sangrar, até o socorro médico de emergência, que fazia plantão por ali. Mas no tumulto, mesmo assim, a banda continuou a tocar, ao denotar que os músicos não perceberam a gravidade do ocorrido. E não foi por culpa deles, diretamente. O show foi bom, quase ao não parecer tratar-se de uma banda oitentista e de fato, destoava de seus pares à época. Um fato curioso, como ficamos bem perto da mesa de som, vi algo estarrecedor !


O volume geral (level master) da mixagem, estava quase no máximo. Os botões estavam "socados", como fala-se no bordão musical, e o volume esteve sob um patamar ensurdecedor. Foi um dos shows mais altos em que lembro-me ter visto / ouvido. Na saída, foi um tanto quanto desolador esperar por um demorado ônibus que levasse-nos à Copacabana, novamente, mas um fato curioso chamou-me a atenção : havia a presença de freaks com visual setentista, embora muito jovens e tinham o comportamento que eu tanto acostumara-me a verificar nos anos setenta. Foi um autêntico Dejá Vu, ver aqueles hippies anacrônicos ali, a portar-se como se estivessem na porta de um show dos Mutantes, em 1972...
Um deles comemorava o fato em ter apoderado-se de um par de baquetas do baterista do Herva Doce, e essa cena lúdica fez com que eu lembrasse-me dos anos setenta...

Continua...  

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