Eu conheço o produtor cultural, Antonio Celso
Barbieri, desde 1984, e desde então, passei a admirar a sua força de trabalho
no campo da produção musical. Inicialmente a minha observação ateve-se em
termos de produção de shows nos quais eu mesmo, Luiz Domingues, estive envolvido
através da minha banda na ocasião, A Chave do Sol, e assim, eu pude constatar que
o seu método para produzir shows de Rock continha um diferencial.
Momento de euforia no camarim do Teatro Mambembe de São Paulo. Show d'A Chave do Sol em julho de 1986 e minutos antes da banda entrar no palco, o produtor Celso Barbieri aborda os componentes da nossa banda para comunicar que a casa estava lotada, aos nos mostrar o borderô do teatro. Da esquerda para a direita: Rubens Gióia (de costas), José Luiz Dinola (encoberto, visto apenas pelo ombro), Beto Cruz, depois o roadie da banda, Edgard Puccinelli Filho, eu (Luiz Domingues) e o produtor do espetáculo, Antonio Celso Barbieri. 28 de julho de 1986. Foto: Maurício Abões
Mais do que o esmero profissional natural, Barbieri
demonstrava mediante a sua estratégia e sobretudo pelas atitudes adotadas na atuação do cotidiano daquela ocasião, que enxergava a produção cultural com uma
abordagem macro, ou seja, a tornar a cena musical sustentável e não apenas
sazonal para atender as demandas imediatas da época.
Nesse contexto, há de se avaliar também como um dado
importante, que o Rock como gênero, nunca foi a linguagem principal de um país
com outras raízes culturais como é o caso do Brasil. Portanto, apesar de estarmos a viver um momento bom e raro de proximidade com o espectro mainstream naquele ponto dos anos oitenta, na verdade, o nosso nicho em específico estava à margem desse usufruto, ou seja, foi mais um mérito do Barbieri ao ter feito tantas realizações em meio às dificuldades inerentes.
Nesses termos históricos, vale a pena contextualizar que houveram
momentos efêmeros ao longo da história, nos quais artistas desse segmento
desfrutaram de um espaço maior na mídia mainstream hegemônica e por conseguinte,
a estabelecer uma proximidade com o apelo midiático para atingir uma parcela mais abrangente da
população.
Por exemplo, na segunda metade dos anos 1960, houve o
fenômeno proporcionado pela TV Record, através do programa: “Jovem Guarda”.
Muito provavelmente quando os produtores dessa emissora colocaram tal atração
no ar, não projetaram que ela cresceria tanto, ao ponto de se configurar como
um movimento de alcance nacional, mas na prática foi de fato uma explosão
natural que gerou tal cena e dessa forma a lhe fazer durar consideravelmente e ainda por cima movimentou a indústria
fonográfica de uma maneira contundente.
Mais do que isso, foi assunto predominante para a imprensa escrita e
sobretudo a radiofônica, por conseguinte, a começar a fomentar as ações de
merchandising, aliás, uma área que até então era insípida no âmbito musical, portanto, a Jovem
Guarda abriu esse campo lucrativo também para os artistas e seus respectivos agentes.
Não vou entrar no mérito artístico do bojo de artistas
que se beneficiaram dessa explosão, pois nem todos eram Rockers assumidos, e neste caso, alguns (para não dizer a maioria) apenas se aproveitaram da oportunidade ao atuarem ali e mais um dado, o sucesso
da atração na TV Record, estimulou a criação de programas semelhantes em outras
emissoras, ou seja, a cena se ampliou, o que em tese, foi bom para todos.
No entanto, apesar de tanto sucesso, tal movimentação esvaiu-se, ao não
demonstrar fôlego para se sedimentar completamente.
Nos anos 1970, o Rock teve algum espaço, certamente.
Não foi nada parecido com a exposição da Jovem Guarda, é bem verdade, no entanto, é fato que
bandas seminais com Os Mutantes, O Terço, Rita Lee & Tutt-Frutti, Joelho de
Porco, A Bolha, Made in Brasil, Casa das Máquinas, Patrulha do Espaço e sobretudo, Raul Seixas
e o trio Secos & Molhados, tiveram bastante espaço, com casos de picos de audiência,
até.
E finalmente nos anos 1980, um terceiro “boom”
midiático surgiu e que em certos aspectos superou a explosão da Jovem Guarda,
pois a despeito de não ter sido condicionado a um específico programa de TV e
de seus imitadores, obteve um fomento muito forte da indústria fonográfica em
conjunto com a mídia radiofônica, além do suporte publicitário massivo
e do advento da linguagem proporcionada pelos vídeoclipes, uma forma de divulgação que foi muito popular nessa
década.
Tanto foi assim que eu cheguei a ouvir de certos
produtores da época (não do Barbieri, certamente), que mais importante do que a qualidade da música que o
artista produzia, para se alcançar o sucesso mainstream naquele contexto oitentista, era
preciso colocar como estratégia, dois valores acima de tudo: a aparência pessoal dos
artistas e gerar vídeoclipes bem produzidos.
Por conta desse panorama tipicamente oitentista, uma piada foi recorrente no meio Rocker dessa
época, ao dar conta que saber tocar, cantar e compor bem, seriam atributos
irrelevantes, e que ao contrário, o artista precisava contratar uma modista,
frequentar salão de beleza e fazer curso de dramaturgia para atuar como “ator”
em muitos vídeoclipes, pois somente esses valores o levariam para o sucesso
midiático.
Na questão estética dos estilos em voga, duas grandes
correntes se formaram nos anos oitenta: artistas que seguiram os ditames do
movimento Pós-Punk ou os que se bandearam para o Heavy-Metal, e que na
sua formatação predominante, ambos se colocarem como trincheiras opostas para atuar no tabuleiro
mainstream dessa década.
Esse foi ambiente no qual eu conheci o produtor, Antonio Celso
Barbieri.
Sobre o campo de possibilidades dos anos 1980, com
mente aberta, ele não se fechou com nenhuma polaridade em específico para atuar
na produção cultural, mas o fato é que pelas circunstâncias que teve para
atuar, mais trabalhou com o pessoal que militou no segmento do Heavy-Metal/Hard-Rock
oitentista e nesse sentido, produziu uma infinidade de shows.
Rubens Gióia em destaque, com Fran Alves ao fundo. A Chave do Sol no Teatro do Sesc Pompeia em São Paulo, em 27 de julho de 1985. Produção de A.C.Barbieri. Foto: Rodolfo Tedeschi
A minha banda, A Chave do Sol, não se identificava com
os dois polos em voga e assim, fomos autênticos “outsiders” na cena oitentista,
ao produzirmos um trabalho mais orientado por correntes tradicionais antigas,
oriundas das décadas de sessenta e setenta, mas pela força dos acontecimentos,
nós mais nos aproximamos do pessoal do Hard-Rock e Heavy-Metal e assim, por conta da forte
atuação de Barbieri na produção de shows de artistas desse campo, nós também
fomos agraciados com muitas oportunidades.
Lembro-me bem que além das questões triviais que
envolviam a produção de um show de Rock e posso assegurar que ele pensava em
todos os detalhes, como um bom produtor, Barbieri sempre foi além, ao traçar
estratégias para abrir espaços maiores para promover os seus shows e inclusive
a usar de táticas muito criativas para seduzir a mídia mainstream, que
nitidamente apoiava a turma do Pós-Punk e tratava o pessoal do Rock pesado como
representantes de uma cena “menor” ante a sua visão preconceituosa e digamos, tendenciosa.
Portanto, ao criar festivais em teatros nobres de São
Paulo e atrair a cobertura da imprensa majoritária, incluso com reportagens de
TV, patrocinadores e a contar com formadores de opinião na plateia (e tudo isso
feito sem nenhuma assessoria, verba e nem mesmo com uma equipe de produção para
auxiliá-lo), ele de fato se destacou muito entre os seus pares e sem demérito
algum para outros bons profissionais que atuaram nesse mercado nos anos 1980.
No trato pessoal comigo e com a minha banda, ele
sempre foi cortês, muito eficiente, honesto ao cumprir tudo o que prometera
antecipadamente e surpreendente quando trouxe bônus para a nossa banda e foram
muitos em termos de oportunidades que nos proporcionou.
Mas um dia ele se cansou do terreno inóspito com o
qual atuava. Pois mesmo com toda a euforia gerada pelo “boom” do dito movimento
BR-Rock 80’s e com o impulso posterior por causa do sucesso obtido através do
Festival Rock in Rio de 1985, que tratou de fornecer uma sobrevida para o Rock
oitentista habitar a mídia por mais um tempo, na prática o
espaço voltou a diminuir e assim, farto de dar tantos murros em ponta de faca e a ser incompreendido por muitos, ele partiu para buscar novas perspectivas para a
sua carreira.
Quando chegou em Londres, no ano de 1987, Barbieri se
aproveitou ao máximo da oportunidade de estar a atuar em um país de primeiro
mundo, pois rapidamente se adaptou e mais do que nunca, se viu em um lugar que
ao contrário do Brasil, mantinha um campo inesgotável para a atuação no
âmbito cultural.
Antonio Celso Barbieri nos anos 1990, já muito bem ambientado em Londres
E mediante tantas oportunidades sedutoras, ele que
sempre teve um espírito empreendedor incansável, expandiu muito o seu rol de
possibilidades.
Para início de conversa, Barbieri investiu pesado em
equipamentos, para rapidamente se inserir no mundo virtual, algo restrito a
poucos no Brasil, mas já a se mostrar como uma realidade mais acessível à
população em geral na Europa.
Além disso, ele deu vazão a um lado pouco conhecido de
sua personalidade para muitos aqui no Brasil, ao comprar instrumentos musicais, teclados de início, ou seja, o
seu talento como músico aflorou também, para se somar ao seu lado de produtor
musical com o qual ficara conhecido no meio Rocker paulistano.
Portanto, na Inglaterra do final dos anos 1980,
Barbieri investiu na sua carreira como artista, porém jamais deixou de incentivar o Rock brasileiro, e daí em diante, manteve em alta a sua atuação como empreendedor cultural ao produzir
shows de bandas brasileiras na capital britânica, inclusive a organizar toda a
logística para tal.
Foi também correspondente por muitos anos da Revista Dynamite
e assim cobriu uma infinidade de shows, das bandas mega famosas às alojadas
no patamar do “underground”.
O ótimo Site de Barbieri, "Memórias do Rock Brasileiro", uma ferramenta de permanente apoio ao Rock do Brasil
Ele montou também um espetacular site para contribuir
decisivamente com o Rock brasileiro: “Memórias do Rock Brasileiro”, e por haver
se tornado um excelente web designer, Barbieri também prestou mais um serviço
enorme aos artistas brasileiros, quando passou a produzir clips para reforçar a
divulgação das nossas bandas.
Eu mesmo fui presenteado com tais peças que ele ofertara
gratuitamente aos artistas para fomentar a sua divulgação e no meu caso, com
clips a servir de suporte publicitário para três bandas com as quais eu
trabalhei em épocas distintas: Patrulha do Espaço, Pedra e Kim Kehl & Os
Kurandeiros.
Isso sem contar as inúmeras capas de discos que ele
assinou, além de cartazes e flyers de divulgação para shows, entre outras peças
criadas para a divulgação de dezenas de artistas.
Simultaneamente, o seu trabalho solo como músico,
compositor e produtor fonográfico, floresceu, ao lançar muitos discos e nesta
altura dos acontecimentos, 2022, ele já possui uma discografia vasta e bastante
diversificada em termos de sonoridade.
Como se não bastasse toda essa
profusão de relevantes préstimos ao Rock e nesta altura em âmbito
internacional, pode-se afirmar, eis que o seu lado como escritor também aflorou
e na verdade, depois de tantos anos a trabalhar como um produtor de conteúdo e
correspondente de uma revista, nada mais do que natural que escrevesse um livro
e assim, eis que em 2015, lançou: “O Livro Negro do Rock”, um verdadeiro
compêndio a analisar a relação de diversos artistas ligados ao Rock, com o
ocultismo.
Também em formato e-book ou
simplesmente publicados em seu site, ele prosseguiu a lançar contos, tais como:
"O Roqueiro e a Velha Senhora", esta, a se revelar como uma história
baseada no conto: "Sotoba Komach", escrito pelo escritor japonês,
Yukio Mishima e também o conto policial “UEIC-SP/"Noite Quente”.
Outros trabalhos são: “Homosinteses” que investiu no estilo Sci-Fi e “Maria
Eugênia” que é um conto disponibilizado em versão PDF através do próprio site
do autor. Mais livros e textos virão, com certeza.
Antonio Celso Barbieri
Destaca-se também o
trabalho de Barbieri como Webmaster. Além do seu próprio site, o “Memórias do
Rock Brasileiro”, Barbieri foi web designer do prestigiado site: “Do Próprio
Bol$o” mantido pelo ativista cultural, Mário Pacheco, também conhecido como
Mário "Pazcheco”, também cuidou do site da Patrulha do Espaço, do fã-clube dos
Beatles, “Revolution” e deu a mão à muitas bandas para que pudessem melhorar os
seus respectivos sites em termos de apresentação visual. E claro, mantém também
o site “2bStar” que ultimamente fora usado como um veículo de divulgação da
banda “Solis Rex”, projeto do guitarrista brasileiro radicado nos Estados
Unidos, Carlo Tonalezzi (que nos anos oitenta foi membro da banda Heavy-Metal,
“Cérbero”).
Em termos de sua discografia como
compositor e instrumentista, o primeiro trabalho que ele lançou em disco foi o
CD The Brain Sexy Diet, lançado em 1995. No entanto, este disco reflete bem a
atividade do Barbieri como músico, compositor, arranjador e produtor
fonográfico, assim que desembarcou em Londres em 1987, ou seja, a caracterizar
o impacto que a sonoridade em torno das possibilidades da música eletrônica lhe
proporcionou nessa época.
Nesses termos, o que se ouve nesse
álbum é um som Techno, versado pela tendência da estética chamada como
“Industrial” (denominada dessa forma por usar como recurso os sons obtidos por
máquinas, ferramentas e ruídos decorrentes do atrito de materiais como o ferro
e o aço no âmbito de uma fábrica tradicional), e assim, as colagens com ritmos
variados propõem a repetição hipnótica mediante sons ásperos a caracterizar
bastante experimentalismo e nesse contexto, Barbieri introduz participações
vocais a conter mensagens subliminares contundentes.
Todavia, há variantes nesse
álbum, como por exemplo na faixa: “Minimalistic Piano”, mais amena em sua sonoridade,
portanto, mais cerebral do que a buscar o caminho do transe provocado pelo
"looping" ao estilo de um moto perpétuo e além do mais, é bem
realçado o belo timbre do instrumento.
Destaque também para “The Cowboy Trip”, que mesmo a se
valer de toda uma sonoridade Techno, traz signos que evocam a atmosfera de
filmes ambientados no velho oeste norte-americano, portanto soou-me muito
criativa nesse aspecto.
Já no segundo trabalho, o CD “Flowers of Evil” de 2001,
Barbieri compôs um conjunto de canções a se valer de uma sonoridade baseada na
música eletrônica, porém a buscar uma roupagem mais próxima da musicalidade Pop
tradicional, no entanto, o grande diferencial desse disco, está na sua
concepção teatral, a revelar uma adaptação de diversos poemas do grande poeta francês
do século dezenove, Charles Baudelaire, declamados com bastante ênfase pelo
ator, Zadoque Lopes, com tradução do francês para o inglês por Willian A.
Sigler. Como é sabido, o livro de Baudelaire, “Les Fleurs du Mal”, de 1857, é emblemático
para a história da literatura francesa e europeia.
O ator e diretor de teatro e cinema, Zadoque Lopes
A emblemática obra de Charles Baudelaire, "Les Fleurs du Mal"
Nesses termos, o álbum tem um impacto artístico
tremendo ao evocar esses poemas, exatamente por exaltar esse poeta dito “maldito” que tanto
furor causou para quebrar paradigmas no século dezenove, embora o seu valor só
tenha sido realçado bem depois, como é corriqueiro aliás, na história da arte, na
qual geralmente os artistas geniais estão muito à frente da sua época.
O ator Bela Lugosi a interpretar o Conde Drácula no clássico filme de 1931
A atmosfera lúgubre da faixa “The Vampire” é
sensacional pela parte musical e também pelo sotaque forçado que Zadoque usou
para possivelmente imitar o ator Bela Lugosi a interpretar o conde Drácula, ou
seja, aquele inglês com forte sotaque do médio leste europeu e no caso,
considere-se que o personagem do Conde Drácula era romeno na ficção e o ator,
húngaro de fato e além do mais, Lugosi notadamente falava inglês muito mal, o que o tornara
estigmatizado como caricato em linhas gerais. Contudo, devo salientar que adoro
a sua interpretação do Conde Drácula no clássico de 1931, sob a direção de Tod
Browning e Karl Freund.
O contundente poeta francês, Charles Baudelaire
Na versão desse álbum disponibilizada no site do Barbieri, há uma
faixa bônus que contém uma elucidativa entrevista com o ator Zadoque Lopes, em
português, a falar sobre a concepção do álbum e claro, a discorrer sobre a obra
de Charles Baudelaire, ou seja, que ideia ótima para agregar informações.
Constantin Stanislavski, autor de um método de preparação de atores que revolucionou a dramaturgia no século XX
Nessa entrevista, Lopes indica que fez uma pesquisa completa sobre a
obra de Baudelaire e quando foi interpretar, notou que a direção de Barbieri
usou muito da técnica de interpretação proposta por Constantin Stanislavski para extrair o
máximo do ator e sob um personagem diferente a cada poema. E sim, nessa
entrevista, Lopes confirmou a minha impressão imediata quando eu ouvi a faixa:
“The Vampire”, pois realmente Barbieri quis homenagear o cinema de horror dos
anos trinta, ao lhe sugerir o exagero no sotaque.
Demorou um tempo, mas Barbieri lançou enfim o seu
terceiro trabalho em CD, a se denominar: Better Ashes Than Dust”, no ano de 2012. Mediante
uma incrível ilustração de capa (um demônio, possivelmente a personificação do
“Diabo” a manipular um baralho), o álbum mostra Barbieri ainda a usar a
música eletrônica como base, porém a mesclar com instrumentos tradicionais. A
sonoridade é bem mais melódica neste caso, mas a temática é forte, a tratar da
política global, manipulações, ilusões induzidas, o despertar libertador pelo
pensamento interno e livre da indução etc.
Há bons convidados que tocaram nesse disco (por
exemplo, o saudoso Oswaldo Gennari, o popular: “Cokinho”, primeiro baixista da Patrulha do
Espaço), e Barbieri também mostrou que evoluíra muito como instrumentista e
compositor.
Em 2014, Barbieri lançou: “Orion”, claramente
inspirado na sua antiga paixão de infância pela astronomia, viagens espaciais,
vida alienígena e afins, e neste caso ele foi fundo no tema a usar bastante da inspiração de
uma sonoridade mais próxima da música "New Age" e com influência do Space-Rock
setentista, certamente.
No encarte do disco, ele também esclarece que Orion deu origem à
palavra "Oriente" e isso lhe chamara a atenção ao identificar sonoridades
orientais quando tocava piano e observava tal nuance em certos intervalos existentes entre
as teclas pretas (sustenidos e bemóis), principalmente.
Ao citar o físico, Richard Feynman, foi exatamente na
faixa “Richard Feynman in Japan”, que buscou a sonoridade nipônica no belo som
de piano que executou, com ótimo apoio percussivo e no uso do sintetizador como apoio complementar.
E mais uma boa surpresa, a longa faixa, “From Tokyo to
Memphis and Back”, com Barbieri a se mostrar solo no piano acústico, foi quando
mostrou variantes criativas sob um belo timbre que obteve desse instrumento
O álbum seguinte, “On The Barber’s Chair” não foi
lançado no formato de mídia física, mas apenas virtualmente e assim pode ser
escutado livremente no site (toda a discografia de Barbieri tem livre aceso
para audição ali, inclusive).
Lançado em 2015 e a contar com uma capa espetacular
que me lembrou algumas ilustrações que compõem capas de discos do Frank Zappa
(uma ilustração bem desenhada de um homem a se barbear e no ato a se cortar com
a navalha), esse disco tem uma sonoridade mais próxima do Rock, ao mesclar
novamente o som eletrônico com instrumentos convencionais.
Na canção: “Dama da Noite”, Barbieri declama em
português, com bastante ênfase inclusive, para falar sobre o amor enquanto sofrimento
d’alma, com um tom forte na interpretação e a denotar um autêntico pesadelo,
por conseguinte. Lembra de certa forma, o texto dramatúrgico contido nas peças
de teatro de Plínio Marcos, o cinema marginal de Rogério Sganzerla e a música
atonal e urbana de Arrigo Barnabé, tudo isso misturado e muito intenso.
Com diversos temas tocados ao violão ou na guitarra, é
definitivamente um álbum mais próximo do Rock e bem interessante em sua
concepção. A versão de “Todo Mundo Precisa de Alguém para Amar” (“Everybody
Needs Somebody to Love”), um R’n’B deveras famoso, soa de uma forma muito
divertida para encerrar o álbum.
Nessa altura, Barbieri estreitou o tempo entre um
lançamento e outro e assim, já em 2016, lançou: “It’s Time do Think”. Híbrido
novamente, a usar recursos eletrônicos e instrumentação tradicional, este disco
contém mais peso, a flertar com o Hard Rock/Heavy-Metal.
A usar de mais uma capa significativa, se mostra mais
uma vez a simbologia da violência institucional em posição diametral à paz,
portanto, a imagem da metralhadora com uma flor no seu cano de disparo, pode
não ser algo inédito em termos de metáfora visual, mas na prática, diz muita coisa. Neste álbum, as partes
de guitarra são do músico convidado, Carlos Lichman, porém Barbieri também tocou tal instrumento,
além do baixo, programou bateria, teclados e cantou.
Na canção: “Tripping With The Native Americans
Indians”, a atmosfera ficou muito interessante ao misturar sonoridades típicas
desses povos ancestrais da América do Norte com a música eletrônica.
Antonio Celso Barbieri
Já em “Quero Ver Todo Mundo na Cadeia” o recado é
contundente ao máximo e acrescento que se na interpretação dos incautos, ele deva ter soado parcial em 2016,
muito pelo contrário, foi profético e certeiro se visto pelo prisma de 2022.
Um outro bom exemplo, há muita brasilidade na
musicalidade da canção: “The Protest”, com certeza.
Dali em diante, os demais álbuns que ele lançou não
saíram ainda (2022) em versão física de CD.
“The String Theory” foi lançado em 2016 e o mostrou cada
vez mais perto do Rock, a tocar guitarra e baixo, na busca por riffs presentes
na fonte primordial do Blues e consequentemente a abrir caminho para outras
tantas vertentes derivadas.
No entanto, o piano também se faz presente e mais do
que isso, foi usado nesse disco de uma forma cada vez mais desenvolta.
Na ilustração da capa, vemos o artista e sua guitarra
no topo de uma montanha a observar o céu que se mostra com um certo quê de
impressionismo na sua composição visual, dada a formatação das nuvens a
insinuar as pinceladas em uma tela a buscar o sentimento do seu autor.
O CD “Parallel Universes”, lançado em 2018, é uma
coletânea ao estilo “The Best of”, a demonstrar que o lado de produtor de
Barbieri ficou muito atento ao mercado e daí ele tomou essa resolução a
pensar objetivamente como um produtor e não como artista, apenas.
E sobre a capa, a motivação foi parecida com o álbum
anterior ao mostrar o artista a observar o horizonte, mas desta feita, na
perspectiva de uma espécie de píer com ambientação noturna e belo
uso de cores para retratar o céu e o mar.
“Dark Matter” de 2019 mostra Barbieri firme na sua
aproximação mais umbilical com o Rock, a fazer mais uso da guitarra e do baixo,
novamente. Há flerte com o Pop oitentista em alguns momentos, também. E a
homenagem ao saudoso tecladista do Deep Purple, Jon Lord, em “Requiem to Jon
Lord” a fazer uso do órgão como um recurso bem nítido, se mostrou uma surpresa
agradável.
Sobre a ilustração da capa, Barbieri
está retratado mediante a sua silhueta a segurar a guitarra, ante uma imagem
que sugere a ampliação de um coração humano em tom avermelhado. O subtítulo do
álbum, é a chave para desvendar o seu significado: "The Inner Child is the
Adult Asking for Permission to Play" ("a criança interior é o coração
adulto pedindo permissão para brincar").
“Love is the Law” de 2020, mostra a fase introspectiva
do artista, recolhido em seu Lar para cumprir a quarentena decorrente da
pandemia gerada pela proliferação da Covid-19. Nestes termos, Barbieri recorreu
ao som que acalma em alguns momentos a fazer uso de sonoridades “New Age” bem
relaxantes aos teclados, para trazer à tona o som delicado do bambu de uma
marimba, por exemplo. Os sons delicados da natureza o interessaram nessa fase,
sem dúvida.
Em outros temas, ele cita alguns artistas icônicos do
surrealismo, como uma inspiração interessante ao extremo. O violino também o
inspirou para buscar a delicadeza das cordas em tempo propício para se reconectar com sons
que vem de outras esferas.
A capa mostra um coração humano com a sua válvula
mitral e adjacências de uma forma estilizada a sugerir uma outra identidade,
talvez robótica na sua essência.
“Strange Angels” foi lançado igualmente em 2020 e
também mostra o artista absorto em reflexões interiores, por uma questão de
sobrevivência ante a quarentena e o perigo da contaminação advindo das ruas,
porém a descobrir um mundo de possibilidades em seu mergulho interior.
Na capa de “Strange Angel”, Barbieri aparece sentado a
observar uma formação no céu que tem a configuração de um anjo, como geralmente
o concebemos, culturalmente a dizer.
Mais próximo do piano neste trabalho, ele foi fundo na
sua introspecção e criou temas, inclusive com uma certa intenção jazzística, não
observada em trabalhos anteriores.
Barbieri ao piano
Em “Barbieri Pagan Symphony”, ele caprichou na
composição ao lhe dar o ar erudito com intenção sinfônica. Tal tema tem um
forte apelo para compor um audiovisual, inclusive, pois há uma identidade
ideal para se transformar em peça para trilha sonora de algum filme, seriado ou
algo do gênero.
O mais recente lançamento de Barbieri disponibilizado para a audição em seu site é de 2021 e se
chama: “Music From the Heart”. É também bastante emotivo na sua concepção
artística, a denotar aspectos internos da percepção do artista.
E mais uma vez ele se aproxima da sonoridade que
remete à música erudita, ao Folk europeu ancestral, e por conseguinte, se
mostra silvestre e meditativo nessa investida. A buscar a paz, certamente, após
o tormento da pandemia e vencer o medo e o horror que se observa em todos os
cantos e tudo mais que envolver essa experiência forte que a humanidade ainda
não superou com segurança total em 2022.
“Introspective Mind” é uma faixa que simboliza toda
essa questão, não há dúvida, com a condução do piano, e uso de violino, cello,
marimba, tímpano e demais instrumentos de apoio.
E mais uma vez a encerrar com um longo tema executado
ao piano, chamado: “Walkink on Piano Keys Made of Thin Ice”, Barbieri mostrou
que essa fase da pandemia o levou a buscar a sensibilidade à flor da pele.
Sobre a capa desse álbum, a figura do astronauta em
pleno ar a ler uma partitura musical, sinaliza o que buscamos em outros mundos,
mas naturalmente que o macrocosmo do universo também está representado no
microcosmo do nosso próprio interior como Seres Humanos e ao ir além, a música
muito provavelmente é a linguagem para acessar tal revelação.
Um novo álbum já está a caminho e se chama: "The Tyranny of Time". Esse eu não pude escutar ainda, mas a julgar pela sua capa muito criativa e pelo título que praticamente estabelece um questionamento filosófico sobre a dinâmica da existência humana, certamente denota que o artista mantém a contundência costumeira de sua abordagem para expressar a sua visão do mundo e da vida.
O martírio da pandemia que nos tirou das ruas e do
convívio social, talvez tenha sido um convite para buscarmos o caminho dessa
reflexão interior, contudo, foram poucos os humanos que perceberam a
oportunidade de ouro que a situação aparentemente maléfica nos ofertou.
Neste caso, a julgar pelos seus últimos trabalhos,
Barbieri foi uma exceção e aproveitou bem para repensar e usar das suas
conclusões para criar arte em meio ao caos.
Bem, esta matéria ficou longa, eu sei, porém foi
intencional para situar o leitor sobre as múltiplas ações que Antonio Celso
Barbieri já realizou e realiza com bastante intensidade.
O lado dele como produtor musical, eu já conhecia
muito bem e sou-lhe grato por todas as boas ações que ele concretizou em favor
de quatro bandas pelas quais eu fui componente. Com A Chave do Sol foram muitos
shows produzidos e também ações de divulgação muito bem executadas. Com a
Patrulha do Espaço, Pedra e Kim Kehl & Os Kurandeiros, muitos vídeoclipes
por ele assinados e que ajudaram demais a promoção dessas bandas.
E com uma
quinta banda que eu tive, no caso, o Pitbulls on Crack, não houve uma ação
concretizada de fato, mas ele tentou, sim, ajudar essa banda nos anos noventa e
não foi sua culpa que não tenhamos logrado êxito no contato que ele fez em
nosso favor, na Inglaterra.
Antonio Celso Barbieri
Nesta matéria eu falei sobre diversas nuances da
produção por ele empreendidas e enfatizei mais o lado de artista do Barbieri,
como escritor, músico, compositor, arranjador, letrista, produtor fonográfico e
ilustrador & arte-finalista das capas de sua própria obra, por conta de ser
talvez menos salientado por muitas pessoas do meio aqui no Brasil que mais se
lembram dele por sua atividade como produtor musical, web designer e ativista
cultural.
E existe mais um aspecto que talvez poucos saibam, mas
muita gente tende a se lembrar dele aqui no Brasil pela sua forte atuação nos
anos oitenta, mas a história dele com a música em geral e o Rock em específico,
remonta ao final dos anos sessenta e no caso, foi durante a década de setenta que
ele foi dono de loja de discos no famoso Bairro do Limão, na zona norte de São
Paulo e já dera os seus primeiros passos como produtor de shows de Rock.
Neste caso, eu recomendo muito que os meus leitores
acessem o site dele e leiam os seus relatos sobre os anos setenta que são
incríveis, incluso a sua participação no histórico show realizado no teatro da
Tenda do Calvário, aquele bem famoso no bairro de Pinheiros, na zona oeste de
São Paulo, quando em 1972, por ocasião de uma apresentação dos Mutantes ali agendada, a
polícia prendeu todo mundo e tal fato gerou um escândalo na mídia mainstream da
época a publicar em letras garrafais pelos principais jornais que: “Hippies
drogados foram presos com LSD” etc. e tal. Tal relato da parte dele a contar
esse episódio no qual ele esteve presente in loco, é imperdível.
Visite, portanto, o seu vasto site:
https://www.celsobarbieri.co.uk/
Obrigado, Barbieri! Pela amizade, pelos relevantes
serviços prestados às minhas bandas já citadas e para toda a cena do Rock
paulista e brasileiro! E parabéns ao artista Barbieri pela obra!