quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Obstinação Cega - Por Luiz Domingues

O sonho de alguém que sonha se dedicar a qualquer ramo da arte, viver dessa atividade e ser reconhecido pelas suas realizações é totalmente legítimo. A aspiração é o que move o campo cultural para frente, em constante movimento, na mesma medida em que o mar se move constantemente, ou seja, é absolutamente natural.

Aliás, não é apenas uma atribuição do mundo artístico, mas de qualquer ramo de atividade. O que move a criança a observar e admirar um profissional adulto a exercer uma atividade profissional com destreza, é o que gera a semente da motivação primordial que possivelmente o levará a estudar e se tornar um profissional da área que ele admirara como criança.

No entanto, ter admiração e aspirar atuar com desenvoltura em qualquer profissão, não depende exclusivamente da boa vontade. A questão da aptidão vocacional conta, e mesmo que a pessoa deseje ardentemente e se esforce ao máximo para se tornar um bom profissional da área, seja lá qual for o campo, é preciso ter aquela dose de talento natural para exercer o que deseja.

No campo das artes (e nos esportes igualmente), esse algo mais, que é uma força motriz subjetiva e não é assimilável mediante estudos e tampouco esforço pessoal, é o que determina se a pessoa pode ser um artista realmente expressivo ou um atleta diferenciado na sua performance.

Posto esse preâmbulo, para situar melhor o leitor, relato o caso de um garoto chamado Zoran, nascido em uma cidade próxima de Subotica, no norte da Sérvia. Impressionado desde a tenra idade com a pintura, ele foi aquele típico menino que antes mesmo de aprender a segurar uma colher para se alimentar sozinho, já usava o lápis para desenhar, ou melhor, expressar o desejo de desenhar.

E assim foi a se desenvolver, todavia, apesar de todo esse entusiasmo, os seus desenhos, mesmo quando já se tornara adolescente, se mostravam nitidamente muito aquém do amor que ele demonstrava ter pela arte. 

Nesses termos, ele mostrava os trabalhos aos parentes, amigos, vizinhos, colegas de escola e professores, mas só recebia como resposta os cumprimentos educados da parte de quem gostava dele como pessoa e reconhecia o seu esforço para se firmar como um aspirante a se tornar um artista plástico reconhecido, como sonhara.

E sim, muitas críticas da parte de quem não tinha esse cuidado para não magoá-lo e nesse caso, adiciona-se a presença dos provocadores maldosos, aqueles que falariam mal até se as obras fosses boas incontestavelmente e ainda mais ao se revelarem como obras no máximo medíocres, Zoran tornara-se um alvo fácil para ser atingido com virulência e ridicularizado por ser um pretendente a ser reconhecido como artista, mas apesar da sua luta, não chegar nem perto de apresentar uma aptidão que o credenciasse para tal.

No entanto, Zoran era tão obcecado para se firmar como artista, que simplesmente releva as críticas e dessa forma, enxergava apenas a sua meta. Bem, não se pode deixar de observar que, falta de autocrítica à parte, a obstinação dele foi um predicado.

Eis que após muita insistência, o professor de artes de Zoran, aceitou ceder o espaço da escola para que ele pudesse apresentar uma exposição. Não foi sem relutância, no entanto, pois o professor fez o que pode para dissuadir Zoran, ao alegar que não seria ainda o momento adequado para ele se expor e a acrescentar que seria mais prudente ele se aperfeiçoar mais, ou seja, foi uma forma amena para fazê-lo entender que faltava-lhe estatura para se colocar publicamente dessa forma. 

Todavia, Zoran não entendera o aviso subliminar. Teria sido melhor o professor se portar mais incisivamente como mestre e não diplomata para não ferir os sentimentos do seu pupilo? Certamente que sim, mas a sua bondade não lhe permitiu e assim, ele cedeu a pressão e a exposição foi marcada.

No dia do vernissage, todos os parentes e amigos compareceram em peso para dar o devido apoio moral à Zoran. Foi então que se tornou insuportável para um irmão dele, continuar a fingir que achava a arte de Zoran, relevante. Então, enquanto circulava entre as obras expostas, ele passou a resmungar, bem naquele movimento labial entre o sussurro e o ranger nervoso dos dentes: -"sranje, sranje", o que na tradução literal para o português, significa: -"merda, merda"...

Em suma, tal manifestação do irmão de Zoran revelara o sentimento real dos que o incentivavam por amor e não realismo, infelizmente. 

E sobre o Zoran, ele continuou a pintar, porém a sua obstinação foi a diminuir na medida em que o tempo passou e a sua consciência se ampliou ao ponto de finalmente enxergar e se conformar com o fato cabal de que jamais conseguiria se tornar um artista mediano e local, portanto, ele foi estudar para se tornar um professor de desenho e assim direcionou a sua vida para o mundo pedagógico no qual aprendeu a ter prazer em ensinar as crianças os fundamentos do desenho e foi feliz por ganhar a vida a fazer algo que nutria paixão.

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