quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

O Instrumento Esquecido - Por Luiz Domingues



Anthony era um jovem músico idealista que sonhava em construir uma carreira no mundo artístico, para demarcar a sua presença na história e ser respeitado por sua obra. Mas ali no começo de sua trajetória, a sua realidade foi pautada pela falta de recursos e sem ninguém a oferecer-lhe um “empurrão” inicial. 
 
E convenhamos, começar assim, "do nada", é muito difícil, mesmo que o aspirante a tornar-se um artista, seja mega talentoso, bem preparado técnica e teoricamente na música e já apresente um alto grau de desenvoltura no palco ou tenha grande inspiração para compor, escrever letras e cantar bem. 
 
Nem mesmo sendo extrovertido ou dotado de carisma pessoal e a ostentar a dita “boa aparência”, garante o caminho aberto para ninguém, porque a trilha para alcançar um lugar ao sol é árdua e envolve uma série de outros fatores que quase sempre esbarram em dificuldades inerentes aos meandros escusos que regem a difusão cultural oficial, e aí tudo gira em torno dos contatos, ou seja, o inevitável “tráfico de influências”, que não depende se o aspirante tem ou não tem talento.
Então, diante desse choque de realidade, Anthony percebeu que a solução seria tocar onde e como fosse possível e o que apareceu foi uma oportunidade para integrar uma banda “cover” que propunha-se a se apresentar dentro do circuito de pequenas apresentações em Pub's, a a ter como repertório base, músicas consagradas de autores famosos. 
 
Nesses termos, 100% do que ele tocava, lhe era agradável pessoalmente a contar com, o seu gosto, inegavelmente, pois tratavam-se de canções que o influenciaram decisivamente a tornar-se um músico e ele não poderia se queixar de ganhar dinheiro a tocar músicas que adorava desde a sua adolescência, mas no cômputo geral, nunca foi exatamente esse o seu objetivo de vida. 
 
Tudo bem, na base da paciência, ele suportou com resignação e aquiescência tal trabalho, porém, sempre com o objetivo maior de perseguir o seu sonho maior, assim que surgisse uma oportunidade concreta.  
 
Anthony pôs-se a ganhar o seu dinheirinho, noite após noite, ao tocar em palcos minúsculos, sob o efeito da iluminação opaca e a engolir a fumaça inevitável oriunda da prática massiva do tabagismo exacerbado, em meio a uma época em que ninguém incomodava-se em coibir o consumo de cigarros dentro de ambientes fechados e sobretudo, quase todo mundo fumava compulsivamente. 
 
Com o tempo a passar, ele economizou e conseguiu enfim viabilizar recursos o suficiente para comprar um instrumento importado com qualidade e naturalmente que esse progresso, fruto de sua labuta incansável, deu-lhe ainda mais incentivo a prosseguir a trabalhar e sonhar com sua carreira autoral.
Apesar desse avanço em sua vida, Anthony resolvera esforçar-se para ficar com o seu velho instrumento também, mesmo que tivesse a plena consciência sobre sua nítida inferioridade técnica em relação ao vistoso instrumento importado que recém adquirira, ao pensar justamente na possibilidade de surgirem ocasiões em que ele poderia poupar o seu novo baixo de maior qualidade, mesmo porque, o circuito em que trabalhava, nem carecia desse requinte sonoro e o velho instrumento dava conta para tocar covers nesses compromissos em que geralmente o público presente nem prestava atenção na música e comparecia em tais estabelecimentos apenas para embebedar-se, dançar e paquerar, tão somente.  
 
Por uma coincidência, o vocalista dessa banda, Paul, nutria simpatia pelo contrabaixo e ambicionava estudar tal instrumento, muito em função da sua idolatria pelo seu xará, um rapaz nascido em Liverpool, Inglaterra e que era um famoso baixista, cantor e compositor de muitas músicas lindas que inclusive a sua banda cover tocava nas noitadas pelos pubs da cidade. 
 
E como Anthony sinalizara que ao comprar seu baixo novo, pretendia ficar com o instrumento antigo também em sua posse, Paul fez-lhe um pedido: ele expressou a sua vontade para ficar com ele emprestado por uns tempos a fim de estudar e sempre que Anthony o solicitasse, ele o levaria prontamente, sem nenhum problema.
Anthony não viu mal algum nessa predisposição e ao se colocar de forma gentil com o seu amigo, eis que emprestou-lhe o instrumento, sem reservas e sobretudo, absolutamente seguro de que o seu amigo cuidaria com afinco do instrumento. 

Empolgado com o novo baixo importado e naturalmente a estar motivado para tocar com ele nessa fase em que este o inebriara, Anthony não lhe pediu o velho instrumento por um bom tempo, ao deixar que Paul o usasse a vontade em seus estudos caseiros. 
 
Passado algum tempo, finalmente surgiu uma oportunidade pela qual Anthony não achou adequado levar o seu novo "brinquedo" para atuar e assim, pediu para que o Paul levasse o seu velho baixo, conforme haviam combinado. No entanto, Paul o surpreendeu, ao alegar uma desculpa esfarrapada para negar levá-lo e diante dessa situação, ao não perceber nenhuma má intenção por trás dessa negativa, Anthony relevou e nem chegou a aborrecer-se.

Em uma futura ocasião, mediante mais uma negativa, ante um pedido feito, isso tomou outro contorno e Anthony começou a preocupar-se. No entanto, eles tocavam juntos, eram amigos fraternais e não poderia haver má intenção da parte de Paul, pensara Anthony. Não seria possível que Paul estivesse a postergar tal devolução motivado por algum ato premeditado e escuso.
Foi quando após mais dois ou três pedidos mais incisivos, com Anthony a mostrar-se contrariado com a situação, que Paul finalmente deu um desfecho para o caso, mas não sem antes mostrar-se dissimulado, de uma maneira que Anthony jamais pensou que o seu amigo pudesse sê-lo, ao lhe contar uma história absurda, que beirou o escárnio. 
 
Nessa sua narrativa fantasiosa, Paul contou que resolvera viajar ao litoral em um determinado final de semana em que a banda não teve apresentações para cumprir e levara o baixo emprestado para estudá-lo na sua casa de praia. 
 
No retorno à capital, um infortúnio ocorrera-lhe, na verdade uma ocorrência normal, ainda que desagradável para qualquer motorista: um pneu estourou. Ao ter que tirar o instrumento do porta-malas, para providenciar a troca inevitável, o deixara encostado sob uma formação rochosa à beira da estrada enquanto efetuou a troca do pneumático do seu automóvel. Feita a troca, ele guardou as ferramentas e o pneu furado, fechou o porta-malas e seguiu viagem, quando muitos kilômetros depois, lembrou-se do instrumento que deixara no acostamento. 
 
Paul alegou que voltara desesperadamente ao local e claro que não havia mais nenhum sinal do instrumento, sequer. Paul encerrou tal narrativa com um lacônico “sinto muito”, e calou-se a seguir, sem prosseguir com o mínimo que Anthony esperaria de sua parte, isto é, uma promessa de ressarcimento.
O valor do instrumento não representava nenhum valor absurdo, mas a atitude descabida foi o que mais chateara Anthony. Como se não bastasse uma historieta infame a justificar a sua perda, além da não tomada de uma posição decente da parte de quem causara um prejuízo a outrem (sob aura cínica, até), isso potencializara-se por estar a vir de um amigo, e lógico, a postura lhe chocou ainda mais.  
 
A banda prosseguiu mais algum tempo na ativa, apesar desse mal-estar instaurado e nesses momentos posteriores, Anthony cobrou o ressarcimento desse prejuízo de forma enfática, até que o grupo encerrasse as suas atividades e nas contas pela divisão do espólio gerado pela venda do equipamento, o baixo perdido foi calculado compulsivamente como desconto na parte de Paul, e este teve a ousadia de reclamar dessa conta agregada à sua parte!
 
Foi a gota d’água de um comportamento deveras decepcionante de sua parte! 

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