Vale lembrar que o ano de 1978, foi difícil também por muitos aspectos
pessoais, e sócio / comportamentais. No campo pessoal, foi o ano em que meu pai
começou a notar que aquele negócio de "tocar em uma banda de Rock", não
seria um desejo passageiro e típico de adolescente, e dessa forma, eis que começou a pressionar-me em
direção oposta, com questionamentos sobre eu cortar meu cabelo; modo de vestir-se;
pensar em emprego formal e faculdade etc. Claro, posicionamentos normais de pai, e
hoje em dia, em que eu tenho mais que a idade que ele ostentava naquela época, posso entender
perfeitamente a sua preocupação comigo, mas à época, foi um conflito e tanto,
visto que aqueles questionamentos aviltavam meus sonhos, convicções etc.
E outro ponto triste, foi a guinada
estética que veio a reboque do sinal dos tempos. O Rock brasileiro desmanchava-se em
1978. Os ventos da "revolução" punk começavam a soprar por aqui, e
todas as suas consequências pareciam apodrecer todos os meus alicerces Rockers.
Muitos amigos meus saíram a correr pelos sebos, para vender seus LP's de Rock, e muitos,
para não dizer a imensa maioria, correu aos salões de barbearia, para raspar as
suas respectivas cabeleiras. Eu sentia-me isolado, ao analisar aquela manifestação toda, com a
estupefação de quem assiste de camarote, o fim do mundo. Por que eu deveria aderir àquela estética
anti-Rock ? As primeiras notícias que li sobre o movimento punk, causaram-me
absoluta ojeriza. O que para muitos representara uma novidade libertadora,
esfuziante, em minha percepção, fora na verdade o contrário, tal como um sinal incrível de decadência; desolação;
retrocesso. A ideia de tocar-se sob formas musicais simples, sem sofisticação, parecia-me algo normal e passível
de convivência pacífica sob a minha concepção. Na minha estante de discos,
conviviam harmonicamente os discos do Gentle Giant, com seu Prog-Rock,
ultra-sofisticado, e o som cru, e quase mal tocado do T.Rex. E a ambos, eu
chamava de Rock, sem nenhum conflito. Mas a reboque desses elementos que não
sabiam tocar, veio toda uma mística perpetrada por marqueteiros e jornalistas,
a criar o paradigma da maldita ideia do niilismo e deixo bem claro, a péssima interpretação
desse conceito. Esse é o grande ponto nevrálgico dessa questão, desse
rompimento. Eu nunca acreditei no niilismo como padrão de procedimento. Não
acredito que uma estética deva ser aniquilada, para que outra surja renovada.
Eu era apenas um adolescente com dezoito anos de idade na ocasião, mas esse
sentimento já mostrava-se claro em meu entendimento e daí, foi difícil ver o estrago
que essa terrível mentalidade imposta ditatorialmente, causou ao Rock, com
respingos em outras áreas, também. Foi em janeiro de 1978 que tomei contato
pela primeira vez com essas ideias de Malcolm McLaren e seus seguidores, ao ler uma matéria sobre tal assunto em uma revista especializada. Mais ou menos em
setembro de 1978, fui ao MIS (Museu da Imagem e do Som ), e assisti um documentário
sobre o Punk-Rock. A maioria das pessoas evadiu-se sob entusiasmo do cinema, mas eu
saí deprimido com aqueles conceitos. Por que eu deveria passar a odiar os
Beatles, como eles pregavam ? Por quê ?
E no meio dessa desolação, eu enxergo um
aspecto pessoal e benéfico, ao menos. Foi preciso ter uma vontade obstinada para
seguir em frente, pois tudo apontava para o "Fim do Sonho".
A frase deslocada de outro conceito, da
música "God", do John Lennon, foi usada à exaustão pelos jornalistas
e publicitários mal intencionados, deliberadamente a gerar uma formação de opinião, estagnada em oposição aos ideais da contracultura. Cansei de ouvir "o sonho acabou",
seguido do indefectível sorriso irônico dos detratores do Rock, e contracultura
"sixtie". Regozijavam-se do nosso sonho ter acabado e ofereceram-nos o que em
troca ? O pesadelo punk da truculência, da péssima música e uma série de
valores terríveis, que ditaram as tendências nos anos 1980,
e esparramam-se como praga, até hoje. Mas nem todos encantaram-se com essa
"revolução pusilânime". Muitos bandearam-se para o Jazz-Rock; Fusion,
e outros tantos foram engajar-se de cabeça na MPB, que ainda tinha ventos
hippies a soprar por mais um tempo. Lembro-me por exemplo de ter visto inúmeros shows de MPB nessa fase,
entre 1978 e 1981. Assisti artistas tais como : Elis Regina; Fagner; Sá & Guarabyra; Caetano Veloso;
Gilberto Gil; Beto Guedes; Zé Ramalho; Moraes Moreira; Milton Nascimento, e até
medalhões da velha guarda, como Jackson do Pandeiro, Demônios da Garoa etc.
Um
dos shows mais sensacionais dos quais recordo-me, sob teor da MPB, foi um do Beto Guedes em 1978, no teatro
da GV (Fundação Getúlio Vargas), na Av. 9 de julho, em São Paulo. Casa abarrotada, lembro-me de pessoas
acomodadas pelos corredores, escadas etc. Curiosidade : perto de meus amigos e eu,
estavam dois jogadores famosos do Corinthians, nessa ocasião e acompanhados de belas mulheres
: Wladimir e Solito. Quem acompanha o futebol, há de lembrar-se dos dois. O
show foi impecável, e o som do Beto tinha arranjos complexos, certamente
influenciados pelo Rock progressivo setentista.
E como multi-instrumentista, que era / é, ele tocou baixo em várias músicas, e deixou todo mundo boquiabert com o som incrível que tirou de um belo baixo, Rickenbacker, de cor creme (“mapleglow”), igual ao do Chris Squire, do “Yes”, e assim, a arrancar suspiros dos corações “proggers” machucados pelo intenso vilipêndio, com toda aquela desolação punk de final de década.
O Bourréebach viveu seus últimos suspiros
nos quatro primeiros meses de 1979. Com a saída do Osvaldo Vicino, muito da
inocência inicial do Boca do Céu foi-se embora, naturalmente, pois estávamos
mais amadurecidos. O Laert conhecera um colega na faculdade em que recém havia
ingressado (Faculdade de Jornalismo Cásper Líbero), logo nos seus primeiros
dias, chamado Paulo Estevam Andrade.
Era guitarrista, mas vivia aquela crise de
identidade típica que acometeu à (quase) todos no final daquela década, ao negar
o Rock, e a bandear-se para a MPB. Mesmo assim, ele interessou-se em conhecer o trabalho da
nossa banda, e chegou a ensaiar conosco, algumas vezes. Lembro-me que ele possuía uma
guitarra nacional, da marca, “Ookpik”, imitação de Gibson SG, com cor branca. Ele tocava
bem, e parecia que encaixar-se-ia nessa nova formação da banda. Por incrível
que pareça, o baterista, Zé Claudio também ficara após a reformulação geral no início de 1979, e a banda deu-nos uma remota
esperança de continuidade, com essa nova formação.
Contudo, o Laert mostrava-se
cada vez mais empolgado com os colegas que havia conhecido recentemente, por
conta de sua entrada na faculdade. Ali, nos corredores da Faculdade Cásper
Líbero de jornalismo, conhecera : Guca Domenico; Carlos Mello (Castelo); Pituco
Freitas; Paulo Elias Zaidan; Dico; Paulo Estevam Andrade; Nilma Martins e Saulo, entre outros, e a
conversa a girar em torno de música; poesia; quadrinhos; cinema e tudo
amalgamado pela política, estava a influenciá-lo fortemente. Com as
coisas a caminhar devagar para o Bourréebach, foi natural que estivesse cada dia
mais focado nesse novo ambiente, e assim que surgiu a ideia para realizar-se um
Sarau literário / musical na própria faculdade, empolgou-se, e praticamente, aí nesse ponto,
esgotou-se o seu foco no Bourréebach. Então, após alguns poucos ensaios, a
banda desintegrou-se...
Apesar de ter sido um final melancólico,
com a banda sendo vencida por inanição, praticamente, não fiquei triste na
hora, tampouco fui acometido pelo sentimento de perda ou lamento. Simplesmente
aceitei a absoluta falta de forças para prosseguir, mas convicto de que aquilo
em nada mudaria a minha trajetória na música. Eu estava naquela altura, muito
mais seguro, por ter vencido a etapa inicial, e terrível do aprendizado musical mais primário.
Estava a progredir, tocar cada vez melhor, e sentia-me pronto para abraçar
outras oportunidades.
Continua...
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