Muitas pessoas tem o espírito de colecionador e se dedicam a cultivar tal hábito em diferentes graus. São arquivistas apaixonados pela preservação da memória cultural em múltiplos aspectos a grosso modo, no entanto, nem todas as pessoas levam em conta tal característica e há os que pensam bem diferente a considerar que os colecionadores são meros acumuladores de lixo, portanto a denotar algum tipo de psicopatia.
Ludwig Von Krüttner, foi um rapaz que nascera em Stuttgart, capital do estado de Baden-Württemberg, no belo sudoeste da Alemanha. Apaixonado por cinema, ele se tornara um verdadeiro “rato” de vídeo-locadoras da sua cidade, quando esse tipo de serviço se tornou um modismo muito grande no final da década de setenta e sobretudo nos anos oitenta.
Logo o espírito de colecionador tomou o ímpeto de Ludwig de assalto e assim, mais do que alugar filmes para assistir no final de semana, ele vislumbrou montar um acervo pessoal e permanente sob o seu critério e assim, passou a gravar os filmes que lhe interessavam em canais de TV a cabo especializados em filmes clássicos, raros e com alto teor artístico.
E assim ele se empolgou e mesmo sem ter conhecimentos de biblioteconomia, tratou de criar um catálogo o mais inteligível possível, para poder organizar a sua coleção da melhor maneira.
E o lado discutível da sua compulsão o levou sim a gastar horas e horas para se dedicar à sua coleção e fatalmente o tornou alvo de críticas. Alguns parentes teceram brincadeiras inoportunas a aludir à sua suposta “mania”, porém a se mostrarem como piadas suportáveis na sua avaliação e ele seguiu em frente.
Passado um tempo, eis que o seu “hobby” pessoal ganhou uma conotação diferente, quando um grupo de estudantes o procurou para lhe pedir algumas cópias de filmes que seriam objeto de seu estudo. Eles precisavam ver e analisar alguns filmes do diretor, F.W. Murnau, um grande expoente da escola expressionista do cinema alemão nos anos vinte do século passado.
E logo vieram mais solicitações. Ciclos de cinema em sala de aula foram montados na escola, sempre sob o suporte da coleção de Ludwig que não cobrava nem um centavo por isso, mesmo aconselhado a cobrar, nem que fosse por um valor simbólico.
Mas ele alegava que a coleção era particular, portanto seria ilegal cobrar pelo uso das fitas e além do mais, se sentia verdadeiramente pago a cada vez que os educadores ou os próprios estudantes recorriam a ele para fazer uso da sua coleção para efeito de pesquisa escolar.
Independente desse fato, as brincadeiras familiares a criticar veladamente o esforço de armazenamento de tantos filmes, prosseguiram e ele notou que tal característica de sua parte estava a motivar mais do que críticas pela prática em si, mas uma implicância deveras desagradável a extrapolar os limites, quando ele tomara conhecimento que certos familiares questionavam a prática de cuidar da coleção, ao atribuir um suposto artifício de sua parte para se abster do trabalho formal.
Ludwig não bateu de frente com tal maledicência familiar, pois tais informações sobre o teor dos comentários advindos de certos parentes, lhe chegara por via indireta e assim, ele não quis alimentar uma espécie de “fofoca” sem ter certeza da fidedignidade da informação. E sobretudo, não lhe interessava entrar em uma guerra familiar por conta de pessoas que o criticavam gratuitamente.
Um dia, um casal de tios idosos anunciou a intenção de visitar a sua casa. Pessoas queridas, foram recebidas com grande entusiasmo por seu sobrinho e a conversa fluiu de uma forma magnífica. E inevitável, a conversa versou sobre cinema e claro, a destacar a vasta coleção de Ludwig.
O seu tio, senhor Oswald, era um entusiasta do cinema e ficou muito impressionado pela coleção, principalmente quando ao examinar de perto, identificara vários filmes e diretores que admirava.
Passados mais alguns meses, eis que esse casal de tios anunciou uma nova visita. Foi uma repetição idêntica da visita anterior pelo aspecto positivo do encontro e de fato, Ludwig gostava muito deles, mesmo ao ter em mente que a tia Gertrudes, ao contrário do tio Oswald, cultivava o mau hábito de falar mal das pessoas e mais do que isso, costumava estabelecer provocações para gerar desconforto em reuniões familiares à guisa de sempre se posicionar como uma pessoa extremamente sincera e que falava o que pensava, sem amarras sociais.
Ora, em princípio, ser sincero e não cultivar a hipocrisia e falsidade por consequência, deveria ser considerado uma qualidade, mas no caso dela, era uma mera desculpa para desfilar o seu veneno ácido, sempre a diminuir as pessoas, portanto, não se tratava de franqueza, mas sim de uma forma de promover ataques frontais e geralmente completamente injustos, inoportunos e desagradáveis em via de regra.
Apesar disso, Ludwig ainda assim gostava da tia e tinha paciência com as suas alfinetadas inevitáveis contra todos, incluso ele mesmo ao criticar e ironizar o tempo todo.
Contudo, por ocasião dessa segunda visita, ela passou dos limites. Ocorreu quando mais uma vez a conversa se centralizou sobre a coleção dele, que estava ainda maior e enquanto o tio falava entusiasmado sobre diversos filmes do estilo Western, obras do diretor norte-americano John Ford, que ele identificara em uma parte da estante, que Ludwig ouviu a sua tia resmungar com os dentes semi-cerrados: -“que perda de tempo...é muita falta do que fazer”.
Ele que sempre absorvia respeitosamente as grosserias gratuitas da tia, sem nunca haver retrucado, desta feita não suportou o comentário corrosivo e a sorrir, olhou diretamente para a sua tia e lhe disse: -“minha querida tia, de fato eu gasto tempo e esforço para manter essa coleção organizada e dessa forma, não tenho tempo para reparar e criticar a vida alheia”.
Sinceridade máxima, não é mesmo?
Nenhum comentário:
Postar um comentário