Quando a consciência ainda não está formada, é praticamente impossível para o pequenino bebê distinguir a diferença das imagens geradas pela experiência onírica de um sonho, da realidade do seu próprio cotidiano que é igualmente difuso por uma questão natural e intrínseca.
Mas quem pode afirmar que não exista uma possibilidade, remota que seja, de haver um lampejo de percepção? Nesse aspecto, é certeza que a ciência trabalhe para buscar tal resposta, porém, enquanto não chega a uma conclusão definitiva, ficamos com o campo aberto para especular e supor que sim, pode ser possível.
Então, eis que a imagem surge na mente do pequeno. Para ele, não é diferente do que já está a se habituar a ver, com aquele humano caloroso que sempre lhe atende tão bem e do qual ele não entende a questão do parentesco, logicamente, mas por uma questão de meses, vai chegar nessa conclusão óbvia de que se trata da sua mãe.
Dessa forma, ao ver a imagem daquela pessoa, o instinto o faz se sentir seguro, pela associação mais primitiva de sobrevivência que o Ser humano pode experimentar ainda em um estágio no qual ele vive uma fase de plena confusão mental.
E sempre que aquele rosto enorme se aproxima a sorrir e a pronunciar sons que soam confortáveis para ele, a sensação é muito agradável a estimular os cinco sentidos de uma maneira completa. Ele gosta do contato físico, do calor que o corpo gigante proporciona, das cores, formas e odor daquele rosto enorme.
E claro, sempre associa tal presença com coisas boas que advém da sua aproximação. Sempre que chega perto, a fome e a sede são sanadas, a dor decorrente das cólicas pode demorar um pouco, mas passa, o incômodo gerado pelos odores fétidos que o seu próprio corpo produz, são eliminados e odores bons surgem. E tudo isso é relacionado ao gigante humano que sorri, pronuncia palavras incompreensíveis e emite ruídos entoados, a cantar e o bebê não entende, mas intui ser agradável.
Mas eis que um dia o bebê vê o Ser gigante de costas e quando se vira para ele, o seu rosto não existe. É muito confusa essa visão de um rosto que não possui feições, não tem olhos, nariz, boca, sobrancelhas, e a face é completamente uniforme, imutável, ou seja, logo aquela formação com a qual ele se acostumara desde os seus primeiros dias e com a qual se identificava tanto a lhe dar a sensação de prazer e segurança.
Logo a seguir, tudo volta ao normal. A mãe se aproxima, fala com ele, brinca, canta e o pega no colo. Limpa a sua sujeira, coloca roupas cheirosas e dá o alimento tão saboroso em sua boca. O pequeno nem se lembra que a vira sem rosto e isso se torna algo facilmente esquecível por ele que ainda nem distingue a noite do dia e por conseguinte, não percebe que as horas de sono passam e quando acorda a vida prossegue e vice-versa.
No entanto, mesmo não tendo esse conhecimento ainda, eis que alguns dias depois ele passa pela mesma situação. Aquela humana dedicada está perto dele, mas quando mostra a sua face, ela simplesmente não possui as feições faciais.
Seria um filme de ficção científica a mostrar uma
espécie de humanoide de outro planeta que tem tal característica anatômica? Um
filme de terror a denotar uma figura fantasmagórica? Nada disso, ele percebe
ser a sua mãe, mas de uma forma inexplicável, ela parece assustadora e ele chora.
Ele então é acordado justamente por sua mãe que o conforta e desta feita, a normalidade se faz presente, com a feição normal da sua progenitora, intacta.
Alguns dias depois, e a mesma imagem perturbadora aparece e na verdade, essa sensação desagradável o acompanhará por algum tempo, até que no futuro ele saberá se tratar de um sonho.
Sim, foi algo que se tornou recorrente e só parou de acontecer quando ele já estava maior, com a fala e o raciocínio já formados, porém, dentro da mais completa imaturidade infantil ainda, ou seja, o que o impediria de entender o motivo de ter tido tais sonhos desde a tenra infância.
Seria um disparo mental de pavor por um motivo desconhecido e a revelar não ter a mãe por perto em algum momento? Ele sabia se tratar dela, mesmo quando nem conseguia compreender, mas sentia isso claramente.
Como um bebê sem a mínima condição de estabelecer tal conexão poderia chegar à tal conclusão? Impossível a grosso modo, mas então, por que o bebê teria um sonho recorrente nesses termos?
Bem, tais respostas um dia teremos, confiemos em
nossos pesquisadores. Por enquanto, fiquemos com essa reflexão sobre algo que
todos passamos e que parece algo misterioso: nessa primeiríssima fase da vida,
a realidade e o campo onírico são praticamente iguais ao pequeno Ser.
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