domingo, 31 de maio de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 293 - Por Luiz Domingues

As músicas estavam  a ser executadas em meio a uma performance incrível, pelo fato da sinergia com o público estar totalmente estabelecida, mas houve um elemento além, que foi o fato de que não parar (ao considerar-se que ainda faltavam algumas músicas a despeito do nosso desconforto pelo calor, estar quase desumano), foi um fator de superação atlética, eu diria, pois o calor estava infernal e a impressão que tínhamos, foi que o melhor antídoto para enfrentá-lo, seria mesmo não estabelecer pausas demasiadas entra as músicas. Entretanto, um colapso estava por vir, e nos deu um susto tremendo...

Quase ao final do nosso set list, uma pequena pane ocorreu no amplificador que eu estava a usar. Se tratou de um cabeçote da marca Hiwatt, cujo dono era amigo dos membros do Azul Limão, e que o cedera amigavelmente para o evento. Não foi nada demais a avaria, apenas a queima de um fusível, talvez pelo desgaste que o calor estava a impactar sobre todo o equipamento, também. Aliás, foi a primeira vez em que usei um cabeçote Hiwatt ao vivo, que ao lado do Acoustic 360; Marshall; Fender Bass Man e Orange, estava na lista dos amplificadores que eu sonhava possuir desde os anos setenta, quando via os meus ídolos através de fotos e vídeos, a usar tais marcas.

No caso do Hiwatt, a lembrança do John Entwistle, foi automática para mim, e portanto, apreciei muito cumprir um show com um amplificador desse quilate. A caixa que o sustentava não era Hiwatt, infelizmente. Claro que se o fosse, eu teria tirado um timbre monstruoso a la Entwistle, nos seus melhores momentos de The Who, mas mesmo com uma caixa simplória, feita em casa, e com falante nacional (acho que era Arlen, se não me engano), tirei um som incrível, com peso e timbre de arrepiar. 

Enfim, ao voltar ao caso do "susto", o fato é que essa parada para a troca de fusível no amplificador, estabeleceu uma quebra no ritmo frenético em que estávamos e ao parar forçosamente, aí sentimos o calor verdadeiramente infernal!

E nos desesperamos quando vimos o Zé Luiz a desmaiar e cair sobre o surdo da bateria! Ele estava a enxugar-se naquele momento de pausa, mas por não ter suportado a queda brusca de sua pressão sanguínea, desmaiou, ao perder os sentidos por alguns segundos.

Em meio à balbúrdia instaurada no palco naquele instante, com roadies a arrumar o amplificador que eu estava a usar, nem todo mundo percebeu tal cena. Lembro-me do Rubens e do Beto a voar para socorrê-lo, mas tirante poucas pessoas do público que perceberam o fato, a maioria do público gritava e saudava-nos, por que estavam a apreciar muito o show, e estavam com a atenção voltada apenas à pane que o amplificador de baixo havia tido.

Foram poucos segundos, pois logo ele voltou à consciência e resoluto, não quis nem saber de nossos apelos para retirar-se ao camarim, e procurar o atendimento médico. |Ao contrário, ele quis voltar imediatamente, para dar prosseguimento ao show, e ao afirmar estar bem.

Ora, o correto teria sido encerrar o show e ir ao pronto-socorro de um hospital para um exame, imediatamente, mas com a fibra que o Zé Luiz tinha (tem), isso foi descartado de pronto por ele, ao insistir em prosseguir. Convenhamos, naquelas condições climáticas, por tocar bateria em uma banda de Rock, sob o impacto de spots de luz a ferver, foi uma temeridade prosseguir após um desmaio. Mas o Zé Luiz foi até o fim...

Terminamos o show sob uma ovação incrível. O público vibrou muito e aquilo comoveu-nos, até, pois sabíamos que tínhamos um público grande no Rio, por tudo o que eu já comentei anteriormente, contudo, aquela reação fora muito além do que as nossas previsões mais otimistas poderiam supor.

No camarim, o Zé Luiz mostrou-se bem. Estava cansado e incomodado pelo calor, como todos nós, mas nem pareceu ter tido um colapso de queda de pressão sanguínea, poucos minutos antes.

Um amigo carioca, mostrou-me um termômetro que tinha em mãos, a deixar-me atônito: 52 graus celsius registrados naquele palco! Uma condição climática típica do deserto do Saara.  Não foi à toa que o Zé Luiz tenha passado mal.

A minha camisa rasgou, a desmantelar-se como se tivesse caído em um balde de ácido sulfúrico... e devo registrar que era uma camisa de seda, bonita, com um tecido fino e que eu encomendara para uma costureira em 1984, a custar caro... enfim, ossos do ofício, tudo pela arte; tudo pelo Rock! O saldo desse show foi maravilhoso para nós, com um público quentíssimo, surpreendente, até. 

Nos hospedamos no apartamento da irmã mais velha do Zé Luiz, que morava no Rio, a Eliana Dinola. Muito gentil e nossa "torcedora" desde sempre, cedeu o seu apartamento para ser o nosso QG naquela ocasião. Comemoramos o ótimo show que fizéramos, com um jantar no Sagres da Gávea, restaurante frequentado por artistas de teatro, jornalistas e músicos, e que eu conhecia desde 1984, quando fui ao Rio de Janeiro fazer temporada com o Língua de Trapo.

A Eliana Dinola seria uma aliada nossa em outras ações importantes no Rio, que eu contarei em um outro momento. Ela era mais velha que o Zé Luiz, alguns anos, e dava para sentir que estava empolgada com o sucesso emergente que o seu irmão caçula estava a fazer, e nesse embalo, ofereceu-se para ajudar na produção, em frentes cariocas. 

Claro que aceitamos, mesmo por que, apesar de não ser uma pessoa do ramo do show business, ela era bastante inteligente e bem articulada, fora ser uma mulher linda e muito charmosa, ou seja, era o tipo de produtora que não teria dificuldades para entrar nos lugares chave, e conversar com "tycons" da música mainstream...

Uma matéria sobre esse show, foi publicada posteriormente na revista "Metal", que mais para frente nesta narrativa, reproduzirei o seu teor.

Foi assim o nosso show no espaço "Caverna II", no Rio de Janeiro, no dia 25 de maio de 1986, com mil e trezentas pessoas presentes, a produzir um forte calor humano, em todos os sentidos. 

O nosso próximo compromisso de show seria em São Paulo, no entanto, em uma casa noturna de pequeno porte, e sob circunstâncias bem menos quentes, em todos os sentidos... 

Continua...

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