sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Crônicas da Autobiografia - Reconhecido no Trólebus em 1982... - Por Luiz Domingues

                   Aconteceu em 1982... no tempo d'A Chave do Sol...

Quando uma banda inicia um trabalho, pode demorar para surtir algum efeito prático que sinalize que o público está a notá-lo.

Volátil ao extremo e ainda a se tratar de um país como o Brasil, onde o incentivo à arte & cultura é zero (quando não abaixo disso, com sabotagens & boicotes), pode demorar muito para que haja algum sinal, isso se aparecer, pois muito artista talentoso nem chega perto disso, infelizmente.
Foram os primeiros meses de atividades d'A Chave do Sol e nesse instante do segundo semestre de 1982, éramos uma banda completamente desconhecida do grande público, a dar os seus primeiros passos ainda, a tocar ao vivo em casas noturnas de pouca expressão na cena paulistana, quando o nosso maior feito até então fora termos sido retratados através de uma reportagem de um programa de TV, mas de forma completamente fortuita, pois o mote do jornalista Goulart de Andrade, em questão, que apresentava o programa: “Comando da Madrugada”, era o de cobrir a noite paulistana e por acaso ele nos filmou a tocarmos em uma casa noturna dessas onde estávamos a nos apresentar, bem no início de carreira, e claro, sem menção alguma à nossa banda. 
 
Portanto, aparecemos na Rede Globo à esmo, em uma madrugada de outubro de 1982, mas como ilustres desconhecidos.
Fora disso, outra conquista inicial da banda fora uma micro reportagem que fizemos para um jornal de porte de São Paulo, a “Folha da Tarde”, com direito a uma foto. Foi muito para uma banda com poucas semanas de vida, comemoramos muito, é lógico, mas em termos práticos, foram os primeiros passos de uma longa jornada a ser percorrida. 
 
Então, sem ilusões naquele momento e a focarmos na labuta pura e simplesmente, encarávamos o anonimato com normalidade, mas em pé de igualdade com a esperança de chegarmos a patamares mais altos na música, como combustível motivacional sine qua non, evidentemente.

Por volta de novembro de 1982, tivemos então essas pequenas conquistas contabilizadas no nosso insípido currículo e portfólio e uma surpreendente agenda ao se considerar sermos uma banda iniciante, visto que começamos a articular a banda em julho, mas a estreia oficial acontecera ao final de setembro. 
 
A minha rotina pessoal nesses tempos era feita no sentido de deslocar-me de minha residência, que ficava localizada no bairro do Tatuapé, na zona leste de São Paulo, até a residência da família Gióia, no bairro do Itaim-Bibi, este na zona sul da cidade, onde um amplo quarto de despejos, localizado na edícula da casa, foi oferecido-nos como espaço, para montamos o nosso estúdio de ensaios.
Neste caso, o meu caminho para chegar até lá previa a viagem de metrô, da estação Tatuapé, até a estação Santa Cruz, na zona sul e de lá, no terminal acoplado a estação, eu usava o trólebus, linha “Santa Cruz-Pinheiros”. 
 
Para quem não é de São Paulo, “trólebus” são ônibus elétricos, uma tradição paulistana desde 1949. Eles convivem com os ônibus tradicionais a diesel, normalmente pelas ruas, mas detém as suas peculiaridades óbvias, como não poder mudar o itinerário, por conta de terem que seguir a linha elétrica que os alimenta, são muito mais confortáveis, parecem deslizar de tão macios e quase não tem o barulho típico de um motor em funcionamento.
 
O percurso que eu fazia da estação Santa Cruz até o ponto da Avenida Santo Amaro onde descia, quase em frente à rua da residência dos Gióia, era relativamente curto. Ao descer na época a rua Borges Lagôa (já faz um certo tempo o sentido das mãos mudaram ali, e a Borges Lagôa nos dias atuais tem sentido para o cruzamento com a Rua Domingos de Moraes, na Vila Mariana), e a circundar pelas ruas do Jardim Lusitânia, um micro bairro com mansões que circunda o Parque do Ibirapuera, ele embrenhava-se pelas ruas da Vila Nova Conceição, outro bairro que envolve o diâmetro do Parque, sendo igualmente de alto padrão, portanto, um passeio agradável e naquela época, com muito menos tráfego no seu entorno.
Pois foi nesse trólebus, em um dia de novembro, que eu tive o primeiro sinal de que a nossa banda estava a chamar a atenção. Foi um sinal tímido, é bem verdade, visto que nos anos vindouros o nosso grupo teria bastante exposição midiática e contabilizaria conquistas imensamente maiores, mas naquele breve instante, dada a dimensão em que os fatos transcorriam, marcou-me.
 
Aconteceu que uma garota viajava alguns bancos a frente e eu notei que ela olhava-me com uma expressão facial típica de quem pensa ter reconhecido alguém, mas não faz ideia como, por que e tampouco quem fosse a pessoa em questão. Em um dado instante, a garota tomou coragem e abordou-me, ao perguntar-me se eu seria músico, e se por acaso não tocara dias antes em uma casa noturna localizada no bairro do Bixiga, na zona centro-sul da cidade.
Sim, a nossa banda estava a cumprir uma temporada nessa casa, para tocar regularmente nas sextas e sábados e ela de fato havia nos visto em ação. 
 
Saquei de imediato uma filipeta (flyer), do bolso, a anunciar tal temporada e a convidei a retornar e levar amigos nas próximas apresentações que ainda tínhamos marcado para essa casa. Foi uma simples abordagem, mas que teve um fator de incentivo enorme, pois assim que eu cheguei ao ensaio, minutos depois, estive bastante empolgado com esse fato singelo e o dividi com os companheiros de jornada tal notícia, para comemoramos, visto ser naquele momento, algo muito importante para nós. 

Em suma, reconhecimento é tudo para um artista. O aplauso no calor do show, as abordagens pessoais, as cartas manuscritas (que naquela época foi uma forma muito usual de receber o carinho das pessoas e hoje em dia evidentemente, substituídas pelas ferramentas da Internet), enfim, cada pequeno gesto espontâneo, a sinalizar que estão a gostar do trabalho que fazemos, é um incentivo que não tem preço. 
 
Portanto, tirante as abordagens nos primeiros shows e o apoio abnegado de familiares, parentes & amigos, eu creio ter sido esse singelo gesto que adveio de uma pessoa estranha, e sob um ambiente nada glamorizado, revestido da absoluta normalidade do cotidiano (o transporte público), o primeiro sinal concreto que tive que essa banda faria sucesso. E fez... portanto: muito obrigado a todos os fãs desse trabalho! 

2 comentários:

  1. Que legal, logo no começo e já ser reconhecido.,,também quem tem o mínimo de bom gosto, lembraria da banda e da performance vocês e se tratando da Chave do Sol, isso não me espanta.

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    1. Exato, você pegou bem o espírito que quis repassar com esta crônica, ou seja, pelo fato de sermos uma banda completamente desconhecida naquele instante, cada pequena vitória, mesmo que fosse insípida no cômputo final, era comemorada como uma grande conquista e de fato o era.

      Chamar a atenção, sem nenhum grande apoio midiático e respaldado apenas por apresentações em casas noturnas inexpressivas, foi algo surpreendente e como todo bom Rocker, que éramos, foi encarado como um sinal mágico enviado pelos Deuses do Rock...

      Muito grato por sua atenção e comentário super positivo !

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