quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Autobiografia na Música - Língua de Trapo - Capítulo 113 - Por Luiz Domingues

Antes de seguirmos para o interior, tivemos uma data na região do ABC, na Grande São Paulo, especificamente na cidade de Diadema. Foi um show marcado para o Teatro Clara Nunes, no centro daquela cidade do ABC paulista. Tinha tudo para ser um ótimo show, pois tratava-se de um teatro novo em folha, equipamento cultural da prefeitura de Diadema, com pouco tempo de vida e uso. 

A estrutura física foi muito boa, assim como a iluminação, mas o P.A. fora alugado pelo produtor local. Até aí, tudo bem, pois era uma praxe para nós. Contudo, infelizmente, o P.A. que o rapaz alugou, mostrou-se sob uma qualidade nitidamente inferior ao que estávamos acostumados. Logo que chegamos ao teatro, e vimos o equipamento, já percebemos que teríamos problemas. No soundcheck, chegamos à conclusão que o show seria um desastre, com tantos empecilhos ali verificados e que na somatória de tudo, tornaria o show, uma tortura para nós, e pior ainda, para o público. E no caso do Língua do Trapo, onde a equalização precisava garantir a inteligibilidade das letras, para fazer sentido o teor das piadas, apresentar-se sob tais condições insatisfatórias, seria uma irresponsabilidade para com a plateia pagante. 

Então, reunimo-nos com o empresário, Jerome Vonk, e comunicamos-lhe que preferíamos cancelar o show. Lógico, tal decisão causou um rebuliço. O próprio Jerome quis ter a nossa absoluta certeza de que tecnicamente seria inviável realizar o espetáculo. Ele precisava desse elemento para comunicar ao promotor do show e dar uma satisfação ao público que já começava a aglomerar-se na porta do teatro. 

Claro que o rapaz apavorou-se com essa perspectiva e não foi fácil convencê-lo de que realmente o equipamento que ele contratara foi de uma qualidade inferior, e inviabilizava o show, por conseguinte. Nesse ínterim, a sua preocupação foi dar satisfação ao público e ao dono do equipamento que ofendeu-se com a nossa recusa numa primeira instância e em seguida, exigiu o pagamento acordado, independente do show realizar-se ou não.

O tempo pôs-se a passar e as discussões acaloraram-se. O promotor era um rapaz sensato e não indispôs-se conosco, mas o ânimo acirrara-se com o dono do equipamento, enquanto a aglomeração na porta do teatro aumentava a cada minuto. Com a demora para abrir as portas e sem saber o que ocorria, o público começou a revoltar-se, também. Então, quando chegou-se em um ponto insustentável da tensão, o promotor foi à porta e tentou explicar o problema, ao anunciar o cancelamento do show. 

O povo revoltou-se ainda mais e na base da força, quis invadir o teatro. Nessa hora, basta uma pessoa incitar e a massa obedece sem racionalizar, é um fato. Portanto, com muito custo e alguns safanões, fora os xingamentos e ameaças, o rapaz conseguiu entrar e fechar as portas, ao preservar a sua integridade física. Contudo, o público começou a forçar a porta e aos gritos, ameaçar também a banda. 

Nessa altura, o Jerome viu que a situação ficou muito assustadora e correu até nós, para pedir-nos que trancássemo-nos no camarim e estivéssemos preparados para defendermo-nos em caso de invasão e ameaça de agressão. Chamaram a polícia, até que enfim,  mas do camarim, ouvíamos os gritos e confesso, foi bastante tensa a situação. Por incrível que pareça, acalmados os ânimos, o promotor desse show selou acordo de adiamento do espetáculo, para dali a dois meses, e uma comunicação foi dada às pessoas, para que guardassem os seus ingressos, para essa ocasião futura. Incrível como os ânimos acirrados e sobretudo pelo fato de alguém insuflar a massa, faz com que pessoas normalmente pacatas percam a compostura. Foram as mesmas pessoas de bem que só queriam divertir-se e assistiriam prazerosamente o show. E cerca de cinquenta dias depois, foram as mesmas que assistiram o show adiado, enfim, e riram; aplaudiram e admiraram o trabalho da banda...


Continua...

Nenhum comentário:

Postar um comentário