Aconteceu no decorrer da carreira inteira
No meio jornalístico, nem todo setorista de cultura é preparado para exercer bem atividade. Aliás, é bem típica a predisposição de qualquer redação de veículo grande de cobertura geral, a colocar estagiários recém formados ou ainda a cumprir o curso de jornalismo, em qualquer especialidade, sem levar em conta o desejo pessoal do novo funcionário e assim, muitos mudam constantemente de setor conforme se firmam nas empresas e assim, mais experientes, e com moral construída com seus chefes, se colocam aptos para buscar as especialidades com as quais se identificam melhor.
Em suma, muitas vezes o artista é abordado por um repórter que lhe entrevista e fica nítido que o entrevistador não tem a menor noção do que perguntar, ao denotar a completa falta de familiaridade com o assunto.
Mas isso não significa dizer que sob uma outra circunstância mais favorável, haja uma melhor sincronia. Muito repórter de veículo especializado pode conduzir a sua linha de raciocínio a fim de formular seu questionário, tendo como base a pura idiossincrasia de sua parte ou pior ainda, mediante manipulação deliberada, embora velada, para atender algum fator ideológico e pode ser ainda mais grave se na real intenção, haja um planejamento prévio no sentido de prejudicar você, a sua banda ou a escola estilística pela qual o seu trabalho pertence, simplesmente para favorecer antagonistas que podem ser do campo mercadológico a visar privilegiar forças advindas de outras vertentes e que atendem interesses opostos aos seus.
E pode haver mais uma anomalia nesse tipo de relação, ou seja, por pura vaidade do mau jornalista em questão, as perguntas capciosas podem ocorrer e na mesma medida, as edições "marotas" também não são incomuns. Você conversara animadamente com o entrevistador, porém, quando a revista ou o jornal chegava às bancas, surpreendia-se com o conteúdo adulterado e certamente desfavorável à sua imagem ou simplesmente desdenhoso para com a sua obra.
Já no campo da imprensa alternativa, e a falar sobre um viés mais antigo, não baseado na realidade pós-internet, os fanzines eram geralmente publicações modestas, porém feitas com um grau de paixão enorme da parte de seus realizadores. Havia e ainda há colegas meus que desprezam tais veículos, por pura soberba descabida, a achar que as suas respectivas personalidades artísticas e consequentes obras, seriam muito maiores que esses humildes meios de comunicação e claro que eu jamais compactuei com tal afirmativa e toda vez que eu fui abordado por fanzineiros, e não importando qual era a tiragem que seus fanzines alcançavam e nem mesmo a sua aparência como acabamento gráfico, eu sempre atendi as solicitações de seus idealizadores com o mesmo respeito e atenção com a qual atendi jornalistas a serviço de órgão mainstream da imprensa.
Mas mesmo assim, ou seja, a se levar em conta que o fanzineiro é antes de tudo um apaixonado pelo Rock, pela música, pela arte & cultura, ou tudo isso junto, ainda assim, estamos sujeitos a ser abordados por pessoas com interesses secundários. Um exemplo que não é raro, é receber o convite para uma entrevista, ou matéria e mesmo uma resenha e no mesmo contato o fanzineiro lhe oferecer um pacote a ser pago, que lhe garantiria uma entrevista extensa com direito a foto na capa ou se recusada a ideia de se pagar, a sua participação de antemão ser anunciada sob um reduzida nota, como se fosse uma compra de anúncio classificado, a provar que a abominável prática do famigerado "jabá", tem formas alternativas de ser aplicado pelos oportunistas.
De volta a falar sobre a imprensa maior, há também o caso das entrevistas deslocadas de contexto. Muitas revistas (isso a se pensar nas décadas anteriores), que não continham nenhuma familiaridade sequer com a cultura vista sob um prisma amplo, acharam em determinado ponto de suas existências que seria importante conter uma coluna sobre o assunto, assim, jogada a esmo, simplesmente para passar uma ideia de pluralidade. Acredito que se fosse através de uma espécie de revista centrada no campo do erotismo e sensualidade, como eram as revistas ditas para o "público masculino", eis que a tendência abriu campo para a disseminação e nesse sentido, surgiram colunas com tal abordagem em revistas similares.
Para ser mais explícito, se a revista Playboy mantinha as entrevistas supostamente "sérias" nas suas páginas internas de coloração amarelada para destacar exatamente tal conteúdo em meio aos ensaios de fotos com moças nuas que era o seu verdadeiro chamariz, é claro que o paradigma foi criado.
Bem, nesse caso de revistas assim não conectadas com o campo cultural, jornalistas completamente despreparados chegavam com questionários sem nenhuma conexão com a sua realidade, tampouco da sua banda, nada a ver com o contexto do Rock e tudo mais.
E não somente nas revistas de teor sensual, mas também em veículos destinados à economia, política, esportes e até revistas infames de fofocas sobre atores de novelas eu já tive a oportunidade de ser entrevistado e geralmente nesses casos tão díspares, eu já sabia que o teor da perguntas seria medíocre, de quem não sabe absolutamente nada sobre o universo do qual eu e meus colegas pertenciam.
Na contramão, houve ocasiões nas quais me surpreendi. O veículo era adverso, mas o repórter veio preparado para uma entrevista bem embasada, mediante perguntas bastante pertinentes. Nesse caso, pela coincidência do repórter em questão (ou o seu editor), ser um aficionado, porém, foram exceções e certamente motivadas por um mero golpe de sorte.
E o supra-sumo da abordagem desdenhosa da parte de veículos maiores é convidar artista para uma entrevista e mesmo que você já tenha uma carreira consolidada com discos, tenha fãs e uma agenda constante de shows lotados pela audiência, mas não faça parte exatamente do patamar mainstream, a abordagem é construída de forma a não perguntar nada sobre o trabalho em si, mas com um questionário montado pelo mote do artista que não consegue sobreviver de sua arte. Com o enfoque nessa premissa, a ideia, se não é humilhar, chega bem perto disso no aspecto subliminar, ao formular perguntas que passam ao largo da obra que você forjou. Cheguei a participar de entrevistas com tal teor bem no começo da carreira, mas depois de um certo tempo, as evitei, exatamente por saber qual era a intenção e nesse caso, exerci o direito de não achar que a exposição ajudar-me-ia e pelo contrário, seria algo ultrajante.
Para pontuar, digo que ao contrário, toda vez que fui entrevistado por um bom profissional convenientemente bem preparado, com cultura avantajada sobre o meio, foi um prazer enorme. Respeito mútuo e preparo jornalístico da parte de quem entrevista faz a diferença, ao criar empatia e por conseguinte, total fluidez nas respostas.