Laert Sarrumor e Osvaldo Vicino na linha de frente, com Luiz Domingues atrás e encoberto. "Still" de uma filmagem do Boca do Céu em filme Super-8, de junho de 1977. Filmagem: Nelson Gravalos
Aconteceu no tempo do Boca do Céu, no primeiro semestre de 1978
Aconteceu no tempo do Boca do Céu, no primeiro semestre de 1978
Uma reação
comum a todo ignorante em potencial é a da risada, quando este depara-se com algo que
não compreende. Certamente que a psicologia tenha uma explicação lógica para
esse tipo de manifestação, muito provavelmente ao assemelhar-se como uma espécie
de espasmo nervoso, disparado por questões emocionais recônditas e ligadas
diretamente à questão da baixa autoestima, quiçá a sugerir o complexo de inferioridade.
Certa vez eu
fui ao Teatro Municipal de São Paulo, com o objetivo de assistir um Concerto erudito, protagonizado pela
Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo, a interpretar uma sinfonia de
Beethoven.
Fui acompanhado de duas amigas minhas e tendo sido o ano de 1978 em curso, nós
três ostentávamos idade entre dezessete e dezoito anos de idade, eu sendo o mais velho, mas
igualmente no final da adolescência como as duas meninas.
Eu já estava a tocar, ainda que
rudemente nessa época, pois era um músico incipiente, mas com uma noção geral já bem
acentuada e mesmo sendo um Rocker assumido e a ostentar cabelos pela cintura à
moda e estética do Rock sessenta-setentista, eu sempre nutri um imenso respeito por
todas as escolas musicais e a despeito que não fosse um grande entusiasta da música
erudita, eu a apreciava moderadamente, mesmo por que, reconhecia em suas entranhas
as influências básicas que moviam as bandas de Rock Progressivo setentistas, que eu adorava.
E mais do
que essa consciência musical já bem desenvolvida que eu detinha nessa época, sempre
tive em mente que diante de algo que não compreendia, a minha postura discreta
era a mais adequada, ao contrário da maioria das pessoas que tendem a desdenhar
de qualquer coisa que não compreendam bem, em um tipo de atitude que desaprovo desde
sempre.
Mas as minhas
amigas não raciocinavam da mesma forma e confesso que fui ingênuo ao aceitar
a sua companhia sem conhecê-las o suficiente a justificar a sua presença mútua em um
ambiente delicado, eu diria, pois o mínimo que se espera nessa circunstância, é
que uma pessoa se porte educadamente, ao estabelecer o silêncio respeitoso e atencioso,
e eu não poderia antever que tipo de reação e comportamento elas adotariam em tal ambiente.
Fui
ingênuo, confesso, pois deveria sim, ter preocupado-me com a hipótese de uma
postura diferente da parte de pessoas desconhecidas, como uma variante
plausível.
Assim que as
luzes se apagaram, elas passaram a adotar uma postura deselegante de ficarem
a cochichar entre si, mas o pior estava por vir. Aos primeiros acordes, da 6ª
Sinfonia de Beethoven, a dita “Pastoral”, elas explodiram em gargalhadas,
naturalmente a denotar um impulso nervoso automático ante o desconhecido.
E
claro que os olhares reprovadores das pessoas ao nosso redor e pedidos de
silêncio sucumbiram, e tal situação envergonhou-me por completo. Ao rirem de forma compulsiva, elas nem
conseguiam exprimir o motivo das risadas e só riam, como perfeitas idiotas
inconvenientes.
Esbocei evadir-me do ambiente (estávamos alojados nas cadeiras superiores),
completamente envergonhado com o comportamento imbecilizado de ambas, mas o
correto mesmo teria sido a saída delas e assim, sob um rompante de bom senso, as garotas
resolveram sair e mesmo por que a pressão da parte de outros ouvintes ali
indignados, estava em uma ascensão perigosa e logo tornar-se-ia insustentável, talvez
a provocar um tumulto a prejudicar a própria performance da orquestra, algo
inadmissível, sem dúvida alguma.
Somente um senhor idoso, sentado na fileira da
frente, um pouco à minha esquerda, não incomodou-se nem um segundo sequer. De
olhos fechados e a esboçar tamborilar sobre o encosto lateral da poltrona, ele fazia discretos sinais manuais a acompanhar a pulsação da
música, ou seja, se não fosse um músico, certamente era um entusiasta a conhecer muito o
assunto e devia saber de cor peças dessa magnitude, pois aparentava estar
profundamente absorto na vibração da música, ao comunicar-se diretamente na
linguagem do próprio Beethoven, eu diria.
Sobre as
garotas, na saída eu as encontrei no saguão após o final do Concerto e no percurso
de volta, dentro do ônibus, ambas tentaram justificar o motivo pelo qual acharam
tanta graça da orquestra em ação, mas sinceramente, os seus argumentos pífios nem
interessaram-me.
Estava tudo certo, sem ressentimentos, 1978 em curso e a
Disco Music foi a crista da onda para elas. Beethoven era digno de riso e John
Travolta é que era “legal”... e assim
caminhava a humanidade...
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