domingo, 31 de maio de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 308 - Por Luiz Domingues


Conforme eu já havia mencionado anteriormente, o Rubens havia participado de uma peça publicitária para a TV, em 1986, graças a um contato que surgira através da Loja & gravadora Baratos Afins.
E algum tempo depois, mais ou menos em junho de 1986, surgiu uma outra oportunidade para outra campanha publicitária de roupas, onde os publicitários queriam trabalhar com o mote da "juventude", e procuravam por músicos reais que soubessem empunhar instrumentos corretamente, e não por modelos desajeitados, sem familiaridade com o universo musical e Rocker, sobretudo.

Claro, foi imprescindível ter cabelos longos, mais a imprimir uma aparência com ambientação Hard-Rock ou Heavy-Metal, em detrimento da corrente majoritária na década de oitenta, ou seja, a dos seguidores da estética do Pós-Punk.

Nesses termos, o telefone tocou na residência do Rubens, portanto, e o convite foi para a nossa banda comparecer em peso em um teste de câmera a ser realizado pela produtora de vídeos contratada pela agência de publicidade, que faria a tal campanha.

Todos aceitaram, mas eu criei um mal-estar interno na banda, pois recusei-me terminantemente a participar dessa ação, e cabe uma boa explicação para justificar a minha atitude antipática:

1) Não foi um convite para a banda apresentar-se a usar da sua imagem. Se o fosse, eu participaria, mesmo que a peça publicitária não representasse um produto digno, e a sua estética fosse de gosto duvidoso, pois eu jamais deixaria de estar presente em uma ação oficial da banda. Nesse caso, cabe salientar que se fosse um produto do qual eu não gostasse de estar pessoalmente vinculado (cigarros e bebidas alcoólicas, por exemplo), eu ainda assim colocaria a questão em discussão interna, mas se perdesse em uma eventual votação, acataria a decisão da maioria, democraticamente.

Não sentir-me-ia nada confortável em estar a fazer uma propaganda de maço de cigarro ou bebida alcoólica, pois nunca fiz uso de tais produtos, e tenho inúmeras restrições à eles, enquanto convicções pessoais que tenho sobre a sua existência na sociedade, mas se a banda achasse que a oportunidade de exposição midiática ou o cachêt oferecido fizesse isso valer a pena, mesmo sob protesto, eu participaria, ainda que sob constrangimento pessoal intenso, pois tais produtos atentariam contra as minhas convicções pessoais.

Posso incluir nesse rol a questão da alimentação carnívora, pois se detesto militância vegetariana, que muitas vezes atua com truculência nazi-fascista ao meu ver, sendo eu um vegetariano respeitoso ao extremo com pessoas que são carnívoras, mesmo assim me sentiria ridiculamente falso ao estar inserido em uma propaganda de uma churrascaria ou indústria frigorífica, a rir e compactuar com a ideia de que aqueles produtos ou serviços fossem de meu agrado.

Outra situação limítrofe seria estar a atuar em uma campanha política, para fazer propaganda acintosa e assumida a um partido ou candidatos que ideologicamente a falar, ferissem os meus princípios democráticos. Seria terrível para mim, estar vinculado a radicais, seja lá de que lado da polarização entre direita e esquerda.

Mesmo assim, se a banda batesse o martelo de que seria uma ação benéfica para a nossa carreira, mesmo em conflito ideológico gritante, a questão de não abrir mão de meus princípios seria suplantada pela ética de estar fechado com a minha banda, acima de tudo.

2) O outro ponto crucial para mim, foi o fato da agência publicitária não estar a convidar a nossa banda, especificamente para a campanha e isso incomodara-me de uma maneira muito incisiva. O leitor pode interpretar essa minha reação como um arroubo de "orgulho" de minha parte, mas acho que posso justificar tal sentimento. Eu achava que seria ofensivo à nossa banda, participar de um comercial, só pelo fato de sermos "cabeludos", a portar instrumentos musicais na mão, como se fôssemos anônimos ou simplesmente modelos (sem nenhum demérito à esses profissionais, mas só a exprimir que esse tipo de atuação para eles era/é normal, ao encenar ocorrências falsas, quase como a interpretar situações, portanto, a atuaro como atores, praticamente).

Na minha ótica, se chamassem a nossa banda para fazer um comercial de TV, não haveria problema algum, se na peça publicitária ficasse claro quem éramos, e também sem problemas por colocarmos a nossa face a bater por vender um produto. Muitos artistas fazem isso exaustivamente, incluso medalhões. E não só atores de cinema e TV, mas muitos músicos, cantores e compositores famosos.

Porém, da forma como o convite chegou, foi algo vago, e na minha opinião, até ofensivo, pois denotou que não interessou-lhes na realidade, saber quem éramos, mas simplesmente se éramos "cabeludos", e se sabíamos segurar instrumentos musicais de uma maneira mais convincente do que modelos sem nenhuma intimidade com o universo musical.

E o maior agravante, ao constatar-se que o que realmente interessou-lhes foi a aparência física das pessoas. O teste foi para avaliar a desenvoltura em frente à câmera, mas sobretudo para avaliar a "beleza física" dos candidatos. Nada contra essa expectativa da parte deles, pois isso é norma nesse métier, mas ao partir do princípio de que não éramos modelos, mas sim artistas genuínos, essa perspectiva para submetermo-nos a esse tipo de avaliação, foi ao meu ver, uma indignidade.

Acha exagerado, leitor? Mas foi o que eu senti à época e dessa forma, ponderei isso com os meus colegas, ao argumentar fartamente. Contudo, eles não se importavam em serem tratados como anônimos, e só lhes interessara a perspectiva do cachê oferecido.

Eles insistiram muito comigo, para que eu mudasse o meu posicionamento, mas em nenhum momento acharam que a banda seria prejudicada pela minha recusa em participar, e pelo contrário, não consideraram que aquilo prejudicaria a imagem da banda, em algum aspecto. Sendo assim, lá foram os três para o tal teste, em uma agência de publicidade, acho que nas imediações da avenida Faria Lima, não recordo-me ao certo.

Ao chegar lá, estavam presentes no salão, outros músicos conhecidos, a maioria da cena do Heavy-Metal, logicamente pela questão das cabeleiras, mas haviam outros de outras vertentes, também. Todos se submeteram aos testes individuais e alguns dias depois, o telefone tocou e os três, Rubens, Zé Luiz e Beto, haviam sido aprovados.
Continua...

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