sexta-feira, 29 de maio de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 274 - Por Luiz Domingues


Chegamos nos estúdios da TV Cultura, no horário combinado, por volta das 10:00 horas da manhã. A única informação prévia da qual dispúnhamos, foi que seria um clip bem simples, com cenas da banda a dublar a canção, para intercalar-se com cenas do Apartheid sulafricano, extraídas de matérias jornalísticas, oriundas de material de agências internacionais (aliás, uma boa pergunta: seriam imagens liberadas para qualquer uso? Seria domínio público?).

Muito bem, não tínhamos como emitir grandes palpites naquela circunstância, com despesa zero para nós. Então, mantivemo-nos isentos nessa questão, todavia, apesar da simplicidade toda, o resultado final não fugiria muito dessa ideia central, em intercalar as imagens sobre o Apartheid da África do Sul, com a banda, na nossa concepção, também.

Como a música é praticamente um manifesto da banda, a posicionar-se contra a segregação racial, o caminho mais simples seria esse, sob uma primeira instância, e se houvesse alguma verba de nossa parte, talvez a sofisticação viesse com uma abordagem mais metafórica, a usar de alegorias, representações oníricas etc.

Se pudéssemos contratar o diretor britânico, Ken Russell, certamente faríamos desse clip, um delírio onírico, quiçá a usar imagens louquíssimas a conter elefantes negros e encapuzados, a ser arrastados para o mar, por "criptonazistas", ou coisa que o valha...isto é, como são bons e loucos os filmes do saudoso Kenny!

Enfim, em nossa realidade, a predisposição foi no sentido de dublar a canção e torcer para o editor escolher imagens significativas do jornalismo, a exibir a injustiça naquele país africano. Então, veio a pior parte dessa produção, na minha opinião. 

Após sairmos da sala de maquiagem e colocarmos o nosso figurino de show, fomos convidados pelo diretor em questão (o leitor vai execrar-me, mas eu não recordo-me do seu nome, tampouco achei alguma anotação que ajudasse-se nesse sentido), a nos dirigirmos para um local ermo das instalações daquela emissora. Até então, achávamos que filmaríamos em um estúdio tradicional, com iluminação adequada, e uso do "Chroma Key", para depois facilitar a vida do editor, ao somar as imagens do jornalismo, pré existentes. Contudo, por azar total, todos os estúdios estavam ocupados com outras produções em curso, e como essa atividade fora um encaixe, e desprovido de recursos, eles resolveram improvisar...

Foi então que entrou a percepção do rapaz responsável pela direção, baseados em seus paradigmas distorcidos sobre o que seria o Rock e nesses termos, a definir em qual ambientação ficaríamos mais adequados. Foi, portanto, a confusão pessoal dele ao não entender o nosso real espectro artístico que dominou a cena. Em suma, fomos alojados em um lugar ermo, inóspito e rude. Tratou-se de uma espécie de "lixão", onde os funcionários costumavam colocar as sobras de material destinados ao descarte, e ali ficavam amontoados de uma forma muita feia, a parecer escombros desoladores.

Eu sempre fui um crítico contumaz desse tipo de ambientação rude, por remeter ao Punk-Rock, enquanto ideologia de destruição, aspereza, baixo astral, decadência, sujeira devastadora a denotar desleixo,; depravação, ruína social etc.  Ou seja, foi um desastre filmar em um lugar feio desses, como se fosse um set de filmagem para filmes oitentistas de mentalidade Punk, tais como "Mad Max", e "Blade Runner" que apontavam para a decadência da civilização.

Dessa forma, eu fiquei muito chateado com tal decisão repentina, entretanto, houve dois argumentos da produção, que não poderíamos contestar: 

1) A falta de um estúdio decente naquele momento e; 

2) Se na letra da música, falávamos sobre uma crise social onde um povo segregacionado pela sua condição racial, vivia na miséria, em detrimento de outro que privilegiado pelo poder, usufruía de conforto total com a tal praia privativa (Sun City), fez sentido que a banda se colocasse na ambientação miserável, como forma do espectador do clip nos identificar como "mocinhos" nessa história.

Nesse aspecto, houve coerência, mas em meu caso, internamente, considerei uma lástima estar todo arrumado como um Rocker à moda antiga, bem vestido, naqueles escombros a enaltecer o baixo astral dos anos 1980.  Enfim, não nos coube lançarmos opiniões nessa produção, pois tratara-se de um "cavalo doado", portanto, não houve cabimento para que nós lhe examinássemos os seus dentes...
Continua...

Nenhum comentário:

Postar um comentário