Em meados dos anos 1980, a ligação umbilical que A Chave do Sol manteve com a loja/gravadora Baratos Afins, foi total. Não apenas pelo fato dessa empresa ter lançado os dois primeiros discos da nossa banda, mas por conta de que ali naqueles balcões e sobretudo pelas constantes conversas mantidas pelo telefone, o produtor fonográfico, Luiz Carlos Calanca, costumava ser bombardeado diuturnamente com sondagens & propostas para shows e ações midiáticas, pedidos de discos, consultas sobre os seus lançamentos e essa enorme gama de possibilidades era repassada de imediato aos artistas que faziam parte do seu elenco de contratados, incluso a nossa banda, certamente.
Exatamente por ser um polo de oportunidades para todos os artistas que lançava e pelo fato da loja ser um espaço público e absolutamente adorável por reunir amantes da música de várias vertentes e notadamente Rockers, por que predominara o espírito Rocker ali dentro daquelas dependências.
Nessas circunstâncias, foi normal eu estabelecer uma rotina de passar por ali, ao menos uma vez por semana, tamanha a quantidade de recados que surgiam para nós (e todos os demais artistas contratados pelo selo), além de reuniões com produtores musicais de toda monta, com as mais variadas propostas de trabalho para a nossa banda.
E foi exatamente em uma ocasião em que eu estive ali presente com o Luiz Calanca e também na companhia da sua esposa, Vitória, alguns funcionários e um amigo fraterno, o guitarrista, Hélcio Aguirra, que nesta época ainda era componente da banda orientada pelo Heavy-Metal, Harppia, que um sujeito ali apareceu e pelo teor da conversa, pareceu ser amigo do Calanca, mas surgido de uma outra conexão social fora da música, pois a sua conversa direcionou-se completamente fora desse contexto.
O sujeito falava sobre as suas proezas no campo das artes marciais e em tom de bravata, passou a elencar as mais diversas situações em que usara a sua força, em tom de autoelogio e ameaça velada.
Foi quando ele passou a insistir em fazer demonstrações, mesmo que ninguém ali na roda de conversa houvesse esboçado sequer duvidar de suas afirmativas. Ficara claro que o rapaz queria exibir-se e ao mesmo tempo, deixar no ar uma advertência sobre o quanto seria imprudente da parte de qualquer um, desafiá-lo, no alto de sua força brutal.
E assim, na base da insistência a beirar o constrangimento desagradável, o rapaz impetuoso forçou a situação até conseguir o seu intento.
A proposta que ele lançou, antes fosse para quebrar tijolos ou outros objetos sólidos dessa monta, no entanto, isso não satisfaria o seu ego inflado pela síndrome do super herói de HQ que ele devia ter consigo.
Foi então que cada um ali presente, foi convidado a sentir o impacto de um golpe desferido pelo altivo rapaz, mesmo que ele garantisse que não colocaria nem 1% de sua força, a garantir que não geraria lesão alguma para ninguém.
Bem, de minha parte, devo dizer que o rapaz aplicou-me um golpe no meu peito, com apenas um dedo. Mas o impacto dessa força controlada que ele realmente detinha, foi tremendo, ao parecer um soco desferido por um homem normal, com o punho cerrado.
De fato, eu senti a latejar por alguns segundos, mas logo passou o incômodo e que eu saiba, jamais houve nenhuma consequência mais grave em termos de lesão.
No entanto, a pergunta que ficou no ar, foi: por que nos submetemos a essa demonstração barata para inflar o ego desse rapaz? Subjugação? Preguiça? Temor por parecermos mal-educados e evadirmo-nos da loja, simplesmente?
Creio que na verdade, o que foi determinante no saguão da loja, foi o sentimento não declarado, mas presente (por ser algo enraizado por todos, como um paradigma que todos trazemos desde a tenra infância), que é algo bem típico da cultura latina, regido pela ideia machista de que é uma desonra fugir de alguma situação que envolva dor física, para dar margem aos demais a supor que você seja um covarde.
Então, todos ali foram dominados por tal sentimento subliminar, como se fôssemos novamente alunos da 5ª série, durante a hora do recreio no pátio da escola, ao nos deixarmos submeter a absorvermos golpes, só para satisfazer o ego de um sujeito que nem conhecíamos e que apenas por cinco minutos de conversa, já deixara patente ser um deslumbrado pela sua força e pior ainda, uma espécie de sádico a nutrir prazer por provocar o medo subliminar em outrem.
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