terça-feira, 20 de outubro de 2020

Autobiografia na Música - Kim Kehl & os Kurandeiros - Capítulo 133 - Por Luiz Domingues

Em sua constituição de repertório, o CD Sonhos & Rosquinhas Suíte apresenta uma certa diversidade musical, entretanto, absolutamente dentro do espectro natural d'Os Kurandeiros e cabe uma explicação, para tal fenômeno. 

Pois aos que consideram o trabalho d'Os Kurandeiros como fechados no Rock mais básico, em sua estrutura primordial cinquentista e o Blues, há de entenderem que outras correntes se fazem presentes por extensão lógica. Por exemplo, vem no bojo do Rock mais tradicional, o Rockabilly e o Country-Rock e por conseguinte, o Soft-Rock e o Folk-Rock, por uma questão de proximidade direta com a raiz country. 

Pelo lado do Blues mais puro, vem uma gama de outras vertentes, de onde o próprio Rock básico veio, mas também daí, em correlata caminhada com o R'n'B, Soul Music, Gospel e Funk. E da explosão que gerou a fusão do Country com o Blues, o Blues-Rock, que abriu espaço para a psicodelia, Acid Rock e daí derivou o Prog-Rock, Jazz-Rock, Space-Rock, Glitter-Rock etc.

Em suma, aos que pensam que a nossa banda é fechada em duas correntes básicas a conferir: Rock & Blues, não está equivocado, em tese, mas eu ressalto que em torno desses dois pilares, há muitas variantes e nesse aspecto, todo esse preâmbulo que eu fiz, ao estilo de uma explanação sobre a musicologia, tem a sua razão de ser, pois esse disco d"Os Kurandeiros representou toda essa diversidade em torno dos dois pilares básicos do estilo da nossa banda.

Kim Kehl em destaque. Os Kurandeiros durante a gravação ao vivo do CD Sonhos & Rosquinhas Suíte". Estúdio V8 de São Paulo. 15 de março de 2020. Click, acervo e cortesia: Fausto Lopes

A primeira faixa, é na verdade uma vinheta e atende pelo nome de "Abertura", e literalmente, justifica o seu título, por justamente ser um tema criado com tal intenção de uma abertura, no sentido operístico do termo. 

Esse tema, na verdade, foi uma composição que o Kim criou especialmente para servir como abertura do nosso show em parceria com o astro, Edy Star, durante a turnê que fizemos em conjunto com ele, entre 2018 e 2019. 

Eis o Link para assistir no YouTube:

https://www.youtube.com/watch?v=Aum5Kl9PSsg

Para tal ocasião, enquanto a banda segurava a base harmônica, Kim Kehl fazia na voz solada da guitarra, diversas insinuações sobre canções compostas pelo Raul Seixas, pois este fora o mote do espetáculo. No caso dessa adaptação para o repertório d'Os Kurandeiros, o Kim usou do mesmo expediente, mas obviamente a usar as demais canções contidas nesse mesmo disco, para pontuar à guitarra.

Gosto bastante da vibração da banda na condução da base. Soa bem a guitarra do Phill Rendeiro a cimentar a harmonia, junto ao órgão Hammond pilotado pelo Nelson Ferraresso, este inclusive, a imprimir um peso bem considerável, que garante o elemento Hard-Rock ao tema e no caso da "cozinha" da banda, a vibração, agrada-me muito. Entramos com firmeza e no meu caso, mesmo a usar um baixo teoricamente mais "aveludado", o Fender Jazz Bass e no caso, o Fender Precison teria sido mais adequado, em tese. No entanto, eu gostei do timbre alcançado e do peso.

Kim Kehl em ação! Os Kurandeiros durante a gravação ao vivo do CD Sonhos & Rosquinhas Suíte". Estúdio V8 de São Paulo. 15 de março de 2020. Click, acervo e cortesia: Fausto Lopes

A segunda faixa, "Só o Terror", tem um apelo Hard-Rock setentista, muito grande e com forte sotaque norte-americano, eu diria. Em essência, é muito influenciada pelo som do Alice Cooper em seu melhores dias (entre os LP's "Love it to Death" e "Muscle of Love", nos anos setenta). 

Eis o Link para escutar no YouTube:

https://www.youtube.com/watch?v=wFSaBrCsL9k

Gosto muito do Riff central que segue a melodia central da voz e isso é um maneirismo típico de Blues-Rock pesado, a lembrar o som do "Mountain", de certa forma. A volta à base com peso, impressiona e na letra, é curiosa a abordagem do Kim sobre a questão da desesperança. 

Ele escreveu essa letra ainda em 2019, mas caiu como uma luva para o momento do terror instaurado pela pandemia de 2020 e ainda sob a ótica ao estilo do Alice Cooper, melhor ainda.

Phill Rendeiro em destaque! Os Kurandeiros durante a gravação ao vivo do CD Sonhos & Rosquinhas Suíte". Estúdio V8 de São Paulo. 15 de março de 2020. Click, acervo e cortesia: Fausto Lopes

A terceira faixa, "Bom Rock" é a única entre as inéditas, que nós já tocávamos ao vivo há um certo tempo. No entanto, essa canção sofreu uma série de adaptações em sua letra, para finalmente ser gravada. 

Acho bastante curioso o seu tema, que versa sobre a questão de certos setores do público consumidor de Rock no Brasil, que não prestigia o Rock brasileiro normalmente e dessa forma, torna-se até cômica a situação desse padrão de pensamento arraigado em certos cidadãos, que preferem apoiar bandas cover que cantam clássicos internacionais, do que prestigiar artistas autorais. 

Eis o Link para escutar no YouTube:

https://www.youtube.com/watch?v=4EKJEw91EJs

Tal abordagem de letra é controversa no sentido que poderia gerar uma má interpretação e por conseguinte melindrar quem não a interpretasse corretamente, mas o recado é bom e até divertido, no sentido que contém uma boa dose de humor, que de certa forma, traz a lembrança do trabalho do Joelho de Porco à tona, pela ironia fina com sarcasmo e deboche, tudo misturado.

Kim Kehl em destaque. Os Kurandeiros durante a gravação ao vivo do CD Sonhos & Rosquinhas Suíte". Estúdio V8 de São Paulo. 15 de março de 2020. Click, acervo e cortesia: Fausto Lopes

Em sua estrutura musical, trata-se de um Rockabilly acelerado, ao estilo de Gene Vincent, por isso, apesar da estrutura harmônica quadrada dos três acordes básicos, deu margem por outro lado para que todos os instrumentistas colocassem elementos coloridos em seus arranjos individuais e assim, a canção ficou rica e ao se considerar que foi gravada em tomada única, ao vivo, surpreende por esse balanço todo e cheio de pequenos detalhes pontuais.

Bem, a quarta faixa se chama: "Ultimo Blues". Um tema clássico, um pouco mais acelerado que um slow blues propriamente dito, mas não muito, e assim, lembra-me, particularmente, o som do "Ten Years After". 

Gosto muito da condução geral da banda, com todos os componentes a atuarem com a devida parcimônia para não poluir a pureza do Blues, mas com classe, eu diria. O solo do Kim é muito bom e ele usou uma guitarra Epiphone ao estilo, Gibson 335, daí a reforçar a minha impressão de que o som de Alvin Lee se fez presente, fortemente.

Na questão da letra, eu penso que a abordagem é bem melancólica e cabe a reflexão. Eu, particularmente, sou um otimista por natureza e sempre rejeitarei uma visão negativa e/ou derrotista, mas também entendo perfeitamente a visão de quem compôs e acho perfeitamente válido, pelo ponto de vista artístico, que a visão melancólica tem a sua beleza artística, sem dúvida alguma. 

Eis o Link para escutar no YouTube:

https://www.youtube.com/watch?v=TYMbiXiRReU

E neste caso, a poesia escrita e interpretada pelo Kim, a descrever a sua desesperança com o panorama artístico, a situação da sociedade atual e tudo mais. E mais uma vez, essa linha de criação para a letra, precedeu a questão da pandemia e as suas consequências sociais terríveis etc. 

Ele começou  a esboçar essa canção nos idos de 2017, e neste relato eu cheguei a comentar sobre tal, muitos capítulos atrás. Então, no cômputo geral, eu creio que por se tratar de um blues bem clássico, essa letra é bastante compatível com a sua estrutura musical.

Nelson Ferraresso em ação, com a presença de Juliana Parra, uma das proprietárias do estúdio V8, ao seu lado, por detalhe. Os Kurandeiros durante a gravação ao vivo do CD Sonhos & Rosquinhas Suíte". Estúdio V8 de São Paulo. 15 de março de 2020. Click, acervo e cortesia: Fausto Lopes

A quinta faixa, é a mais vibrante faixa do disco, pelo aspecto mais festivo. Lembra bastante o som do "Mott the Hoople", a evocar o Glitter-Rock britânico e setentista, mas ao mesmo tempo, contém bastante identidade "AOR", com sabor norte-americano. 

Por ter sido gravada ao vivo, os backing vocals não acertaram a afinação e a métrica em todas as voltas do módulo em que atuam e neste caso, eu creio que poderia ter sido pilotada a mixagem a coibir, mas como foi uma gravação com tomada única e a mixagem feita bem rapidamente, passou dessa forma. Por outro lado, pode-se afirmar que é uma gravação ao vivo, em ritmo de bootleg e assim, soa orgânico, verdadeiro etc. e tal, ou seja, é válido se analisado com esse sentido.

Eu (Luiz Domingues), com Carlinhos Machado ao fundo, na bateria. Os Kurandeiros durante a gravação ao vivo do CD Sonhos & Rosquinhas Suíte". Estúdio V8 de São Paulo. 15 de março de 2020. Click, acervo e cortesia: Fausto Lopes

Sobre a letra, a questão da expressão "Sonhos & Rosquinhas", que dá título à canção e ao disco, tem a sua razão de ser. Se lido a esmo, parece uma ideia exótica, mas a explicação da parte do Kim que a compôs, deu-se pelo fato de que ele ouvira o saudoso crítico musical, Ezequiel Neves, cunhar a expressão: -" o sonho acabou, então eu vou comer rosquinhas". 

Eis o Link para escutar no YouTube:

https://www.youtube.com/watch?v=uI_pqF55n68

Claro que a intenção foi brincar com a frase de efeito usada como um jargão paradigmático e geralmente com a má intenção de gerar dolo, para vilipendiar a derrocada do movimento Hippie, a contracultura e o Rock sob a égide, 1960 & 1970, de uma forma geral. 

Polêmico por natureza, Ezequiel criou esse jargão cínico para debochar mesmo, disso eu não tenho dúvida, porém, não posso deixar de observar que maledicência a parte, a expressão é engraçada. Portanto, o Kim a usou para brincar com o tema e na letra, ele pelo contrário, traça um paralelo interessante a anotar que o sonho acabou de fato, mas o que adveio foi muito pior, o que, por esse aspecto, eu tendo a concordar e lastimar, sem dúvida. 

Anotado como se fosse uma parte "B" dessa canção, vem a parte final, denominada: "Grand Finale", que vem a ser o fechamento clássico da dita "Suíte". De fato, há uma reinserção ao tema inicial "abertura", mas com nuances diferentes, a acrescentar um tema que nós costumávamos usar ao vivo como fechamento dos nossos shows, principalmente entre 2014 e 2019.  

Sobre a parte musical em si, dessas duas últimas canções, eu gosto muito também da vibração e do sentido de balanço, principalmente em "Sonhos & Rosquinhas", quando nas partes mais a ver com o Glitter-Rock, o sentido mais dançante ficou muito realçado e ouso dizer que nesse sentido, tal canção tornou-se doravante uma espécie de nova "A Noite Inteira", para levantar a plateia em nossos shows, assim esperávamos. 

E o encerramento com "Grand Finale", contém uma eloquência que eu sempre apreciei de tocar ao vivo e portanto, fiquei feliz que tenha sido gravada para imortalizar-se.

Foto com a banda a posar após o término da apresentação & gravação. Os Kurandeiros durante a gravação ao vivo do CD Sonhos & Rosquinhas Suíte". Estúdio V8 de São Paulo. 15 de março de 2020. Click: Lara Pap. Acervo e cortesia: Kim Kehl

E como bônus tracks, eis que se acrescentou mais uma versão de "Ultimo Blues", desta feita proveniente do áudio do vídeoclip que foi filmado na mesma ocasião e também o single que lançáramos em 2018, "Andando na Chuva", agora devidamente alojado em um CD.

Eis o Link para escutar no YouTube:

https://www.youtube.com/watch?v=mDV_zmY9PYY

Sobre a capa, a sua estrutura básica é bonita a usar o fundo preto com dois selos sobrepostos, um a conter as palavras "Rock" e "Blues" em círculo e o logotipo d'Os Kurandeiros por cima, com realce e a se colocar de uma forma muito bonita. 

Predominam as cores amarela, dourada e vermelho em tom bordô, portanto, com muito bom gosto nessa composição. A inserção de uma ilustração com a rosquinha cor-de-rosa, trouxe o elemento mais divertido à concepção da ilustração.

A contracapa ficou igualmente bem sóbria. O logotipo d'Os Kurandeiros em versão branca ao fundo, com as fotos dos cinco componentes da banda em sentido horário, sob clicks de Fausto Lopes, a presença de mais uma ilustração da rosquinha temática desse álbum e a ficha técnica bem simples, com os caracteres centrados em letras brancas.
E a imagem para selo do disco em si (label), apresenta a rosquinha rosada e os seus complementos granulados em azul e branco, com o nome do disco e da banda. Toda a concepção e produção da capa e o seu lay-out, ficaram a cargo de Kim Kehl, além da produção geral do álbum.
O disco foi lançado em julho de 2020, com bastante repercussão inicial em termos de internet.
Carlinhos Machado em ação! Os Kurandeiros durante a gravação ao vivo do CD Sonhos & Rosquinhas Suíte". Estúdio V8 de São Paulo. 15 de março de 2020. Click, acervo e cortesia: Fausto Lopes

A primeira resenha oficial foi publicada em 2 de agosto de 2020. Assinada por Cesar Gavin, através do site rockbrasileiro.net com muitos elogios ao trabalho.

Eis o link para ler a matéria no site citado: 
https://www.rockbrasileiro.net/2020/08/os-kurandeiros-lancam-novo-album-ao.html

Na primeira foto, Carlinhos Machado & Kim Kehl, em encontro ocorrido no dia 6 de agosto de 2020. Na segunda foto, Nelson Ferraresso e Kim Kehl, em encontro realizado em 12 de agosto de 2020. Clicks (selfies), acervo e cortesia: Kim Kehl

Em 6 de agosto de 2020, Carlinhos Machado visitou Kim Kehl, em seu QG, o estúdio "Mandioka", e a rigor, foi a primeira vez em que se reencontraram, desde 15 de março, quando da gravação do disco ao vivo: "Sonhos & Rosquinhas Suíte", ou seja, a pandemia gerou muitos estragos para Os Kurandeiros, e para todos, eu sei bem disso. 

Continua...

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