sexta-feira, 27 de maio de 2022

Um Reles Consumidor - Por Luiz Domingues

Um jovem apaixonado pelo futebol desde criança, torcia alucinadamente por um dos clubes da sua cidade. E não satisfeito em acompanhar todos os jogos, senão in loco, na arquibancada dos estádios, mas pelos meios de comunicação, ele consumira tudo o que se relacionasse ao seu time de coração, ao praticamente ter o distintivo e as cores amarelo e marrom, oficiais desse clube, a ornar praticamente todo o seu quarto e depois que cresceu e se tornou independente, da sua casa inteira.

Foi quando o seu clube lançou uma revista no mercado, para atrair a atenção dos seus torcedores e a conter como pauta, diversas informações sobre as atividades da atualidade, curiosidades, feitos do passado, entrevistas com jogadores, membros da comissão técnica e dirigentes e assim, a se revelar bastante rentável, naturalmente ao explorar a paixão de seus torcedores.

Tempos depois, a direção da revista resolveu lançar uma promoção. Mediante o envio de um cupom publicado em suas páginas com uma pequena ficha cadastral, haveria o sorteio e o leitor escolhido seria recebido na redação da revista para fazer uma entrevista com o treinador do time, ao fazer uso de suas próprias perguntas.

O rapaz se animou muito com a perspectiva e preencheu a ficha com esperança de ser agraciado com tal oportunidade.

Duas emanas depois, eis que o telefone tocou e se tratou de uma moça que se identificou como secretária da redação da tal revista, e então o comunicou que ele fora o feliz sorteado. Perguntou a seguir se ele poderia estar na redação no horário de dez horas da manhã de um determinado dia a ser combinado, quando então entrevistaria o treinador do time, mediante as suas perguntas.

Eufórico, porém a se controlar para não parecer estar deslumbrado, o torcedor apenas perguntou sobre a quantidade de perguntas que teria direito de formular e a moça se mostrou lacônica ao afirmar: -"quantas ele quisesse". 

Bem animado com tal oportunidade, ele preparou um questionário com mais de cinquenta questões, a envolver aspectos das táticas de jogo, métodos de treinamento, perguntas sobre a preparação física e psicológica dos atletas e outras nuances sobre os bastidores da preparação de um time de futebol.

Quando chegou na sede da redação da revista, munido de seu extenso questionário em mãos, foi recebido pela secretária que se mostrou educada, porém bem mais formal do que aparentara ser pelo teor do telefonema com o qual haviam conversado, dias antes.    

Foi quando ela abriu uma gaveta e entregou um papel sulfite impresso para o rapaz. Nele, haviam cinco perguntas pré-formuladas pela própria redação da revista e então ela simplesmente afirmou que ele deveria formular tais perguntas ao treinador, assim que ele chegasse. Ora, não fora esse o combinado previamente. E mais do que isso, ela afirmara que não haveria limite, daí ele ter elaborado um questionário vasto. 

Todavia, o pior estava por vir, pois ao ler o questionário sugerido pela revista, o teor das perguntas o constrangeu completamente. O nível das perguntas se mostrava mais raso do que o texto de revistas de fofocas sobre atores e atrizes de novelas da TV. Perguntas tais como: -“ treinador, qual marca de perfume o senhor usa”, ou, -“Qual é o seu signo?” –“Qual a sua fruta predileta?”  e: –“Qual tipo de bebida o senhor prefere?” lhe causou espécie de imediato.

Indignado, o torcedor simplesmente afirmou para a moça que não faria essas perguntas ridículas e que insistia em fazer uso de seu questionário a abordar questões técnicas sobre o futebol. A moça arregalou os olhos ante a insatisfação expressa pelo rapaz e apenas respondeu com certo ar de estupefação que outros torcedores que haviam sido sorteados em ocasiões passadas, jamais haviam reclamado e teriam feito as perguntas sem causar problemas.

O rapaz foi então mais enfático ao dizer que se não pudesse fazer as suas perguntas, exclusivamente sobre futebol, abriria mão da oportunidade e partiria dali imediatamente.

Talvez a recear por levar uma bronca de seu chefe de redação acaso o rapaz se ausentasse, ela acatou a reivindicação e visivelmente contrariada apenas respondeu; -“ tudo bem, tudo bem, faça as suas perguntas então”.

Eis então que o treinador chegou acompanhado do assessor de imprensa do clube. Simpático com o torcedor, começou a responder as perguntas. E ele demonstrou gostar do teor das questões, pois afinal de contas, a conversa tangenciou para o que realmente interessava dentro daquele universo, que era o meandro do futebol.

No entanto, quando chegou na quinta pergunta, o assessor foi grosso ao extremo ao prover um corte brusco e bastante descortês, ao dizer com certa truculência: -“última pergunta, torcedor, o treinador tem treino marcado para daqui a pouco e esse questionário aí está a parecer prova de vestibular de quatro horas de duração”.

Bem, o constrangimento foi instaurado na saleta de reuniões, mas o torcedor não teve como evitar a interrupção abrupta.


Encerrada bem rapidamente a entrevista, o assessor comunicou ao torcedor que ele e o treinador seriam fotografados juntos e que este deveria sorrir e fazer um sinal manual típico de quando se expressa positividade, ou seja, o clássico dedão para cima, o sinal de “joia”.

Feitas as despedidas o assessor falou para o torcedor: -“Está dispensado, torcedor, retire-se por favor”.

Constrangido com o comportamento rude do assessor, o treinador tentou consertar o mal-estar ali gerado ao chamar o “torcedor” pelo nome e lhe convidar para que ele assistisse um treino. A seguir anotou o nome do rapaz em um papel, guardou no bolso do seu paletó e disse que deixaria a ordem expressa na portaria do centro de treinamento para que a sua entrada fosse autorizada sob o seu convite.

O rapaz já não havia engolido a história do questionário ridículo que tentaram lhe impor e depois ficou ainda mais contrariado com o tratamento dispensado pelo assessor de imprensa que o interrompera sem que nem dez por cento das suas perguntas houvessem sido formuladas ao treinador, mas o que lhe indignara mesmo foi se sentir um objeto ali, quando o tal prepotente assessor o dispensou e lhe chamou apenas de ‘torcedor”.

Sim, ele torcia por aquele clube, desde a tenra infância, mas aquela forma de tratamento o atingira de uma forma aviltante, com a qual ele jamais esperaria da parte de um funcionário do clube que tanto amava e além do mais, gastara uma fortuna ao comprar ingressos para assistir os seus jogos e adquirira uma quantidade absurda de quinquilharias com o seu distintivo e cores, obviamente a lhe dar muito dinheiro.

Ele foi ao treino de fato, entrou sem problemas com o seu nome devidamente anotado na lista de convidados do dia, mas não teve acesso ao campo, naturalmente e tampouco ao treinador. No entanto, sentado na arquibancada do centro de treinamentos, foi notado pelo treinador que assim que o avistou, ergueu o seu braço e o cumprimentou com simpatia.

Quando o treino se encerrou e ele já estava de partida, eis que avistou a figura do assessor de imprensa que o destratara dias atrás. Quando estavam muito próximos um do outro, o rapaz se preparou para cumprimentar, mas o tal assessor passou a olhar para o infinito, com a nítida intenção de ignorar a sua presença e assim evitar o contato visual direto.

Nesse momento ele confirmou que não exatamente para todos os envolvidos, mas para grande parte das pessoas que trabalhavam na estrutura do futebol, ele, assim como qualquer um, era apenas um “torcedor”, e pior, alguém que só lhes servia para gerar receita, advinda da exploração da sua paixão pelo futebol e que na prática, tais pessoas que faziam parte dessa estrutura interna, nem gostavam desse universo.

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