terça-feira, 30 de abril de 2013

Autobiografia na Música - Boca do Céu / Bourréebach - Capítulo 56 - Por Luiz Domingues



Vale lembrar que o ano de 1978, foi difícil também por muitos aspectos pessoais, e sócio / comportamentais. No campo pessoal, foi o ano em que meu pai começou a notar que aquele negócio de "tocar em uma banda de Rock", não seria um desejo passageiro e típico de adolescente, e dessa forma, eis que começou a pressionar-me em direção oposta, com questionamentos sobre eu cortar meu cabelo; modo de vestir-se; pensar em emprego formal e faculdade etc. Claro, posicionamentos normais de pai, e hoje em dia, em que eu tenho mais que a idade que ele ostentava naquela época, posso entender perfeitamente a sua preocupação comigo, mas à época, foi um conflito e tanto, visto que aqueles questionamentos aviltavam meus sonhos, convicções etc.

E outro ponto triste, foi a guinada estética que veio a reboque do sinal dos tempos. O Rock brasileiro desmanchava-se em 1978. Os ventos da "revolução" punk começavam a soprar por aqui, e todas as suas consequências pareciam apodrecer todos os meus alicerces Rockers. Muitos amigos meus saíram a correr pelos sebos, para vender seus LP's de Rock, e muitos, para não dizer a imensa maioria, correu aos salões de barbearia, para raspar as suas respectivas cabeleiras. Eu sentia-me isolado, ao analisar aquela manifestação toda, com a estupefação de quem assiste de camarote, o fim do mundo. Por que eu deveria aderir àquela estética anti-Rock ? As primeiras notícias que li sobre o movimento punk, causaram-me absoluta ojeriza. O que para muitos representara uma novidade libertadora, esfuziante, em minha percepção, fora na verdade o contrário, tal como um sinal incrível de decadência; desolação; retrocesso. A ideia de tocar-se sob formas musicais simples, sem sofisticação, parecia-me algo normal e passível de convivência pacífica sob a minha concepção. Na minha estante de discos, conviviam harmonicamente os discos do Gentle Giant, com seu Prog-Rock, ultra-sofisticado, e o som cru, e quase mal tocado do T.Rex. E a ambos, eu chamava de Rock, sem nenhum conflito. Mas a reboque desses elementos que não sabiam tocar, veio toda uma mística perpetrada por marqueteiros e jornalistas, a criar o paradigma da maldita ideia do niilismo e deixo bem claro, a péssima interpretação desse conceito. Esse é o grande ponto nevrálgico dessa questão, desse rompimento. Eu nunca acreditei no niilismo como padrão de procedimento. Não acredito que uma estética deva ser aniquilada, para que outra surja renovada. Eu era apenas um adolescente com dezoito anos de idade na ocasião, mas esse sentimento já mostrava-se claro em meu entendimento e daí, foi difícil ver o estrago que essa terrível mentalidade imposta ditatorialmente, causou ao Rock, com respingos em outras áreas, também. Foi em janeiro de 1978 que tomei contato pela primeira vez com essas ideias de Malcolm McLaren e seus seguidores, ao ler uma matéria sobre tal assunto em uma revista especializada. Mais ou menos em setembro de 1978, fui ao MIS (Museu da Imagem e do Som ), e assisti um documentário sobre o Punk-Rock. A maioria das pessoas evadiu-se sob entusiasmo do cinema, mas eu saí deprimido com aqueles conceitos. Por que eu deveria passar a odiar os Beatles, como eles pregavam ? Por quê ?
E no meio dessa desolação, eu enxergo um aspecto pessoal e benéfico, ao menos. Foi preciso ter uma vontade obstinada para seguir em frente, pois tudo apontava para o "Fim do Sonho". 
A frase deslocada de outro conceito, da música "God", do John Lennon, foi usada à exaustão pelos jornalistas e publicitários mal intencionados, deliberadamente a gerar uma formação de opinião, estagnada em oposição aos ideais da contracultura. Cansei de ouvir "o sonho acabou", seguido do indefectível sorriso irônico dos detratores do Rock, e contracultura "sixtie". Regozijavam-se do nosso sonho ter acabado e ofereceram-nos o que em troca ? O pesadelo punk da truculência, da péssima música e uma série de valores terríveis, que ditaram as tendências nos anos 1980, e esparramam-se como praga, até hoje. Mas nem todos encantaram-se com essa "revolução pusilânime". Muitos bandearam-se para o Jazz-Rock; Fusion, e outros tantos foram engajar-se de cabeça na MPB, que ainda tinha ventos hippies a soprar por mais um tempo. Lembro-me por exemplo de ter visto inúmeros shows de MPB nessa fase, entre 1978 e 1981. Assisti artistas tais como : Elis Regina; Fagner; Sá & Guarabyra; Caetano Veloso; Gilberto Gil; Beto Guedes; Zé Ramalho; Moraes Moreira; Milton Nascimento, e até medalhões da velha guarda, como Jackson do Pandeiro, Demônios da Garoa etc. 
Um dos shows mais sensacionais dos quais recordo-me, sob teor da MPB, foi um do Beto Guedes em 1978, no teatro da GV (Fundação Getúlio Vargas), na Av. 9 de julho, em São Paulo. Casa abarrotada, lembro-me de pessoas acomodadas pelos corredores, escadas etc. Curiosidade : perto de meus amigos e eu, estavam dois jogadores famosos do Corinthians, nessa ocasião e acompanhados de belas mulheres : Wladimir e Solito. Quem acompanha o futebol, há de lembrar-se dos dois. O show foi impecável, e o som do Beto tinha arranjos complexos, certamente influenciados pelo Rock progressivo setentista.

E como multi-instrumentista, que era / é, ele tocou baixo em várias músicas, e deixou todo mundo boquiabert com o som incrível que tirou de um belo baixo, Rickenbacker, de cor creme (“mapleglow”), igual ao do Chris Squire, do “Yes”, e assim, a arrancar suspiros dos corações “proggers” machucados pelo intenso vilipêndio, com toda aquela desolação punk de final de década.


O Bourréebach viveu seus últimos suspiros nos quatro primeiros meses de 1979. Com a saída do Osvaldo Vicino, muito da inocência inicial do Boca do Céu foi-se embora, naturalmente, pois estávamos mais amadurecidos. O Laert conhecera um colega na faculdade em que recém havia ingressado (Faculdade de Jornalismo Cásper Líbero), logo nos seus primeiros dias, chamado Paulo Estevam Andrade. 
Era guitarrista, mas vivia aquela crise de identidade típica que acometeu à (quase) todos no final daquela década, ao negar o Rock, e a bandear-se para a MPB. Mesmo assim, ele interessou-se em conhecer o trabalho da nossa banda, e chegou a ensaiar conosco, algumas vezes. Lembro-me que ele possuía uma guitarra nacional, da marca, “Ookpik”, imitação de Gibson SG, com cor branca. Ele tocava bem, e parecia que encaixar-se-ia nessa nova formação da banda. Por incrível que pareça, o baterista, Zé Claudio também ficara após a reformulação geral no início de 1979, e a banda deu-nos uma remota esperança de continuidade, com essa nova formação. 
Contudo, o Laert mostrava-se cada vez mais empolgado com os colegas que havia conhecido recentemente, por conta de sua entrada na faculdade. Ali, nos corredores da Faculdade Cásper Líbero de jornalismo, conhecera : Guca Domenico; Carlos Mello (Castelo); Pituco Freitas; Paulo Elias Zaidan; Dico; Paulo Estevam Andrade; Nilma Martins e Saulo, entre outros, e a conversa a girar em torno de música; poesia; quadrinhos; cinema e tudo amalgamado pela política, estava a influenciá-lo fortemente. Com as coisas a caminhar devagar para o Bourréebach, foi natural que estivesse cada dia mais focado nesse novo ambiente, e assim que surgiu a ideia para realizar-se um Sarau literário / musical na própria faculdade, empolgou-se, e praticamente, aí nesse ponto, esgotou-se o seu foco no Bourréebach. Então, após alguns poucos ensaios, a banda desintegrou-se...


Apesar de ter sido um final melancólico, com a banda sendo vencida por inanição, praticamente, não fiquei triste na hora, tampouco fui acometido pelo sentimento de perda ou lamento. Simplesmente aceitei a absoluta falta de forças para prosseguir, mas convicto de que aquilo em nada mudaria a minha trajetória na música. Eu estava naquela altura, muito mais seguro, por ter vencido a etapa inicial, e terrível do aprendizado musical mais primário. Estava a progredir, tocar cada vez melhor, e sentia-me pronto para abraçar outras oportunidades.

Continua...

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