sexta-feira, 29 de maio de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 281 - Por Luiz Domingues

Quando entramos no palco, pudemos verificar que o público presente estava muito bom em termos numéricos e a revelar-se coeso, formado por pessoas que eram realmente fãs, e estavam ali para ver e ouvir as bandas apresentadas em tal festival. Somente pela gritaria que tal boa turma fez, coletivamente, quando entramos, já denotou isso fortemente e claro que estávamos motivados para fazer uma bela apresentação. E foi mesmo o que ocorreu! Tocamos com muita voluntariedade, a aproveitar todos os espaços do palco, com desenvoltura.

"Um Minuto Além", tocada com a guitarra Gibson SG de dois braços, arrancou suspiros. De fato, a sonoridade dos arpejos nessas circunstâncias, ficou magnífica!

Áudio da nossa execução da música: "Um Minuto Além", nesse show do Palmeiras. Captura de época: Claudio Cruz. Produção para Internet em 2015: Will Dissidente e Edgard "Bolívia Rock".
 
Eis o Link para ouvir no YouTube:
 https://www.youtube.com/watch?v=3Q5jl3SaoQQ

Além de "Um Minuto Além", que arrancou suspiros com essa sonoridade especial devido ao uso de uma guitarra de 12 cordas, "Crisis (Maya)", também ficou muito bonita com todo aquela sequência de acordes iniciais e finais, executadas com essa guitarra maravilhosa.  "O Que Será de Todas as Crianças ?", mesmo com aquele andamento equivocado, foi muito aplaudida pelo público, além de "Sun City".

Foi um de nossos primeiros shows a imprimir um repertório completamente renovado, mas foi extraordinário notar como tais músicas novas já caíram no gosto do público, quase que a apagar da memória o equivocado som mais pesado oriundo do repertório da fase anterior de nossa banda, com a presença do vocalista, Fran Alves, conosco, a não ser "Um Minuto Além", que continuava muito querida e consequentemente, muito pedida.

O mesmo pode se dizer em relação ao Beto Cruz, como novo membro. Ao contrário da rejeição que o Fran Alves sofrera, infelizmente, o Beto demonstrou de imediato, conter um grau de aceitação muito grande, para não dizer total, e as opiniões que chegaram até nós, foram positivas, a dar conta de que encontráramos enfim o vocalista adequado, após tantas mudanças que fizéramos anteriormente.

Ao analisar com o famoso distanciamento histórico, digo que realmente chegamos perto do ideal como banda a nutrir aspirações Pop no patamar do mundo mainstream da música profissional, com essa formação, e para corroborar essa tese, digo que existe um verdadeiro contingente de fãs da banda, que acintosamente preferem essa fase Hard-Rock, e um outro segmento que gosta do Power-Trio da fase mais próxima ao estilo Jazz-Rock setentista, predominantemente. Poucos lembram com saudade da formação com Fran Alves, e quase ninguém lembra-se dos primórdios pré-A Fábrica do Som (e curiosamente, essa é a minha fase predileta da nossa trajetória).

Enfim, nesse show do Palmeiras, comemoramos uma grande performance, e animamo-nos com as perspectivas geradas pelo repertório renovado e formação nova a apresentar.

Estávamos com um boa demo-tape em mãos; perspectivas de para mais shows, mais inserções na mídia, e o melhor de tudo: o telefone estava a tocar! Em breve, falarei detalhadamente sobre as boas propostas que estavam a surgir com um grau de frequência muito forte, para nós.

A encerrar o assunto sobre esse show realizado no salão de festas da Sociedade Esportiva Palmeiras, apesar de ter sido um ótimo show, os dois rapazes que empresários que o produziram, não obtiveram um bom resultado financeiro, infelizmente.

O fato, foi que os patrocínios que haviam conseguido previamente, não garantiram a cobertura total das despesas arroladas. O resultado da bilheteria, com cerca de dois mil pagantes, aproximadamente,  foi ótimo, mas nas expectativas deles, a sua contabilidade desejada apontava para um número melhor, com pelo menos três mil e quinhentas pessoas presentes para pagar tudo, e alavancar a próxima investida que aspiravam empreender em uma cidade da região do ABC. Provavelmente teria acontecido no Clube Aramaçan, tradicional por receber grandes shows de Rock em Santo André (até o Deep Purple já tocou nesse espaço).

Enfim, diante desse quadro, os dois jovens recuaram e adiaram o projeto de continuidade. Estava postergado o show de Santo André/SP, e o projeto dos quatro clips que estavam a produzir para as bandas, foi congelado momentaneamente, também. No entanto, o tempo pôs-se a passar e os dois rapazes tiveram que adiar a conversa, até houve um ponto de desânimo, creio eu, pois o projeto não seguiu em frente, ou seja, uma pena, pois esses rapazes haviam mostrado muito valor em seus esforços.

Cerca de seis anos depois, A Chave do Sol já nem existia mais, e eu estava a atuar no grupo "Pitbulls on Crack" em plenos anos noventa, quando o então ex-baterista do Centúrias, meu amigo, Paulo Thomaz, ofertou-me uma cópia do show d'A Chave do Sol, a conter o "copião" bruto, sem a edição das duas câmeras que fizeram a captura bruta. Tal cópia chegou às suas mãos, com o material do Centúrias, e o nosso em anexo, e ele gentilmente deu-me uma cópia a conter apenas o material d'A Chave do Sol. São trechos cortados, sem edição, e em alguns momentos com falhas, mas é um registro.

Eis acima, o vídeo com dezessete minutos de um copião bruto desse show d'A Chave do Sol no Palmeiras, em 3 de maio de 1986. Produção de Rene Mina Vernice e William para a "Galeria Produções" e uma produção para a Internet em 2016, de Jani Santana Morales.


Eis o link para assistir no You Tube :
https://www.youtube.com/watch?v=AuwvAON9Jh0

Até esta parte do capítulo, as fotos do show foram clicks de Maurício Abões

Fotos recentemente postadas na Rede Social Facebook, por um dos produtores desse festival em que tocamos no Palmeiras, em 3 de maio de 1986. Clicks; acervo e cortesia de Rene Mina Vernice

Foi assim o "Metal 4", onde tocamos para um público de duas mil pessoas aproximadamente, na noite de 3 de maio de 1986, um sábado de outono.

 No dia seguinte, teríamos mais um show de grande porte para cumprir... "Praça do Rock", e desta feita com endereço novo, no Parque do Carmo, na zona leste de São Paulo.

Foi na prática, a nossa quarta participação em tal evento, mas desta feita ele realizou-se em outro local, pois a pressão dos moradores do bairro da Aclimação, foi forte e mediante abaixo-assinado e o indevido bedelho de políticos conservadores identificados com o bairro (quando vereador, deputado estadual, e até um deputado federal, colocou a mão pesada em cima), ficou difícil para os organizadores manterem o simpático e histórico Parque da Aclimação como palco do evento.

Dessa maneira, a solução encontrada pela Paulistur (a empresa paulistana de turismo, subordinada à prefeitura de SP, na ocasião), foi deslocá-lo para o Parque do Carmo, localizado no bairro de Itaquera, na zona leste da capital paulista. Por ser um parque gigantesco, com área maior que a do Ibirapuera, naturalmente que a tendência foi de não incomodar a vizinhança, mesmo por que, o som de um P.A., com potência absurda para alimentar show de Rock internacional em estádios de futebol, mal seria escutado no parque inteiro. Hoje em dia, aquela região desenvolveu-se muito, mas quase trinta anos atrás, a locomoção era difícil para chegar ao parque. O Metrô passava longe, e só restavam linhas de ônibus ou carros particulares/táxis para poder acessá-lo.

O equipamento que a Paulistur disponibilizou mostrou-se digno, porém inadequado para a imensa área livre onde o público aglomerar-se-ia para assistir. Se realmente lotasse aquela área, receio que as fileiras colocadas mais longe do palco receberiam a carga sonora de um som embolado, fora de sincronia (graças ao efeito acústico do atraso, ou "delay", como fala-se no jargão dos músicos), e sob volume baixo, a irritar as pessoas.

 O palco montado revelou-se bem simples, a tratar-se de uma armação típica daquelas improvisadas e montadas para eventos de praça pública, notadamente a servir pequenos comícios políticos. Não haveria equipamento de iluminação, e a determinação foi tocar com a luz natural do dia, tão somente. Eu não me importo em tocar ao vivo, e ao ar livre sob a luz natural, mas claro que fazer um show com o recurso da iluminação representa um outro impacto, totalmente diferente, e nesse caso, é evidente que vou preferir a iluminação, se for consultado nesse sentido.

Enfim, foi aquela situação posicionada a forçar a opinião entre o "pegar ou largar" e nós julgamos ser bom aceitar como mais uma oportunidade de show/divulgação, com perspectiva de grande público. Como já observei anteriormente, houve um conflito instaurado por termos aceito participar desse evento sob caráter gratuito para o público, pela óbvia razão de que na noite anterior fizéramos um show no Palmeiras com cobrança de ingressos e a denotar grande esforço de seus organizadores.

Certamente que muita gente que esteve nesse show da Praça do Rock, tenha optado por assisti-lo, e deliberadamente não foi ao Palmeiras para nos ver, a pagar pelo ingresso. Contudo, houve os shows de outras três bandas no Palmeiras, e no Parque do Carmo, tocaríamos com outras três diferentes, portanto, teoricamente o sujeito que economizou ao não nos ver no Palmeiras, perdeu a oportunidade para assistir as outras bandas que não tocariam no domingo.

O clima no Parque do Carmo estava bom quando ali chegamos. Confraternizamo-nos com o pessoal do "Harppia", do qual éramos amigos, há tempos. Não lembro-me quem eram os membros da outra banda ali designada a apresentar-se, chamada: "Expresso Paulista", no entanto.

Não haveria tempo para um soundcheck decente, pois sendo um Parque público, quando mal os técnicos ainda terminavam de montar o P.A., já havia público à espreita, e ao menor sinal de som, mesmo a configurar-se nos testes preliminares para afinação do estéreo do P.A., as pessoas já tenderiam a agitar, por pensar que o show está prestes a iniciar-se, e essa euforia atrapalharia muito o processo.

Então, um ajuste mínimo e certamente insuficiente foi feito e logo pressionaram o "Expresso Paulista" a entrar no palco e começar a sua apresentação. A minha lembrança sobre o som dessa banda é bastante vaga, pois eu estava nos bastidores a conversar com os amigos, e mal fui olhar o movimento por trás dos amplificadores.
Remotamente lembro-me de que o som deles era anacrônico para os anos oitenta, mais a parecer influenciados pelos Rolling Stones, ainda que sob uma "pegada mais modernosa" de Jagger: Richards & Cia., a parecer o som dessa banda no Pós LP "Tatoo You". 

Para o meu gosto pessoal, claro que foi um oásis ver e ouvir alguém naquela década de oitenta, tão cheia de pressões estéticas niilistas, a demonstrar gostar dos Rolling Stones, e não do Iron Maiden ou do New Order, mas se fosse o som dos Stones na fase do LP "Black and Blue" para trás, em meu caso, teria sido muito mais agradável... enfim...

O Harppia tocou a seguir e um pouco antes deles entrarem no palco, vimos o ônibus do grupo, "Metalmania" a chegar no pátio atrás do palco. Tratava-se da banda do Robertinho do Recife, um tremendo guitarrista, que fora side-man de inúmeros artistas muito expressivos da MPB setentista, e agora tentava impor-se como guitarrista de Heavy-Metal. Mostrava-se exótico para todo mundo, ver alguém que habitava o mundo mainstream, ainda que como side-man, a tentar emplacar a carreira em um outro mundo que notoriamente estava alojado no underground, mas por outro lado, fora até uma esperança de dias melhores para nós, que vivíamos em tal patamar inferior, ao verificarmos que alguém que vinha de cima estava a apostar nessa perspectiva do Rock pesado.
                  O Metalmania de Robertinho do Recife & Cia.

Naquele momento, achamos a postura dele e da banda, arrogante, todavia, pois permaneceram dentro do seu ônibus, a denotar não querer confraternizar-se conosco. Somente o empresário e roadies da banda, passaram a circular, a checar o equipamento e demais pormenores, e nitidamente a demonstrar que os componentes da banda só desceriam do veículo na hora de subir ao palco.Ao analisar hoje em dia, acho a postura normal, pois não havia uma estrutura adequada de camarim para os artistas, e nesse sentido, usar o seu ônibus próprio como refúgio, não teve nada demais. Anos depois, eu mesmo fiz isso muitas vezes, quando estaria como membro da Patrulha do Espaço, a aguardar para tocar em situações onde o nosso próprio ônibus tornar-se-ia o lugar mais seguro e confortável possível.

O vocalista do "Metalmania", Luciano, ou "Lucky Luciano, como queiram, que tornou-se meu amigo no Rio de Janeiro, anos depois

Para reforçar, cerca de quatro anos depois, tornei-me amigo do vocalista do Metalmania, Luciano, por conta dele ser namorado de uma amiga da minha namorada na ocasião, e muitas vezes, reunimo-nos para apreciar um som na casa da minha namorada, e a prosear por horas a fio. E aí nessa nova situação, constatei que o rapaz era muito gentil, e por conseguinte, não tinha nada de arrogante, portanto, aquela postura exibida em 1986, no Parque do Carmo, fora absolutamente normal.

De volta ao relato, o Harppia saiu do palco e os nossos amigos reclamaram muito da monitoração. Se esse quesito é complicado até quando se faz um soundcheck eficiente e o técnico é da sua própria equipe, o que dizer de shows coletivos sem soundcheck, e com a operação a cargo de um técnico estranho?  É óbvio que o sujeito vai deixar tudo "flat"(som achatado, sem nenhum requinte), e montar um monitor muito pobre, sem chance de ficar a arrumar para tentar melhorar no meio do seu show, mesmo que você peça para ele tomar alguma providência emergencial.

E assim foi o nosso show, com bastante dificuldade de monitoração. A nossa sorte, ou melhor, o nosso grande trunfo, foi que A Chave do Sol forjara-se como uma banda que tendia a não errar ao vivo, pois ensaiava muito. Estávamos sempre em excelente forma e seguros, portanto, mesmo sob condições insalubres de som, foi raro ficarmos perdidos ao vivo.

Na base da determinação e na resignação, fizemos o show e arrancamos aplausos do público. Claro que a maioria ali presente era fã de Heavy-Metal, mas houve também bastante fãs d'A Chave do Sol e nesses termos, foi uma plateia muito interativa, mesmo que não eufórica em demasia, como houvera sido por ocasião da nossa participação anterior no evento, em 1985, ainda com a presença do vocalista Fran Alves em nossa formação.  

Essa nova edição da Praça do Rock, em outro parque, teve curta duração pois a proposta com quatro bandas no evento, e toda a produção a pressionar bastante para terminar tudo antes do início do crepúsculo, foi determinante para que cada banda fizesse um show de choque, apenas. E como dado adicional, não ficamos para ver o Metalmania, pois ficamos chateados com a postura deles que julgamos arrogante nos bastidores. Hoje eu sei que não teve nada a ver com soberba a postura deles, e já no início dos anos 1990, eu já pensava dessa forma, e ao narrar essa história para o Luciano, demos boas risadas juntos sobre tal fato.

E assim foi a nossa participação pela quarta vez no evento: "Praça do Rock. Foi na verdade a última vez que participamos. No ano de 1987, houve a cogitação de uma quinta participação, mas que  culminou em concretizar-se. Bem o que relatei ocorreu então no dia 4 de maio de 1986, no Parque do Carmo, localizado no bairro de Itaquera, zona leste de São Paulo. Segundo estimativa da Polícia Militar, haviam cerca de 5000 pessoas presentes no local. Mas como a área era gigantesca, parecia que havia pouca gente, pela dispersão em proporção ao vasto campo.

Todas as fotos d'A Chave do Sol ao vivo, e que ilustram este capítulo, são clicks de Maurício Abões, que esteve no salão de festas do Palmeiras no dia 3 de maio de 1986, com exceção das providas por Rene Mina Vernice, devidamente anotadas em seu crédito. Infelizmente, eu não tenho nenhum material referente ao show do dia seguinte, no evento Praça do Rock, realizado em 4 de maio de 1986, no Parque do Carmo, em Itaquera, zona leste de São Paulo.
Continua...

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