terça-feira, 14 de junho de 2016

Sabores e Odores que Vinham da Cozinha - Por Luiz Domingues



Houve época em que a livre associação de ideias tratou de dar significado e significância aos sinais captados pelos sentidos do paladar e do olfato, em questões relacionadas a tudo o que se elaborasse no ambiente da cozinha.
 
Nada mais natural que isso ocorresse assim que a fase inicial circunscrita ao berço (e nessa prerrogativa incluía-se a alimentação natural advinda do leite materno), mudara-se em uma questão de poucas semanas.
Com tal mudança, que é bastante radical quando se tem pouquíssimos meses de vida, além da amplitude que seria exercida de uma forma absurda para o novo “serzinho” que mal começara a buscar a compreensão de si mesmo, houve também a mudança de cenário, com a vida a ser doravante vivida também através de um ambiente de serviços dentro de uma residência.
 
Logo eu percebi que o frenesi dos adultos ali era intenso, mas além disso, o ambiente novo proporcionou outras sensações e que foram intensas. 
Primeira observação: ali haviam vapores, que eram visíveis em formas gasosas e mais que isso, tais sinais de fumaça continham odores. 
 
Muitos deles foram agradáveis de imediato, outros nem tanto e houve os que incomodaram. Sim, a percepção primária de gostar ou não de alguma coisa já fora muito ativa mesmo nessa fase de inconsciência racional quase total.
Segundo ponto: os odores sinalizavam sabores. A tendência
foi a da impressão gerada pelo olfato confirmar-se quando da degustação e ao fazer uso, portanto, do elemento “paladar”.  Mas houveram exceções, para quebrar uma suposta lógica e na base da surpresa agradável ou não, eu fui a notar tal disparidade vez por outra.

Terceiro aspecto: outros sentidos foram estimulados, naturalmente. Ruídos típicos se tornaram rotineiros, tais como o tilintar dos talheres, panelas que se chocavam, eletrodomésticos que faziam um estardalhaço e tanto, os alimentos mexidos e misturados em panelas, travessas e pratos e todos os sons eram captados na mesma intensidade com a qual o radinho ligado de forma intermitente, emitia música, além é claro, do murmúrio dos adultos da casa, a confabularem entre si. 
O impulso para tocar nos objetos da mesa e nos próprios alimentos de forma inadequada, foi parcialmente evitado pelo uso estratégico do chamado “cadeirão”, um móvel concebido especialmente para um ser minúsculo e sem nenhuma noção de etiqueta à mesa, não se machucar, mas sobretudo, para não enojar os adultos em demasia, com a sua falta de noção total para se portar adequadamente.

Sob o aspecto visual, podia parecer secundário, mas as cores tinham algo a ver com os odores e sabores, as mais proeminentes percepções que ali se experimentavam.
Mas os que predominavam mesmo foram os odores e sabores. Essas foram as sensações mais fortes ali naquele ambiente do lar. 
 
Não demorou nada e a associação perpetuou-se no imaginário: cozinha era lugar de sabor e odor na minha casa, nas casas dos outros, igualmente e em lugares que não eram de ninguém (enquanto percepção de um lar), mas de todos, os ditos: “restaurantes”, informação que só bem depois eu viria a absorver. 
E mais uma associação básica: não só era o cômodo da casa que tratava de “restaurar” a todos, mas a se tratar de um ambiente aonde se cultuavam valores, no sentido de que culinária é um forte traço cultural e também o prazer, ao se considerar a gama de sensações prazerosas que proporcionava, trabalho, porque preparar as refeições era dispendioso para quem se encarregava dessa tarefa e sobretudo, por expressar valores familiares, pois foi ali onde se forjavam os relacionamentos mais enraizados entre as pessoas que compartilhavam da mesma carne, sangue e tradições.

Ao descobrir a cozinha, lugar dotado de múltiplas sensações, onde odores, cores e sabores predominavam, foi um passo importante para o início da compreensão da vida.

4 comentários:

  1. Mas que menininho esperto! Eu, só gostava de comer mesmo! rss

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    1. Grato pelo elogio !!

      Essa série de crônicas visa resgatar as lembranças mais remotas, tentando expressar os primeiros sentimentos primordiais, sem muita ou mesmo nenhuma racionalização e mais baseadas em sensações difusas, ou seja, dentro das possibilidades limitadas de um bebê...

      Super grato por ler e comentar !!

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  2. Oi, Luiz
    Ótima, a tua crônica.
    E, que coincidência! Ontem, eu conversava com uma amiga, sobre a alimentação da neta dela. Aliás, sobre a introdução da alimentação. Não é uma tarefa muito fácil, para os pais. É de expectativa, se a criança vai aceitar ou não. Se não causará problemas digestivos etc.
    Parabéns, pela crônica!

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    1. Oi,Janete !

      Muito gratificante saber que apreciou a crônica.

      Essa fase inicial da introdução à alimentação para o bebê que tantas necessidades tem na sua nutrição, é crucial mesmo, e gera muita angústia para os pais, que tem que lidar com a aceitação ou rejeição por parte da criança que ainda não sabe se expressar, baseando-se apenas em suas reações palatáveis.

      Muito grato pela atenção, gentileza e sempre bem vinda opinião !!

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