domingo, 31 de maio de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 306 - Por Luiz Domingues


Sem dúvida que o esforço que Clemente Nascimento e Ronaldo Passos, d'Os Inocentes, fizeram para nos ajudar foi muito salutar. Assim como Charles Gavin, dos Titãs, que também esforçou-se para nos dar uma ajuda, ambos foram muito solícitos nessa ocasião, e logo mais eu relatarei outros desdobramentos, também nessa prerrogativa deles terem nos auxiliado bastante nesse ano de 1986.

Enfim, de volta ao foco da narrativa, seguimos a orientação do Clemente, e paulatinamente colocamo-nos a visitar o estúdio Mosh, com o objetivo de aproximarmo-nos dos produtores Peninha e Liminha, que foram os nomes fortes da Warner na época e junto ao diretor da casa, André Midani, determinavam as contratações e estratégia de ação para o elenco da gravadora. Quem mais participou de tais visitas foi o Rubens, Beto e o Zé Luiz, no entanto. 

Eu fui apenas uma vez ao estúdio, e houve uma estratégia explícita de nossa parte, pois combinamos de nunca estarmos os quatro membros da banda juntos, para não caracterizar uma ação predatória de nossa parte. Pelo contrário, queríamos transparecer despojamento em nossas visitas, ao máximo, e tentar dessa maneira, uma aproximação "natural" ao buscar enturmarmo-nos com os formadores de opinião. Nesses termos, posso falar de uma visita em que estive presente, onde algo hilário aconteceu.

Creio que posso contar isso de uma forma tranquila, pois a despeito da trapalhada que configurou-se, não se trata de algo ofensivo para o seu artífice, o meu amigo José LuiZ Dinola. Como eu já falei várias vezes em toda a narrativa, inclusive em capítulos concernentes à outras bandas, o Zé Luiz é um extraordinário ser humano. A sua capacidade inventiva, também em aspectos extra-musicais é inacreditável, e as suas qualidades musicais são indiscutíveis. Não obstante tantos predicados que ele carrega consigo, ele é extremamente distraído, e não foram poucas as vezes que ele protagonizou situações engraçadas por conta de sua conhecida e costumeira distração contumaz. 

No capítulo do Sidharta, trabalho que fizemos juntos entre 1998 e 1999, eu já contei a incrível história dele com o ex-estilista, Clodovil Hernandes (está nos últimos capítulos daquela narrativa).
Mas neste caso das gravações do álbum d'Os Inocentes, em 1986, algo incrível ocorreu, e eu fui testemunha ocular dessa pérola...

Fomos ao Mosh em uma tarde de terça ou quarta, não me recordo ao certo. Chegamos ao velho sobrado localizado em uma tradicional rua do bairro da Vila Pompeia, e ao invés de um funcionário do estúdio nos receber, eis que atendeu-nos a porta um dos vocalistas dos Titãs, Branco Melo.

Os Titãs estavam na crista da onda, e com aquela fisionomia típica dele, com olhos esbugalhados e corte de cabelo a la "New Wave", seria impossível não reconhecê-lo, imediatamente. Ao agir com uma certa formalidade, como se fosse um funcionário do estúdio, quando ele abriu a porta falou: -"Pois não?"

Claro que eu reconheci o Branco, imediatamente, mas o Zé Luiz tomou a dianteira, e de pronto, pôs-se a falar que estávamos ali a convite d'Os Inocentes etc.  O Branco foi solícito ao nos deixar adentrar a casa, e falou-nos ser: "Branco Melo dos Titãs", ao formalizar uma auto-apresentação, mas mesmo assim, o Zé não entendeu, e continuou a tratá-lo como a um rapaz desconhecido, com educação certamente, mas sem reconhecê-lo, como um artista famoso já bem solidificado no mundo mainstream.

O Branco percebeu que o Zé Luiz não o reconhecera e sorriu para mim, como se buscasse a minha cumplicidade nesse episódio, que se não chegou a ser constrangedor, foi no mínimo, um ato atrapalhado. Então ele pediu para esperarmos um pouco na recepção, e foi falar com o Clemente. Quando ele, Branco, afastou-se do recinto, eu falei para o Zé Luiz que ele dera um fora, pois não percebera que o rapaz era o Branco Melo, dos Titãs. 

Aí ele surpreendeu-se, e ao estabelecer aquela típica expressão facial de espanto, riu da situação, pois não acreditara que não pudesse ter reconhecido o Branco, mesmo sendo ele, visualmente a observar-se, talvez o Titã mais marcante, justamente por conta de sua fisionomia, com os olhos proeminentes e geralmente realçados por recursos de maquiagem para forjar uma imagem artística agressiva, ao seguindo o modismo do Pós-Punk etc. e tal. Enfim, não surpreendi-me com a distração do Zé LuiZ pois já o conhecia de longa data, mas que foi engraçado, isso foi...

Nesse dia, conversamos com o pessoal, em meio a um clima bastante amistoso, e o Clemente falou-me que o meu baixo fora bastante elogiado pelo Liminha, que o testou e o aprovou para a gravação do disco. Nessa altura, eu o vi com cordas novas, de marca "Rotosound", justamente a que eu mais costumava usar (gostava/gosto, da GHS também), e ao ir além, ele falou-me também, que um jogo de cordas novo seria usado a cada dia de gravação, um requinte que um pobre mortal artista independente e descapitalizado como eu, nem sonhava, pois um encordoamento novo em folha para mim, era algo bastante sazonal, infelizmente, por questões monetárias proibitivas. 

Os produtores Liminha e Peninha haviam saído para um lanche em algum lugar do bairro, demos azar nesse aspecto, e a nossa determinação foi obviamente forjar uma aproximação com ambos, ao seguir a estratégia planejada pelo próprio, Clemente.

Então, tive a ideia de sair, mas ao deixar o Zé Luiz ali presente para forjar uma suposta naturalidade, a dissimular a nossa real intenção, porém sabedor de que o Rubens apareceria ali, posteriormente. Ficara excessivo ficarmos os três, e o Beto já havia dito que pretendia comparecer em outra ocasião.

E foi assim, de forma estratégica, eu me despedi de todos e aleguei um compromisso, para deixar o Mosh, para que o Rubens pudesse chegar a seguir, e junto com o Zé Luiz, tentar essa aproximação velada. Uma segunda visita ocorreria no dia seguinte, conforme relatarei a seguir.
Continua... 

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