quarta-feira, 20 de maio de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 255 - Por Luiz Domingues


O ano de 1986, iniciou-se com muito trabalho para a banda. Não tínhamos uma movimentação na agenda prevista para curto prazo, mas colocamo-nos a trabalhar em ensaios, ao focar em muitas músicas inéditas, e rapidamente, construímos um repertório inteiramente renovado e sobretudo, a adotar uma nova estética e senso estilístico. Como reagiriam os fãs ? E a crítica, o que teria a dizer sobre mais uma mudança radical por nós apresentada ?
Pois foram alguns riscos que corremos, como se estivéssemos no ar, a pilotar um avião, e a estabelecer mudanças de rotas a todo instante. Portanto, foi urgente a nossa necessidade em gravar uma demo-tape que retratasse essa nova fase da banda, com canções mais palatáveis ao mercado Pop, midiático e radiofônico. O lado bom dessa cruzada insana que decidimos trilhar, foi em torno da determinação com a qual lançamo-nos para cumprir tal tarefa. O lado ruim, na verdade desdobrou-se em algumas nuances. 

Tornou-se óbvio que tantas mudanças radicais seriam nocivas à imagem da banda. A troca frenética de vocalistas gerou confusão, certamente. Primeiro pela questão do material de divulgação, com a necessidade constante em prover a atualização de fotos promocionais; release; histórico; e currículo, ou seja, itens básicos do material gerencial da banda. O aspecto estético dessa empreitada, a revelar-se ainda pior, foi com a não fixação de uma imagem, com a agravante de um vocalista ser ainda mais incisivo para uma banda, por estigmatizar-se o seu timbre de voz, interpretação e atuação como "frontman" no imaginário dos fãs.

Pior ainda, foi promover mudanças sonoras significativas. Isso gerou algo além da confusão, com uma quebra de confiança na banda, pois denotara uma insegurança interna muito acentuada. 


Como fazer com que as pessoas acreditassem no trabalho, se nós mesmos não demonstrávamos tal confiança, ao menos subliminarmente ? Lógico que essas conjecturas não eram levadas em consideração à época. Analiso tudo isso sob o distanciamento histórico, e certamente beneficiado pela experiência acumulada ao longo de tantos anos. 

Isso por que ali, no calor dos acontecimentos e diante de vinte e poucos anos de idade que eu e os demais ostentavam, só queríamos que a banda lograsse êxito, e mudar estratégia com o jogo em andamento não seria o ideal, porém, não tivemos constrangimento em tentar tais mudanças de rota, pois naquele instante, julgamos ser a medida certa a ser adotada. Assim foi janeiro de 1986, com os dias quentes de verão, dedicados aos ensaios de composição e arranjos de muitas novas músicas. 
O lado bom desse esforço frenético, foi que renovamos o repertório sob uma velocidade estonteante. Foi como se tornássemo-nos uma banda recém criada, com um material inteiramente inédito em mãos. Todavia, haveria um certo aspecto a ser levado em conta, também. A despeito de nossa resolução interna para mudar radicalmente, tínhamos dois discos lançados. E assim, como lidar com o fato de que já tínhamos um público significativo e que era dividido entre os dois trabalhos anteriormente lançados ? Quem gostava d'A Chave do Sol sob a égide do "Power-Trio" a desenvolver um trabalhado fortemente influenciado pelo Jazz-Rock, e famoso pelas apresentações no programa televisivo, "A Fábrica do Som", não abriria mão em ouvir "Luz"; "18 Horas", e outras canções dessa mesma sonoridade e estética. E a despeito do EP ter gerado controvérsias, a balada, "Um Minuto Além" caíra no gosto dos fãs, mesmo com o ranço Heavy-Metal com o qual ela foi gerada. Descartaríamos tudo, para começar tudo de novo, do zero ?

Nesse ínterim, uma atividade com aura de recreação movimentou o nosso carnaval de 1986.  Como costumeiramente ocorria, o carnaval sempre foi um período infrutífero e entediante para Rockers como nós, não interessados na tal da "folia". E como a família do Rubens geralmente viajava para aproveitar a casa de praia que possuíam na cidade de Ubatuba, no litoral norte de São Paulo, o Rubens lançou a ideia de nós fazermos uma festa Rock, na sexta-feira que antecedeu o início dos festejos carnavalescos, ao convidar assim, várias bandas da cena paulistana. Era para ter sido algo totalmente informal, mas no avançar dos acontecimentos, ganhou uma surpreendente proporção, pois até o jornalista, Antonio Carlos Monteiro (a representar as revistas "Roll" e "Metal"), foi convidado e ele culminou em aproveitar a ocasião para realizar algumas entrevistas. Lembro-me bem dele, a abordar o guitarrista de Blues, André Christovam, ali presente, por exemplo, para realizar uma entrevista in loco.

Então, o equipamento de ensaio da nossa banda foi colocado à disposição de todos, montado na ampla sala-de-estar da residência Gióia e muitas bandas realizaram pequenos shows em caráter informal. Estiveram presentes bandas como o Golpe de Estado; Korzuz; Harppia; Salário Mínimo; Abutre; Centúrias; Inox e muitos músicos avulsos de outras bandas, tais como o já citado André Christovam; um dos guitarristas da banda "Vírus"; o trombonista superb, Bocato; e Rolando Castello Junior, da Patrulha do Espaço (ainda que nessa festa, ele estivesse ali como membro do Inox). Um momento incrível de que recordo-me, foi quando o trombonista, Bocato, jogou-se ao chão e ficou a rodopiar como se fosse o ponteiro de um relógio e a solar o seu trombone, e assim deixar todos boquiabertos com a sua performance ensandecida!

Além dos pocket shows, jams com os músicos das diversas bandas misturados, também aconteceram e claro, foi muito divertido. Infelizmente (mas previsivelmente, também), os vizinhos não gostaram do nosso grito de "anti-carnaval", e com a polícia sendo acionada, a nossa "Festa do Rock" teve que ser encerrada, graças ao simpático pedido do valoroso policial que tocou a campainha da residência. Lamento muito a ausência de fotos e vídeos desse acontecimento, para ilustrar neste instante a narrativa...

Continua...

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