quinta-feira, 5 de abril de 2018

Crônicas da Autobiografia - Ludwig Van Beethoven Sendo Motivo de Riso - Por Luiz Domingues

Laert Sarrumor e Osvaldo Vicino na linha de frente, com Luiz Domingues atrás e encoberto. "Still" de uma filmagem do Boca do Céu em filme Super-8, de junho de 1977. Filmagem: Nelson Gravalos 

Aconteceu no tempo do Boca do Céu, no primeiro semestre de 1978
Uma reação comum a todo ignorante em potencial é a da risada, quando este depara-se com algo que não compreende. Certamente que a psicologia tenha uma explicação lógica para esse tipo de manifestação, muito provavelmente ao assemelhar-se como uma espécie de espasmo nervoso, disparado por questões emocionais recônditas e ligadas diretamente à questão da baixa autoestima, quiçá a sugerir o complexo de inferioridade. 

Certa vez eu fui ao Teatro Municipal de São Paulo, com o objetivo de assistir um Concerto erudito, protagonizado pela Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo, a interpretar uma sinfonia de Beethoven. 
 
Fui acompanhado de duas amigas minhas e tendo sido o ano de 1978 em curso, nós três ostentávamos idade entre dezessete e dezoito anos de idade, eu sendo o mais velho, mas igualmente no final da adolescência como as duas meninas. 
 
Eu já estava a tocar, ainda que rudemente nessa época, pois era um músico incipiente, mas com uma noção geral já bem acentuada e mesmo sendo um Rocker assumido e a ostentar cabelos pela cintura à moda e estética do Rock sessenta-setentista, eu sempre nutri um imenso respeito por todas as escolas musicais e a despeito que não fosse um grande entusiasta da música erudita, eu a apreciava moderadamente, mesmo por que, reconhecia em suas entranhas as influências básicas que moviam as bandas de Rock Progressivo setentistas, que eu adorava.
E mais do que essa consciência musical já bem desenvolvida que eu detinha nessa época, sempre tive em mente que diante de algo que não compreendia, a minha postura discreta era a mais adequada, ao contrário da maioria das pessoas que tendem a desdenhar de qualquer coisa que não compreendam bem, em um tipo de atitude que desaprovo desde sempre.
 
Mas as minhas amigas não raciocinavam da mesma forma e confesso que fui ingênuo ao aceitar a sua companhia sem conhecê-las o suficiente a justificar a sua presença mútua em um ambiente delicado, eu diria, pois o mínimo que se espera nessa circunstância, é que uma pessoa se porte educadamente, ao estabelecer o silêncio respeitoso e atencioso, e eu não poderia antever que tipo de reação e comportamento elas adotariam em tal ambiente. 
 
Fui ingênuo, confesso, pois deveria sim, ter preocupado-me com a hipótese de uma postura diferente da parte de pessoas desconhecidas, como uma variante plausível.
Assim que as luzes se apagaram, elas passaram a adotar uma postura deselegante de ficarem a cochichar entre si, mas o pior estava por vir. Aos primeiros acordes, da 6ª Sinfonia de Beethoven, a dita “Pastoral”, elas explodiram em gargalhadas, naturalmente a denotar um impulso nervoso automático ante o desconhecido. 
 
E claro que os olhares reprovadores das pessoas ao nosso redor e pedidos de silêncio sucumbiram, e tal situação envergonhou-me por completo. Ao rirem de forma compulsiva, elas nem conseguiam exprimir o motivo das risadas e só riam, como perfeitas idiotas inconvenientes. 
 
Esbocei evadir-me do ambiente (estávamos alojados nas cadeiras superiores), completamente envergonhado com o comportamento imbecilizado de ambas, mas o correto mesmo teria sido a saída delas e assim, sob um rompante de bom senso, as garotas resolveram sair e mesmo por que a pressão da parte de outros ouvintes ali indignados, estava em uma ascensão perigosa e logo tornar-se-ia insustentável, talvez a provocar um tumulto a prejudicar a própria performance da orquestra, algo inadmissível, sem dúvida alguma. 
 
Somente um senhor idoso, sentado na fileira da frente, um pouco à minha esquerda, não incomodou-se nem um segundo sequer. De olhos fechados e a esboçar tamborilar sobre o encosto lateral da poltrona, ele fazia discretos sinais manuais a acompanhar a pulsação da música, ou seja, se não fosse um músico, certamente era um entusiasta a conhecer muito o assunto e devia saber de cor peças dessa magnitude, pois aparentava estar profundamente absorto na vibração da música, ao comunicar-se diretamente na linguagem do próprio Beethoven, eu diria.
Sobre as garotas, na saída eu as encontrei no saguão após o final do Concerto e no percurso de volta, dentro do ônibus, ambas tentaram justificar o motivo pelo qual acharam tanta graça da orquestra em ação, mas sinceramente, os seus argumentos pífios nem interessaram-me. 
 
Estava tudo certo, sem ressentimentos, 1978 em curso e a Disco Music foi a crista da onda para elas. Beethoven era digno de riso e John Travolta é que era “legal”...  e assim caminhava a humanidade...

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