segunda-feira, 23 de maio de 2022

Desestímulo por Nada - Por Luiz Domingues

Desde muito pequena, Felipa, uma garotinha nascida na bela cidade de Aveiro, Portugal, mostrara forte interesse pela culinária.

Ao contrário de seus irmãos e primos, que preferiam as brincadeiras típicas da infância, Felipa foi aquele tipo de criança que mostrara a sua paixão por uma atividade em específico desde a tenra infância e não se tratou do fato de ser diferente e não gostar de brincar, mas definitivamente, ela preferia ficar na cozinha e observar todos os movimentos de sua mãe, avó e tias, nas atividades culinárias ali desenvolvidas.

Ela foi aquele rostinho que aparecia na pontinha da mesa, a fazer uso de um esforço grande para se equilibrar na ponta dos seus pezinhos, para poder olhar e os adultos se encantavam com a sua força de vontade para desejar ver tudo.

Bem, o inevitável ocorreu quando ela ficou maior, pois de observadora infantil se tornou um aprendiz muito aplicada e logo, mostrou que mais do que vontade de aprender, ela demonstrara possuir talento nato, e isso encantava os seus familiares mais velhos, que não se cansavam de elogiar os seus dotes, mesmo que ainda fosse apenas uma menina pré-adolescente nessa altura dos acontecimentos.

E à medida em que ela crescia, a sua paixão pela culinária sob diversas nuances cresceu ainda mais e com tal vontade que ela tinha para ser uma cozinheira e também confeiteira, o seu esforço tão apaixonado pela atividade a qualificava para vir a se tornar uma grande profissional, se bem que, na prática, ele já tinha essa condição, tamanha a sua desenvoltura.

Bem, a despeito da sua nítida aptidão, nem todo mundo da sua família levava em consideração o talento de Felipa. Um de seus primos, na verdade, nunca falou abertamente, mas na sua concepção, o fato dela ter se tornado uma boa cozinheira, não significava exatamente que fosse bem-sucedida na vida mediante tal atividade.

Isso por que a sua régua de medição era a mesma adotada pelos entusiastas das ditas “leis do mercado”, ou seja, ser ótima na culinária, pela sua ótica, só teria validade se ela fosse trabalhar em um restaurante renomado e remunerada por um salário de alto padrão, ou melhor ainda, se fosse a proprietária de um estabelecimento desse porte e com sucesso financeiro e social a olhos vistos.

Bem, esse tipo de pensamento norteia a sociedade ocidental de uma maneira geral, não resta dúvida e neste caso, são poucas as pessoas que rechaçam tal linha de pensamento e geralmente são consideradas como “outsiders” por não pensarem dessa forma.

Não foi exatamente a linha de pensamento de Felipa, que não era nenhuma idealista contra o sistema, mas também não era totalmente pautada por ele, ou a trocar em miúdos: ela sonhava, sim, em trabalhar na cozinha de um grande estabelecimento ou gerir o seu próprio negócio, todavia, motivada pela sua paixão pela culinária e não exatamente pela sanha de ganhar dinheiro e a nutrir o desejo da ascensão social, por conseguinte.

Esse choque de mentalidade entre ela e seu primo, nunca foi algo frontal e nem mesmo havia da parte dele, qualquer intenção de diminuí-la em relação ao seu talento, no entanto, com o passar do tempo e ao observar que Felipa recebia elogios cada vez maiores por seus dotes, mas na prática a trabalhar em um pequeno restaurante sem nenhuma perspectiva de crescimento, ele passou a adotar uma tática sutil de desestímulo sempre podia, no intuito de fazê-la enxergar que estava a perder tempo na vida,

Dessa forma, a sua intenção foi a melhor possível ao aspirar “abrir os olhos” da sua prima, no entanto, a forma com a qual montou a sua estratégia de alerta, foi um desastre completo.  

Convicto de que ela nunca daria certo na vida como cozinheira, ele simplesmente adotou uma postura que aos olhos dela parecia muito estranha, pois se abstinha de tecer elogios aos pequenos progressos que ela obtinha, ao contrário de seus outros primos, que se entusiasmavam com cada pequeno feito, como por exemplo ao vencer concursos de culinária de pequena monta ou a receber uma nota no jornal local por ter preparado um prato elogiado de sua criação, no pequeno restaurante no qual trabalhava.

E para demarcar a sua estratégia, por outro lado, ele exagerava nos elogios para todo acontecimento que envolvia Felipa, desde que nada tivesse conexão com a culinária, certamente na esperança de que ela despertasse de seu sonho por ele considerado utópico e assim, se arrumasse melhor na vida, mediante um caminho mais realista.

Por exemplo, quando ela se envolvera com uma ação de voluntariado gerido pela paróquia católica que frequentava. Quando Felipa comentou em família que estava a dedicar algumas horas semanais para empreender tal tipo de trabalho social em prol de pessoas carentes, ele deu um pulo da poltrona e com exagerada ênfase, exclamou: -“você se achou, finalmente!”

Uma tia de ambos retrucou com bom humor que ele estava a exagerar, pois isso se constituía apenas de uma ação secundária na vida de Felipa e que ela era acima de tudo uma excelente cozinheira e confeiteira.

Ao perceber que chamara a atenção em demasiado com uma reação tão efusiva, o primo consertou a situação ao disfarçar a sua real intenção, ao acrescentar que apenas achara bonito o gesto altruísta da sua prima e claro que isso nada tinha a ver com a sua atividade na culinária.

Algum tempo depois, eis que Felipa foi convidada para fazer parte de corpo de jurados de um concurso literário patrocinado pela escola local. Quando soube do convite, o primo, sempre com aquela boa intenção de apontar outras vocações para Felipa, mais uma vez se exaltou ao dizer para ela que o mais acertado seria considerar a hipótese de se candidatar a se tornar uma funcionária fixa da escola, pois as crianças e adolescentes demonstravam gostar dela.

Felipa percebia que ele a desestimulava em relação à culinária e sempre forçava emitir opiniões fora de propósito para que ela investisse tempo e energia para se dedicar a outras funções profissionais e em princípio, ela não entendera a real motivação dessa campanha velada de desestímulo pela qual ele se empenhava tanto e pelo contrário, começou a se magoar com a falta de reconhecimento de sua parte em relação ao fato cabal de que ela sempre fora uma ótima cozinheira e que acima de tudo, amava a culinária.

Passado mais um tempo, eis que ela foi convidada a comandar a cozinha de um restaurante de um nível melhor, acostumado a atender a burguesia da cidade e ele foi prestigia-la. Casa lotada, quando o jantar foi servido, a satisfação dos clientes foi tão grande que em dado momento, o maitre a chamou para comparecer ao salão para que fosse homenageada pelos clientes e ali, Felipa foi saudada com uma salva de palmas.

O primo, ao contrário, estava com uma expressão facial de profundo tédio, como se reprovasse a situação. Em conversa reservada dias depois, ela simplesmente nem tocou no assunto sobre esse jantar e tampouco da manifestação da clientela ao reconhecer o seu bom trabalho como a exímia cozinheira que o era. Mas o primo não se conteve e com um ar deveras azedo, disse que a comida estava saborosa, certamente, mas ela deveria preparar pratos mais populares em uma outra oportunidade, pois muita gente ali aplaudira por educação, mas achara a comida inadequada, na verdade.  

Chateada, Felipa retrucou com certa veemência, pois já não aguentava mais suportar essa má vontade de seu primo para com os feitos dela no campo da culinária. Nessa predisposição em contrário, ela simplesmente disse que ali a ideia foi buscar algo mais sofisticado e não apelar para os pratos mais populares. 

Demorou muito, mas finalmente ela percebeu que não havia maldade da parte de seu primo, porém, apenas uma descrença de sua parte pela atividade que ela escolhera exercer e muito pelo contrário, ele gostava dela e se insistia em manter essa estratégia desagradável, fora motivado pelo fato de se sentir convicto de que ela estava iludida com tal escolha e dessa forma, ao desejar o seu bem, a desestimulava “sutilmente” no afã de que ela despertasse para a “realidade”.

Faltara apenas ao primo bem-intencionado, mas péssimo avaliador da situação como um todo, entender que ela era plenamente feliz ao praticar a culinária, mesmo que não fosse proprietária de um restaurante e nem mesmo estivesse empregada em um estabelecimento renomado.

Em suma, faltou ao seu primo entender que o esforço de Felipa lograra pleno êxito, mesmo que isso não tenha se refletido com um ganho significativo em termos monetários.

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