Alguns dias de folga foram estratégicos para repor a energia. Essa foi uma antiga reivindicação dos mais veteranos, pois estavam sem
descanso desde 1981, praticamente, visto que haviam emendado o período
de crescimento da banda, à primeira turnê, "Obscenas Brasileiras", e sem
escalas, a entrar na turnê subsequente :"Sem Indiretas". Sendo assim, o primeiro show
do novo ano, só ocorreu em 14 de janeiro de 1984, e sob um local inusitado para
os padrões do Língua de Trapo. Isso por que foi um show fora do parâmetro
normal em Teatros ou pelo circuito universitário, onde tradicionalmente apresentávamo-nos e desta feita, o espetáculo ocorreria em um salão que normalmente promovia noitadas regadas a música
mecânica, que esporadicamente fazia apresentações ao vivo, e cujo público
alvo, eram Hippies; Bichos-Grilo; Rockers e apreciadores da MPB / Hippie,
setentista. Tratava-se de uma casa chamada, "Led Slay", localizada no
bairro do Tatuapé, na zona leste de São Paulo.
Eu
conhecia o salão, embora nunca houvesse apresentado-me ali
anteriormente, mas o Língua de Trapo, não, e assim, seus componentes sentiram-se bastante deslocados em meio a um
ambiente onde não estavam acostumados a atuar. Após o soundcheck, fomos
levados por um produtor, para jantar nas proximidades. Eu morava no Tatuapé nessa época e conhecia bem o bairro. Poderíamos ter ido a uma série de lugares bons que existiam, com todo o tipo de comida
disponível, mas o tal produtor levou-nos na lanchonete de uma tapeçaria,
próxima ao Led Slay, e tal ambiente proporcionou-nos um momento hilário.
Digo isso, pois essa tapeçaria (que
era enorme e famosa na região), costumava promover propagandas cafonérrimas na TV, e
assim que a Kombi que levou-nos, estacionou, as piadas e as imitações
dos personagens boçais que faziam anúncios na TV, começaram. Esgotamos a
nossa cota de risadas nessa noite, com tantas pilhérias que foram criadas. De volta ao local do show, observamos
que havia um bom público, mas os membros do Língua de Trapo, esboçavam preocupação, pois
seria um tipo de público que não conheciam, e portanto, havia um certo receio de que não
entenderiam a proposta da banda, a exigir que tocássemos Rock. Eu os
tranquilizei, ao dizer-lhes que não tratava-se de um público Rocker
radical, pelo contrário, tratava-se de um perfil de público que apreciava e muito a
MPB, e que mesmo ao não conhecer o nosso trabalho (supostamente), dificilmente hostilizar-nos-ia. O Pituco Freitas fez uma brincadeira engraçada, antes de
entrarmos em cena, ao empreender trejeitos performáticos, quando subiu ao palco
a gritar : -"isto é um simulacro"... rimos muito, a entrarmos em cena, quase
desconcentrados. Mas o show foi muito bom, pois mesmo por não ser o
habitat natural da banda, o público respondeu bem, ao apreciar as piadas, a
performance, e a rir muito, como o padrão normal nos shows do Língua de Trapo. E foi o
maior público que tivemos nessa fase comigo de volta à banda, pois
havia cerca de duas mil pessoas a assistir a apresentação. Apesar de ter sido um show feito em uma casa onde
a estrutura não era adequada (por não haver cenografia), concluímos o show
normal, inclusive com as intervenções de áudio, e o telão com as sketches de
Super-8.
Aliás, o cineasta, Louis Chilson, foi um dos animados nesta noite, ao
divertir-se muito com a invenção de última hora do Pituco Freitas, e por conta disso, ficar
a repetir a palavra, "simulacro", a noite inteira.
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