No ambiente de uma típica cidade pequena do interior de São Paulo, havia dois fatores dados como certos: o calor tórrido que era forte o ano inteiro naquele local, incluso no inverno e a outra questão considerada como uma norma ali, dava conta de que mais até que os serviços básicos, abrir uma sorveteria era a melhor escolha para se ganhar dinheiro em tal municipalidade, por motivo óbvio.
Mas não era uma missão tão fácil assim, haja vista que já existiam duas sorveterias bem tradicionais ali instaladas e assim, montar um novo estabelecimento nesse mesmo ramo, exigiria investimento e inovação no seu formato, ao se levar em conta que atrair a freguesia das concorrentes, ali sedimentadas há décadas, seria muito difícil e por conseguinte, a se revelar como um risco muito grande.
Foi quando quatro amigos de infância, assim que encerraram os seus estudos do ensino médio, adotaram uma postura diferente da maioria dos jovens da cidade, que geralmente buscavam o ensino superior em cidades maiores da região ou mesmo na capital e dessa forma, eles resolveram permanecer na pequena cidade natal e investirem em um negócio.
Com apoio de seus respectivos pais que eram abonados, a dificuldade financeira para dar impulso inicial ao comércio, não foi problema, porém, o desafio maior se deu com a questão da estratégia, pois em uma pequena cidade e com predomínio de população idosa, pelo motivo de que os jovens se mudavam para buscar oportunidades de estudo em cidades maiores e poucos voltavam depois de formados, a questão foi: como atrair os mais veteranos, com a tendência ao conservadorismo e assim não deixar de frequentar a concorrência ali sedimentada há décadas?
A estratégia foi então direcionar a propaganda a atingir o público infantojuvenil e dos jovens em geral de cidades vizinhas, ao oferecer sabores diferenciados, conexão com a modernidade tecnológica e interatividade nas promoções.
Ótima opção, isso iria na direção oposta ao tradicionalismo ali tão impregnado, portanto, seria um diferencial e tanto. Daí a conseguir quebrar paradigmas e sedimentar-se naquele mercado tão insípido, havia um abismo, naturalmente. Aliás, é muito normal em uma cidade interiorana de pequeno porte que as pessoas visitem um novo estabelecimento em peso quando da sua inauguração e rapidamente voltem a frequentar os concorrentes tradicionais, logo a seguir.
Dessa forma a intenção foi não esmorecer na propaganda e sempre buscar interagir com a juventude da região ao falar a linguagem dela e em seus meios, certamente.
Nesses termos, vivia-se uma euforia em torno dos "podcastings" e das "webradios" nesse tempo e os jovens proprietários dessa sorveteria toda moldada para a modernidade, foram incisivos ao investir na propaganda feita nesses meios
Naturalmente que foram convidados a conceder entrevistas em diversos programas para explicar o funcionamento da sua sorveteria, também sobre a questão da interatividade na internet e sobretudo sobre os sabores diferenciados que ofereciam no menu da sua sorveteria.
Um dia, dois desses jovens sócios foram agendados para conceder entrevista em um programa de uma webradio dessas que atuavam na região. Um dos rapazes concedeu a entrevista e o outro ficou marcado para intervir mais tarde.
Quando chegou ao escritório da sorveteria, o rapaz que já havia concedido entrevista, falou para o colega aguardar por um instante que ele buscaria um papel a conter a anotação do nome da emissora, a sua sintonia e o nome do comunicador, para que ele não se perdesse com tais detalhes.
Pois assim que a conexão foi estabelecida, eis que o sócio já devidamente no ar, saudou efusivamente o entrevistador e o seu público ao falar em alto e bom som o nome de uma webradio concorrente.
Atônito, o entrevistador riu sem graça e corrigiu de pronto o entrevistado, e este reagiu com profundo constrangimento por conta de uma gafe tão grande. No entanto, no papel que o colega lhe dera, estava escrito em letras garrafais o nome da emissora concorrente.
Concomitantemente, uma sonora gargalhada eclodira de um outro cômodo do escritório e ficara claro para ele, se tratar do seu sócio que lhe entregara a anotação com os dados básicos. Ele fora a única outra pessoa presente na casa naquele instante e certamente fora ouvir a entrevista através de um outro computador.
No entanto, mais do que rir de um lapso, ficara clara para o sócio constrangido que a gargalhada tivera uma conotação de escárnio, como se a falha cometida o divertisse muito, por alguma motivação obscura.
Quando a entrevista se encerrou, ambos se encontraram na cozinha da sorveteria e o rapaz que entregara a ficha, riu mais uma vez, mas desta vez a querer denotar uma aura de compreensão pela falha e logo tratou de se desculpar, ao dizer que a falha fora sua ao escrever o nome da concorrente por um engano fortuito de sua parte.
Ora, se tratou de uma boa desculpa e ficou por isso mesmo, pois não haveria meio de se provar uma outra intenção da parte do colega. No entanto, aquela gargalhada espalhafatosa, corroída por escárnio e um indisfarçável prazer de flagrar o colega a cometer um erro crasso, não saíra da percepção do rapaz humilhado.
Bem, a sorveteria foi inaugurada, elogiada e tudo mais, no entanto, não prosperou como esperavam os quatro sócios. Muitos fatores contribuíram para tal, o conservadorismo local provavelmente como o principal fator, é claro, porém, a quebra da confiança por conta de um episódio tão remoto, também pode ter entrado nessa somatória, pois o rapaz ultrajado nunca engoliu a desculpa do colega e assim, internamente ele notou desde de tal acontecimento, que a união ali nunca existiria.
E ao chegar nessa conclusão, deduziu o óbvio, ou seja, como poderia prosperar uma sociedade na qual um sócio achava engraçado que o colega se expusesse ao ridículo e pior, contribuíra decisivamente para esse desfecho ao promover um pequeno ato de sabotagem deliberada?
Neste caso, ao conceder a entrevista em nome da sorveteria e proferir uma fala equivocada, automaticamente não depôs contra o estabelecimento? Pois é, se não pensara nesse aspecto, o possível sabotador deixara claro que o sucesso do empreendimento era menor ante a sua vontade de provocar o constrangimento do colega.
Portanto, nada que fizessem em termos de
investimentos, inovações e propaganda e nem mesmo o dinheiro investido haveria
de evitar o fracasso, pois o elo que os unia já estava quebrado antes mesmo do
negócio abrir as portas.
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