segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Crônicas da Autobiografia - Brinquedo Novo que Fascina - Por Luiz Domingues

          Aconteceu no tempo de um Trabalho Avulso, em 1979

Em início de carreira, qualquer músico sofre os arroubos oriundos da sua pequena vivência no meio. É um tipo de fenômeno verificado não apenas nesse meio, mas que na verdade, trata-se de um conceito generalizado e que vale para qualquer ramo de atividade. 

No caso, a falar sobre a nossa profissão, é comum que músicos inexperientes fiquem inebriados por conta do uso de equipamentos e instrumentos e que ao não saber dosar o seu entusiasmo por um eventual novo artefato que lhes seja disponibilizado. E foi exatamente o que ocorreu comigo e com o baterista que estava envolvido nesse mesmo trabalho.

Corria o ano de 1979, e a minha primeira banda, o Boca do Céu, havia encerrado a sua atividade em abril. A partir de junho do mesmo ano, iniciara-se o embrião remoto do que viria a se tornar o "Língua de Trapo" e no decorrer do segundo semestre, ainda de uma forma bem tímida, esse embrião deu os seus primeiros passos.

Nesse cenário de oportunidades tímidas, foi em outubro que eu recebi o convite para participar de uma atividade paralela e que se constituiu do meu primeiro trabalho extra, fora das minhas bandas autorais, ao fazer parte da banda de apoio do ator/diretor de teatro/cantor/compositor e pianista, Tato Fischer. 

Eu fora convidado pelo meu amigo, Cido Trindade, que já atuava como baterista dessa banda e que o conhecera em 1978, por ocasião de uma montagem teatral/musical produzida pelo Tato Fischer e cuja banda que dera suporte ao vivo nas encenações, foi liderada pelo próprio, Tato, que também tocava piano ao vivo e dirigia o espetáculo. 

Bem, convite aceito de minha parte, eu ensaiei e passei a ser componente dessa banda de apoio do Tato Fischer, já a participar de um show realizado na cidade de Cubatão-SP e a seguir, nós cumprimos uma temporada encenada em dois teatros, Martins Penna e Paulo Eiró, ambos pertencentes à Prefeitura de São Paulo. 

Pois foi em um dos show que fizemos no Teatro Paulo Eiró, que o primeiro arroubo aconteceu, desta feita perpetrado pelo meu amigo, o baterista, Cido Trindade. 

O fato, foi que ele chegou em determinado dia no teatro para o soundcheck vespertino e a carregar consigo uma novidade: um cowbell, que acabara de comprar e muito excitado por tal aquisição, rapidamente instalou a peça de percussão acoplado ao seu bumbo e o tocou com bastante ímpeto, durante todo o soundcheck. Inebriado, ele naturalmente abusou muito do uso, mas fora algo compreensível, na medida em que esteve encantado com a nova possibilidade sonora da qual dispunha.

Então, veio o show e ... bingo, o Cido se mostrou apaixonado pelo cowbell e em toda as músicas, tratou de usá-lo a tornar tal recurso que é lindo, se usado nos momentos certos, como algo enjoativo e não deu outra, o Tato reclamou no camarim no momento do pós-show e já a partir do dia seguinte, o Cido diminuiu drasticamente o seu uso. 

Eu deveria ter absorvido bem essa lição que o colega teve, mas ainda na mesma turnê com Tato Fischer, eu cometi o deslize igual, atraído pelo mesmo sentimento de uma criança que ganha um presente novo no dia de Natal.

Aconteceu em um show posterior da mesma turnê, realizado no interior de São Paulo, especificamente na cidade de Penápolis-SP, que foi provido tecnicamente pelo uso do equipamento integral de uma banda de bailes local. 

E os donos desse equipamento nos cederam tudo gentilmente: PA, backline, iluminação, kit de bateria com todas as peças e pratos, teclados vintage de alta categoria e até pedais de efeitos. 

Como não tínhamos um guitarrista na formação dessa banda base, atuávamos como um Power-Trio com baixo/bateria e teclados a la Emerson/Lake and Palmer, portanto, o nosso grande tecladista, Sérgio Henriques pegou os pedais que desejou para acoplar ao seu kit de teclados e eu fiquei tentado a usar alguns também no baixo. 

O detalhe contraditório dessa minha decisão, foi que eu nunca gostei de usar efeitos no baixo e de fato, depois dessa noite, nunca mais usei um pedal ligado ao meu baixo. Entretanto, nessa tarde, ali enquanto fazíamos o soundcheck e motivado pelo fato dos donos do equipamento terem sido tão gentis em nos prover tudo o que a sua banda de bailes possuía, eu sucumbi e liguei um pedal "Phase 90", no meu set, o clássico da marca, "MXR".

Muito bem, sem sentido prático para o baixo a grosso modo, a não ser por estabelecer um detalhe a ser usado com extrema parcimônia e em um momento específico de uma música, o fato é que eu sabia disso e nem gostava de efeitos no baixo, mesmo naquela época a deter pouca experiência na música que eu tinha, porém, mesmo assim eu me deixei levar e quando o show se iniciou, eu passei o espetáculo inteiro a ligar o pedal para realçar os trechos que elegia na hora para receber tal efeito e claro, portei-me na verdade como uma criança tola que faz uso de um brinquedo novo, assim que o retira do pacote, enquanto os seus pais e avós tecem comentários sobre o quanto ela está encantada com o artefato ao seu redor.

Em resumo, não fui admoestado pelo Tato como ele o fizera com o Cido por conta do uso excessivo do cowbell em um show anterior, mas exagerei da mesma forma ao cometer o excesso por conta da fartura de recursos que nos foi oferecida, ou seja, a se tratar de uma atitude bastante inconveniente da minha parte. 

O lado bom foi que eu aprendi na prática, algo que eu já sabia na teoria, ou seja: "menos é mais" e por extensão, adquiri mais um ensinamento: "em uma festa, coma moderadamente e não motivado pelo caráter gratuito da fartura ali colocada à mesa" e que na verdade fora algo que eu também já sabia em tese, mas que infelizmente eu cometi o desatino de não seguir à risca. 

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