segunda-feira, 2 de abril de 2018

Crônicas da Autobiografia - Sobre Camarins Minúsculos, Barulho Ensurdecedor e Longa Espera - Por Luiz Domingues

     Aconteceu e ainda acontece o tempo todo ao longo da carreira

Para as mega estrelas da música, os camarins são sempre uma extensão dos quartos de hotéis cinco estrelas, portanto, o conforto extremo à disposição, em muito ameniza as horas de tédio que geralmente acometem a todos os artistas, entre a finalização do soundcheck e a hora de se entrar em cena.

Mas tudo fica muito pior quando se trata de artistas que não usufruem dessa infraestrutura maravilhosa, a começar pelo fato das dimensões dos camarins serem quase sempre diminutas, em casas noturnas de pequena expressão, ou mesmo ao se contar com espaços inexistentes, ao obrigá-los a usarem cubículos improvisados, como despensas de materiais, mantimentos ou adegas.

Fora a insalubridade de lugares pouco asseados e mal iluminados, a ausência de espaço e assentos, por mais simples que sejam, como a clássica cadeira de plástico vagabundo, realmente tudo isso potencializa o cansaço dessas jornadas. 
 
Portanto, não é somente o som alto produzido no palco pelos amplificadores dos instrumentos elétricos, tampouco a ação da monitoração geral da banda e que todos precisam ouvir à perfeição para executarem bem a performance da banda, mas esse cansaço ao permanecer por horas no camarim, a esperar, e sob um ataque sonoro sem definição, mais a se parecer uma massa amorfa, densa e em alto volume, trata de minar as forças do artista, mesmo antes do seu show começar.
Outro fator desgastante tange ao horário padrão das apresentações. A tradição dos shows de Rock regidos pelo horário clássico das peças teatrais, 21 horas, perdeu força, de forma paulatina, infelizmente. 
 
E com a escassez de oportunidades para apresentações em teatros, por volta do fim dos anos oitenta, as bandas de Rock tiveram que mudar o seu padrão habitual, ao se adaptarem à cartilha desgastante das casas noturnas, locais onde passaram a fazer as suas apresentações mais regularmente. 
 
Sendo assim, com a sanha dos proprietários dessas casas em postergar por horas o início dos espetáculos, a fim de forçar a clientela a consumir bebidas e petiscos, o padrão de horário para o show passou a se iniciar depois da meia noite e muitas vezes, muito além disso. Dessa forma, o cansaço multiplicou-se e somado à falta de um camarim confortável e bem isolado, acusticamente, a espera para apresentar-se ficou ainda mais entediante sob todos os aspectos e nesse aspecto a somar-se aos fatores da gordura culinária ali existente e mediante odores fortes oriundos de temperos diversos, a tornar tais cubículos improvisados como camarins, insalubres, isso sem contar o calor insuportável, visto que geralmente tais despensas improvisadas estão perto de cozinhas, com fogões industriais, fornalhas ou até caldeiras escaldantes sob a ação da fumaça quente.

Em caso de shows compartilhados, se a banda que divide a noite com a sua é amiga, e o som compatível, ainda bem que tem esse fator envolvido pelo convívio prazeroso entre amigos e compatibilidade de ideias musicais (e atesto que assisti com prazer muitas bandas de colegas cujos trabalhos eu gosto e assim apreciei muito as suas respectivas performances pelas coxias), mas isso nem sempre é possível. 
 
Aconteceu-me muitas vezes, principalmente em festivais com muitas bandas a apresentarem-se e então, a espera ainda mais longa, contrasta com a efemeridade de um show de choque que você vai realizar ali, pois são horas de espera para subir ao palco e tocar por menos de trinta minutos.
E já houve casos de furtos em camarins. Já passei por isso duas vezes e mesmo não tendo sido prejudicado pessoalmente, foram companheiros meus a serem furtados e claro que isso estragou a noite de todos, mesmo tendo sido bons shows. 
 
Tem também a questão do assédio de gente inconveniente. Não tem nada mais gratificante do que receber fãs do trabalho no pós-show e eu tenho lembranças ótimas nesse sentido, em todas as bandas pelas quais eu atuei, mas muitas vezes há gente extremamente desagradável e invasiva misturada aos civilizados, que abordam com carinho e educação. 
 
Chatos contumazes aparecem e geralmente são inconvenientes, ao passar dos limites, por fazerem pedidos a fim de obter material da banda de forma gratuita, ou ingressos para shows futuros, e neste caso, há ainda os que não dão a entender que não sairão facilmente do ambiente, como se quisessem forçar a entrada na nossa “entourage” e sem o nosso convite expresso, certamente. 

E tem igualmente os costumeiros maus-tratos perpetrados por funcionários mal-educados, seguranças prepotentes e terrorismo para forçar a debandada da banda e de sua equipe ser a mais ligeira rápida no pós-show, com a tática do corte de energia elétrica no camarim, entre outras ações lastimáveis, e acredite, já passei por isso algumas vezes.
Claro que acumulei muitas histórias engraçadas e outras tantas a conter aspectos positivos sobre a estada em camarins e que oportunamente poderão gerar novas crônicas específicas sobre tal tema, mas nesta oportunidade, eu quis falar genericamente sobre o “Dark Side” dessas experiências acumuladas.

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