Anthony era
um jovem músico idealista que sonhava em construir uma carreira no mundo artístico,
para demarcar a sua presença na história e ser respeitado por sua obra. Mas ali no
começo de sua trajetória, a sua realidade foi pautada pela falta de recursos e sem ninguém a oferecer-lhe um “empurrão”
inicial.
E convenhamos, começar assim, "do nada", é muito
difícil, mesmo que o aspirante a tornar-se um artista, seja mega talentoso, bem
preparado técnica e teoricamente na música e já apresente um alto grau de desenvoltura no
palco ou tenha grande inspiração para compor, escrever letras e cantar bem.
Nem
mesmo sendo extrovertido ou dotado de carisma pessoal e a ostentar a dita “boa aparência”, garante
o caminho aberto para ninguém, porque a trilha para alcançar um lugar ao sol é
árdua e envolve uma série de outros fatores que quase sempre esbarram em
dificuldades inerentes aos meandros escusos que regem a difusão cultural
oficial, e aí tudo gira em torno dos contatos, ou seja, o inevitável “tráfico
de influências”, que não depende se o aspirante tem ou não tem talento.
Então,
diante desse choque de realidade, Anthony percebeu que a solução seria tocar onde
e como fosse possível e o que apareceu foi uma oportunidade para integrar uma
banda “cover” que propunha-se a se apresentar dentro do circuito de pequenas apresentações em
Pub's, a a ter como repertório base, músicas consagradas de autores famosos.
Nesses termos, 100%
do que ele tocava, lhe era agradável pessoalmente a contar com, o seu gosto, inegavelmente, pois tratavam-se de canções
que o influenciaram decisivamente a tornar-se um músico e ele não poderia
se queixar de ganhar dinheiro a tocar músicas que adorava desde a sua
adolescência, mas no cômputo geral, nunca foi exatamente esse o seu objetivo de vida.
Tudo bem, na
base da paciência, ele suportou com resignação e aquiescência tal trabalho, porém, sempre com o objetivo maior de perseguir o seu sonho maior, assim que surgisse uma oportunidade concreta.
Anthony pôs-se a
ganhar o seu dinheirinho, noite após noite, ao tocar em palcos minúsculos,
sob o efeito da iluminação opaca e a engolir a fumaça inevitável oriunda da prática
massiva do tabagismo exacerbado, em meio a uma época em que ninguém incomodava-se em coibir
o consumo de cigarros dentro de ambientes fechados e sobretudo, quase todo mundo fumava
compulsivamente.
Com o tempo a passar, ele economizou e conseguiu
enfim viabilizar recursos o suficiente para comprar um instrumento importado com
qualidade e naturalmente que esse progresso, fruto de sua labuta incansável,
deu-lhe ainda mais incentivo a prosseguir a trabalhar e sonhar com sua
carreira autoral.
Apesar desse
avanço em sua vida, Anthony resolvera esforçar-se para ficar com o seu velho
instrumento também, mesmo que tivesse a plena consciência sobre sua nítida
inferioridade técnica em relação ao vistoso instrumento importado que recém
adquirira, ao pensar justamente na possibilidade de surgirem ocasiões em que ele poderia poupar o seu novo baixo
de maior qualidade, mesmo porque, o circuito em que trabalhava, nem carecia
desse requinte sonoro e o velho instrumento dava conta para tocar covers nesses
compromissos em que geralmente o público presente nem prestava atenção na música
e comparecia em tais estabelecimentos apenas para embebedar-se, dançar e paquerar, tão somente.
Por uma coincidência, o
vocalista dessa banda, Paul, nutria simpatia pelo contrabaixo e ambicionava
estudar tal instrumento, muito em função da sua idolatria pelo seu xará, um
rapaz nascido em Liverpool, Inglaterra e que era um famoso baixista, cantor e
compositor de muitas músicas lindas que inclusive a sua banda cover tocava nas noitadas
pelos pubs da cidade.
E como Anthony sinalizara que ao comprar seu baixo novo,
pretendia ficar com o instrumento antigo também em sua posse, Paul fez-lhe um
pedido: ele expressou a sua vontade para ficar com ele emprestado por uns tempos a fim de estudar e
sempre que Anthony o solicitasse, ele o levaria prontamente, sem nenhum
problema.
Anthony não
viu mal algum nessa predisposição e ao se colocar de forma gentil com o seu amigo, eis que emprestou-lhe o
instrumento, sem reservas e sobretudo, absolutamente seguro de que o seu amigo cuidaria com afinco do instrumento.
Empolgado com o novo baixo importado e naturalmente a estar motivado para
tocar com ele nessa fase em que este o inebriara, Anthony não lhe pediu o velho
instrumento por um bom tempo, ao deixar que Paul o usasse a vontade em seus
estudos caseiros.
Passado algum tempo, finalmente surgiu uma oportunidade pela qual Anthony não achou adequado levar o seu novo "brinquedo" para atuar e assim, pediu para que
o Paul levasse o seu velho baixo, conforme haviam combinado. No entanto,
Paul o surpreendeu, ao alegar uma desculpa esfarrapada para negar levá-lo e diante dessa situação, ao não
perceber nenhuma má intenção por trás dessa negativa, Anthony relevou e nem
chegou a aborrecer-se.
Em uma futura
ocasião, mediante mais uma negativa, ante um pedido feito, isso tomou outro contorno e
Anthony começou a preocupar-se. No entanto, eles tocavam juntos, eram amigos fraternais e não
poderia haver má intenção da parte de Paul, pensara Anthony. Não seria possível
que Paul estivesse a postergar tal devolução motivado por algum ato premeditado e
escuso.
Foi quando
após mais dois ou três pedidos mais incisivos, com Anthony a mostrar-se
contrariado com a situação, que Paul
finalmente deu um desfecho para o caso, mas não sem antes mostrar-se dissimulado,
de uma maneira que Anthony jamais pensou que o seu amigo pudesse sê-lo, ao lhe contar
uma história absurda, que beirou o escárnio.
Nessa sua narrativa fantasiosa,
Paul contou que resolvera viajar ao litoral em um determinado final de semana em que a banda
não teve apresentações para cumprir e levara o baixo emprestado para estudá-lo na sua casa de praia.
No retorno à
capital, um infortúnio ocorrera-lhe, na verdade uma ocorrência normal, ainda
que desagradável para qualquer motorista: um pneu estourou. Ao ter que tirar o
instrumento do porta-malas, para providenciar a troca inevitável, o deixara encostado sob uma formação rochosa à beira da
estrada enquanto efetuou a troca do pneumático do seu automóvel. Feita a troca,
ele guardou as ferramentas e o pneu furado, fechou o porta-malas e seguiu viagem,
quando muitos kilômetros depois, lembrou-se do instrumento que deixara no
acostamento.
Paul alegou que voltara desesperadamente ao local e claro que não havia mais nenhum
sinal do instrumento, sequer. Paul encerrou tal narrativa com um lacônico “sinto muito”, e
calou-se a seguir, sem prosseguir com o mínimo que Anthony esperaria de sua parte,
isto é, uma promessa de ressarcimento.
O valor do
instrumento não representava nenhum valor absurdo, mas a atitude descabida foi o que mais chateara
Anthony. Como se não bastasse uma historieta infame a justificar a sua perda, além da não tomada de uma posição decente da parte de
quem causara um prejuízo a outrem (sob aura cínica, até), isso potencializara-se por estar a vir de um amigo, e lógico, a postura lhe chocou ainda mais.
A banda prosseguiu mais algum tempo na ativa, apesar
desse mal-estar instaurado e nesses momentos posteriores, Anthony cobrou o
ressarcimento desse prejuízo de forma enfática, até que o grupo encerrasse as suas atividades e nas contas pela divisão do espólio gerado pela
venda do equipamento, o baixo perdido foi calculado compulsivamente como
desconto na parte de Paul, e este teve a ousadia de reclamar dessa conta agregada à sua parte!
Foi a gota
d’água de um comportamento deveras decepcionante de sua parte!
Nenhum comentário:
Postar um comentário