Produção do disco em estúdio encerrada, no tocante à parte visual/gráfica, seguiu-se o mesmo padrão de extrema praticidade, com uma capa sóbria, porém bela, a ostentar um vistoso logotipo em tons avermelhados, criada pelo grande ilustrador/desenhista e design gráfico, Johnny Adriani.
Tal artista já havia feito essa ilustração, tempos antes, portanto o Kim só resgatou uma arte que já dispunha e estava arquivada, a aguardar oportunidade para ser aproveitada. E o momento de utilizá-la chegou enfim, e posso afirmar sem dúvida alguma que encaixou-se como uma luva ao espírito desse novo álbum d'Os Kurandeiros.
Eu já havia tido trabalhos meus ilustrados pelo Johnny Adriani, antes, inclusive capa de disco, no caso o CD "Chronophagia", da Patrulha do Espaço, lançado no ano 2000. E agora mais uma vez teria o prazer de ter uma bela obra assinada por esse incrível ilustrador.
EP Seja Feliz - Os Kurandeiros
Gravado no Estúdio Curumim / São Paulo - SP / 24 canais / Gravação Digital - entre julho e agosto de 2016
Técnico de Som e Produtor de estúdio : Fernando Ceah
Mixado e masterizado no estúdio Foka / São Paulo - SP - entre setembro e outubro de 2016
Técnico de Mixagem; masterização e produção de estúdio : Carlos Perren
Capa: arte e criação: Johnny Adriani
Foto: Juja Kehl
Arte final de capa & contracapa: Kim Kehl
Assistência: Lara Pap
Produção geral: Kim Kehl
Faixas:
1) A Noite Inteira (Kim Kehl)
2) Faz Frio (Kim Kehl)
3) O Filho do Vodu (Kim Kehl)
Formação da banda nesse álbum:
Kim Kehl: Guitarra, Voz e Violões
Carlinhos Machado: Bateria
Luiz Domingues: Baixo
Nelson Ferraresso: Teclados
Renata "Tata" Martinelli: Voz
Músicos convidados:
Marcos Soledade "Pepito" : Percussão nas três faixas
Carlos Perren : Trompa em "Faz Frio"
"A Noite Inteira" (Kim Kehl)
Eis o Link para escutar no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=P0R6P6KAuqo
Essa música, conforme eu já citei anteriormente, tem uma junção de estilos setentistas do Rock, bem marcantes. Trata-se de uma feliz transição entre o Blues-Rock, com certa identidade Hard-Rock, porém com muito do Glitter Rock britânico daquela década.
Ela começa com um riff clássico de Rock'n' Roll, que lembra bastante o trabalho de bandas como o "Humble Pie", fortemente influenciada pelo Blues. Mas o elemento Glitter logo pronuncia-se, com diversos signos, entre os quais o uso e abuso de backing vocals a cumprir o clássico, "Uh Uh", que faz com que a sonoridade fique absolutamente festiva, ao sabor de bandas dessa escola "Glam", como "T.Rex", "Mott the Hoople", "Silverhead" e "Glitter Band", entre outras.
Gosto muito da voz da Renata "Tata" Martinelli, que canta com uma voz rasgada, tanto na voz solo, quanto em contra vozes, onde impressiona pela afinação e alcance agudo. As suas intervenções lembram-me muito o estilo da Silvinha (famosa cantora da "Jovem Guarda"), que cantava muito, por sinal.
O solo de guitarra do Kim é melódico e lembra muito o som do Mick Ronson, tanto nas resoluções, quanto no timbre. Nelson toca piano, a pontur com intervenções bem Rock'n' Roll e há também um órgão Hammond a sedimentar uma base sutil, com uso de caixa Leslie, sempre bem vinda.
A bateria toca reta, como nos discos do "Status Quo", e eu gosto dessa firmeza na condução e dos timbres, incluso o bumbo grave e a quase completa ausência de reverber nela, o que é uma dádiva na minha percepção. Gosto do som abafado, ao estilo do áudio dos anos setenta. A percussão do Marcos Soledade "Pepito" é bastante criativa, com o uso de diversos instrumentos ao longo da canção, mas a deixar predominar o som das congas na parte final, para conferir-lhe um balanço incrível. No entanto, dá para ouvir a pandeirola, guiro, cowbell e timbales. Todavia, tudo muito bem distribuído, com critério e bom gosto.
Sobre o baixo, usei o Fender Precision e ele soa mais comedido que o normal. Não é o registro mais agressivo, com estalo metálico que eu mais uso, mas ele ronca em alguns trechos da canção, não resta dúvida.
A respeito da opção do Kim Kehl gravar o vocal solo em duo com a Tata, creio que a explicação é simples. O fato dela não estar presente em todos os shows, talvez condenasse a canção ao engavetamento, com execuções sazonais, só quando ela participasse das apresentações d'Os Kurandeiros, mas com a voz do Kim registrada igualmente, a canção é peça permanente do repertório dos shows desde o seu lançamento e posso atestar, faz muito sucesso ao vivo.
E finalmente sobre a letra, trata-se de uma opção festiva. Pode não ter pretensões intelectuais, mas cumpre o seu papel ao encaixar-se como uma luva na sonoridade da canção. A temática é simples, a falar sobre se aproveitar o embalo de uma festa etc. e tal. Nada diferente do que todo mundo que escute os Rolling Stones ou Faces a cantarem em inglês em suas canções e aprove o seu teor, ao não entender a língua estrangeira, falemos objetivamente...
"Faz Frio" (Kim Kehl)
Eis o Link para escutar no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=sc4r0cQZHXU
Essa canção é uma balada clássica, com forte identidade sessentista em sua essência, e que me faz lembrar muito do estilo Pop e sofisticado de Burt Bacharach, mas ao longo dos arranjos que foram a se incorporarem aos diversos instrumentistas convidados, ganhou outras nuances, igualmente instigantes ao meu ver, e enriqueceu-se sobremaneira.
A inclusão da trompa, um instrumento de sopro sinfônico e não muito usual em gravações de música Pop em geral, reforçou a ideia da influência de Burt Bacharach. Muito mais comum, se fosse uma canção do Burt, teria sido a inclusão de trompete, um tipo de instrumento de sopro muito usado nas suas canções da década de 1960, mas a simples inclusão da trompa a estabelecer uma linha melódica doce, cumpriu a mesma função e deu esse ar sofisticado, como se a canção fosse trilha de um filme daquela década.
É ouvir esse começo e imaginar Audrey Hepburn com uma xícara de chá esfumaçante, a olhar pela janela de seu apartamento em Queens, lá em Nova York, a mirar a rua sob nevasca e com a presença de pessoas super agasalhadas a andarem apressadas pela calçada.
No entanto, quando o Nelson Ferraresso colocou os seus teclados, novas influências trouxeram um colorido diferente à canção. Mediante o seu piano Fender Rhodes, super criativo, a música parece uma balada dos Rolling Stones, daquelas tantas, uma mais linda que a outra, dos discos dessa banda nos anos setenta.
O espírito de Billy Preston baixou no estúdio Curumim, graças a uma intervenção direta dos Deuses do Rock e o Nelsinho foi muito feliz em dar vazão a tanta inspiração e criatividade. Fora o piano Fender Rhodes que ficou lindo, tem também a intervenções do órgão Hammond e strings ultra setentistas, a lembrar trilhas de seriados policiais de TV, daquela década. Desta vez é o inspetor Kojak que espia da janela da sua delegacia, a olhar para o bairro do Bronx, e enquanto degusta o seu pirulito vermelho, ele pensa em como surpreender os bandidos nas ruas.
Mais uma vez, o Carlinhos Machado brindou-nos com uma bateria sóbria, segura e com belos timbres. O nosso convidado, Marcos Soledade "Pepito" trouxe uma percussão contínua, com uso de caxixis a manter o ritmo e a usar pontuais intervenções com o carrilhão, a produzir efeitos. Simples, mas bonito.
Gosto muito da base de violão "batido" que o Kim manteve na gravação, com timbre agudo, muito belo. E as intervenções de guitarra são excelentes, incluso o solo, onde o uso de caixa Leslie, ficou um primor, ultra setentista e extremamente doce.
E na parte da voz, gosto também da melodia e da interpretação do Kim, ao fazer menção que estava a sentir frio de fato, ao garantir fidedignidade à proposta da temática da letra. Esta por sinal, com forte teor romântico, mas que saiu ilesa do verdadeiro tobogã que é para qualquer letrista, não escorregar na pieguice. O Kim passou com louvor nesse perigoso e escorregadio quesito.
Sobre o baixo, eu usei Fender Jazz Bass, certamente um baixo muito adequado para tocar-se qualquer canção que tenha conexão com a Black Music em geral. Em por se tratar de uma balada com sabor R'n'B sessentista em seu âmago, nada melhor portanto que evocar os mestres James Jamerson e Donald "Duck" Dunn... e viva a Motown!
"O Filho do Vodu" (Kim Kehl)
Eis o Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=gAkLHthBIiM
Aqui, trata-se de uma canção fortemente comprometida com as mais profundas raízes do Blues-Rock, mas com a carga lisérgica direta do período conhecido como o mais louco da história do Rock, o dito "Late Sixties"/"Early Seventies", traduzido em puro Acid-Rock. É Jimi Hendrix ressuscitado em meio a um ritual vodu com a invocação de zumbis creoles, diretamente de um pântano do Mississipi.
Sobre a gravação em si, claro que o carro chefe é a usina de riffs oriundos da guitarra do Kim e todo mundo foi atrás, a conferir um sustentáculo de peso mastodôntico e por isso mesmo, agradabilíssimo.
Impressionante o peso e a incidência de registros de frequências graves na bateria de Carlinhos Machado. Com um som "gordo" de bumbo e tambores a moda antiga, a sua bateria é um autêntico azougue, a soar-me muitíssimo bem. Os teclados do Nelson impressionam também pela massa que ele concebeu. Com órgão Hammond distorcido e percutido ao estilo do grande Jon Lord, realmente se conferiu um peso incrível à canção. Há strings estridentes em alguns trechos também, e intervenções pontuais de pianos, muito bonitas ainda que bem sutis.
O Marcos Soledade "Pepito" "pilotou" congas com muito molho, a lembrar muito algumas canções do LP "Eletric Ladyland" do Jimi Hendrix. Gostei muito de tal acréscimo. E claro, toda a parte de guitarras é muito boa, ao mesclar timbre robustos de guitarra Gibson Les Paul, com a acidez aguda da Fender Stratocaster, com direito a alavancadas, ruideiras & loucura a vontade, por que "aqui é sixties, bicho"...
Sobre a proposta da letra, a explicação do Kim quando mostrou-nos a canção, foi tão convincente que tirou a possibilidade de qualquer contra argumentação em contrário. Ora, você leitor, se gosta de Blues-Rock, Southern Rock, Acid Rock & afins, tem ideia de quantas músicas clássicas desses gêneros tem esse mesmo teor na temática? A começar por "Voodoo Child", do Jimi Hendrix, e ao passar por incontáveis similares, realmente, digamos que é ideia recorrente, no bom sentido do termo. Sobre a sua interpretação, acho-a bem condizente com a proposta e as intervenções com risadas "macabras", tem tudo a ver com o clima de fantasmagoria francófana, ao estilo da cultura de New Orleans.
Sobre o baixo, eu não tive como fugir da escolha do Fender Precision e evocar o espírito Hendrixiano de Noel Redding e Billy Cox, mas confesso, contém algumas escapadas fora da curva do rio, e o Gary Thain aparece vez por outra... sobre o timbre, ele mostra-se um pouco mais abafado do que geralmente gosto de timbrá-lo, mas está com peso e ronca nas entrelinhas.
Para encerrar sobre o álbum, creio que o resultado geral do áudio é muito bom, com capa bonita e o fato de ser uma produção simples em termos gerais, em nada atrapalhou o seu resultado artístico e pelo contrário, acho que é um mérito a mais, visto que com poucos recursos, tenho a consciência de que fizemos muito, como produto de qualidade, bem acabado. E claro, sinto muito prazer e orgulho em ter esse disco como um registro de minha atuação nessa banda, e espero que seja o primeiro de muitos.
Continua...
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