Musicalmente a falar, "Sun City" não foi a música mais adequada para sensibilizar os dirigentes de gravadoras, mas essa canção continha em tese, um trunfo e tanto, no quesito da letra. Acho que o Beto foi feliz em abordar o tema da segregação racial na África do Sul, pois foia um assunto forte na mídia, naquele instante. Claro que corríamos riscos e de fato, corremos, ao usar essa letra por ele escrita, com expressões que necessariamente a estigmatizaram como um verdadeiro panfleto, além do fato de que carimbou-lhe na testa a data, literalmente, no verso: "em pleno 1986, sangue inglês".
A causa em si, era justa e humanitária, mas algumas colocações incomodavam-me e acho que ainda incomodam. A questão, ao meu ver, não seria o fato de conter uma remota raiz britânica na culpa pela colonização, tampouco um conflito de luta de classes como é insinuado na letra ("praia que só tem burguês"), mas a luta contra o segregacionismo, ainda que todos os fatores elencados, tenham alguma conexão entre si, é claro.
O mote da letra foi uma inspiração direta àquela canção também chamada, "Sun City", onde diversas estrelas da música Pop oitentista cantaram em prol do fim da segregação racial na África do Sul. É bom relembrar ao leitor, que após o advento da canção, "We Are the World", houve um modismo em torno de canções engajadas por diversas causas humanitárias, e com vários artistas a unir-se para tocarem e cantarem, a reverter a renda aos mais necessitados etc. Essa tal "Sun City" que inspirou o Beto, não logrou um grande êxito, e a canção em si não era grande coisa em termos artísticos, essa é uma verdade, porém, a ideia da causa, despertou-lhe a atenção.
Sobre a nossa "Sun City", a parte musical foi uma ideia originária do Rubens, e de certa forma repetira a fórmula de "Saudade", ao evocar o Hard-Rock em seu Riff. Ao contrário de "Saudade", onde exageramos propositalmente na simplicidade para soarmos o mais Pop possível, "Sun City" contém um pouco mais da sofisticação instrumental, fator que a banda sempre imprimira em seu trabalho, costumeiramente. Claro, de uma forma mais comedida do que o trabalho que desenvolvíamos anteriormente, mas ao menos pudemos deixar de coibir a nossa natureza artística, e assim ter algumas nuances da "velha" A Chave do Sol, nessa canção.
Acreditávamos na canção por três fatores básicos:
1) O riff criado pelo Rubens, era (é) muito bom;
2) O tema da letra teve tudo para inflamar as pessoas pelo seu ideal humanitário e nobre; e
3) O refrão era bem "pegajoso" 9no bom sentido), e dessa maneira, nós já projetávamos as pessoas a cantá-la em plenos pulmões, nos shows ao vivo, junto com a banda.
Não tenho dúvida, ao narrar em termos de percepção atual (quando escrevi este trecho em 2014), que foi a mais bem sucedida canção dessa demo-tape, e tornou-se a posteriori, um dos grandes sucessos da banda, doravante, ao lado de "Luz"; "18 Horas", e "Um Minuto Além". Creio que "Sun City" foi um dois maiores trunfos da carreira d'A Chave do Sol, ao lado das três outras que citei.
Para falar especificamente dessa gravação da demo-tape de abril de 1986, acho que há uma falha estrutural nesta versão. E trata-se de uma abordagem equivocada que tivemos anteriormente que não enxergamos sob o prisma do enjoo provocado. Apreciamos muito o refrão "pegajoso" quando a música ficou arranjada inicialmente, e com essa percepção, gravamos de uma forma dobrada, com oito módulos de repetição, na sua primeira versão. Em nossa santa ingenuidade, e na ausência de um produtor que enxergasse o exagero nocivo, em tal versão o refrão mostrou-se muito enjoativo. Nessa gravação, a canção parece mesmo um disco arranhado, de tantas vezes em que repete-se a mesma frase: "Não pode haver Sun City"...
Pois então, nós corrigimos esse excesso, quando a regravamos na segunda demo-tape que produzimos em 1986 (logo mais eu vou revelar tudo sobre a segunda demo-tape, de outubro desse mesmo ano), e em 1987, mantivemos a versão reduzida das repetições do refrão, quando da gravação da música, de forma oficial para o LP The Key.
Continua...
Nenhum comentário:
Postar um comentário