quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Autobiografia na Música - Trabalhos Avulsos (Edy Star & Os Kurandeiros - Show Tropicália 50 Anos) - Capítulo 86 - Por Luiz Domingues

 

Conforme eu contei anteriormente, quando fiz parte da banda de apoio do cantor, Edy Star, por ocasião de seu show na "Festa Odara", versão de 14 de novembro de 2014, fora um prazer tocar e muitas observações positivas foram objeto de minha avaliação, nesse trabalho. 

Em 2015, eu recebi o telefonema da cantora, Renata "Tata" Martinelli e desta feita, ela é que estava a organizar os preparativos para uma série de shows que Edy Star realizaria em um circuito de teatros da prefeitura de São Paulo, a estabelecer uma espécie de mini turnê, mas eu estava em plena fase de convalescença de minhas duas primeiras cirurgias (fiz mais uma a posteriori), e não pude aceitar o convite, ao perder a oportunidade. 

E no meio do caminho ainda ocorrera a "Virada Cultural" de São Paulo, onde eu também perdera a chance de realizar um show perante uma grande multidão, com direito a um cachê robusto, inclusive...

Entretanto, ao final de 2016, o Kim Kehl mais uma vez abordou-me (e ao Carlinhos Machado, também), e convidou-me novamente a fazer parte da banda de apoio de Edy Star, e desta feita seria em moldes diferentes da apresentação da qual eu participara em 2014. 

Primeiro, que não seria anunciada a nossa participação como "Easy Rider Band", mas apresentar-nos-íamos com a nossa identidade habitual, ou seja, "Os Kurandeiros". Segundo aspecto, a festa desta vez seria temática e o mote escolhido fora a efeméride dos "cinquenta anos do movimento tropicalista na MPB", a demarcar o espaço de tempo entre 1967 e 2017. 

Dessa forma, o repertório sugerido pelo Edy, versava muito em canções de Caetano Veloso e Gilberto Gil, como base do espetáculo, mas haveria as canções tradicionais que compõe o repertório base do Edy, em suas apresentações regulares, ou seja, bastante Rocks da Era pré-Jovem Guarda e algumas canções mais modernas, além é claro de muito material clássico do Raul Seixas, pela ligação artística e histórica que ambos tiveram nos anos setenta etc. e tal.

O palco montado para o soundcheck no Cine Joia. À esquerda, eu, Luiz Domingues a fazer os meus últimos ajustes no baixo e amplificador. 13 de janeiro de 2017. Click, acervo e cortesia: Carlinhos Machado

E um terceiro ponto, talvez temerário em tese, que revelava-se na extrema simplicidade da formação, por resumir-se ao Power-Trio dos Kurandeiros e a inclusão de apenas um músico a mais para reforçar o time, na figura do percussionista, Michel Machado. 

Tocar em formato "Power-Trio" é algo que eu fiz muito na vida, em boa parte da carreira d'A Chave do Sol e voltei a praticar nessa fase com Os Kurandeiros, desde 2011, e claro que não preocupava-me em nada, no entanto, para acompanhar um outro artista e com o repertório proposto, a presença de um segundo guitarrista a apoiar na harmonia e melhor ainda, se fosse um tecladista, seria ótimo pelas circunstâncias, mas isso não foi possível e assim, tivemos que preparar muitas músicas sob um curto espaço de tempo e com essa formação bem básica. 

Pior que isso, algumas canções escolhidas para a apresentação, ostentavam características experimentais acentuadas, caso de canções como: "Alegria, Alegria" e "Tropicália", a conter todos aqueles detalhes com orquestrações e elementos psicodélicos "nonsense", portanto, tocá-las assim, em formato Power-Trio, e só com o acréscimo de um percussionista, seria temerário sob uma primeira avaliação.

O set de guitarra de Kim Kehl, pronto para a ação, no Cine Joia. Click, acervo e cortesia: Kim Kehl 

Certo, preparamos tudo e fomos para o primeiro ensaio, embora dias antes disso, o Edy Star fora convidado pelo Kim Kehl e fez uma breve aparição em um show dos Kurandeiros, onde ele cantou algumas canções que tocaríamos na Festa Odara. 

Nessa participação, nós estávamos prontos para tocar tais músicas baseadas nos arranjos e tonalidades dos seus respectivos álbuns, onde estão registradas, mas o Edy surpreendeu-nos com pedidos de mudanças súbitas no andamento e tonalidades. Bem, maneirismo típico de cantor, quem está acostumado a tocar em banda base de cantores, sabe o quanto isso é normal, apesar de ser obviamente um transtorno e tanto para qualquer instrumentista, tal como um piloto a estabelecer modificações na rota, com o avião em pleno voo...

Já no ensaio, a mostrar-se contrariado com certas tonalidades e andamentos, ele fez várias pedidos para que estabelecêssemos outras modificações e ali, tratara-se da véspera do show, portanto, lá fui eu fazer transporte de harmonia para várias canções e na dúvida, fiquei com duas versões de cada música preparadas, exatamente por prever que na hora do show, não seria nada surpreendente que ele desistisse da modificação e pedisse para tocarmos no tom original do disco. 

Mais habituado a lidar com tal tipo de situação, o Kim aproveitou e contou-me que quando acompanhou uma dessas duplas sertanejas mainstream, era comum os sujeitos pedirem modificações harmônicas aos músicos, com o show em andamento, ao provocar desconforto generalizado para a banda inteira, naturalmente. Tudo bem, saímos todos ilesos do ensaio, e assim, seria contar com o velho espírito Kurandeiro do improviso, em eventuais momentos de pane, e modéstia a parte, a nossa banda de tanto tocar na base do improviso, ficara bastante calejada nesse sentido.

Nesse click da fotógrafa, Carol Mendonça, a partir do mezanino do Cine Joia (nós e Edy, bem lá no fundo), dá para ter-se a dimensão do ambiente triangular da sala, com o palco a perfazer o seu ângulo. 13 de janeiro de 2017

O local do show seria outro, também, desta vez em relação ao show em que eu participara em 2014. Ainda mais interessante ao meu ver, o Cine Joia, uma ex-sala de cinema, ainda mantinha a sua arquitetura cinquentista, muito glamorosa. Cinéfilo que sou desde a tenra infância, não contive o meu ímpeto, assim que cheguei ao estabelecimento e fiz uma turnê solitária pelas suas dependências. 

Cinema histórico na cidade de São Paulo, para quem não conhece sua trajetória, digo resumidamente que tal sala fora construída com o intuito de exibir filmes japoneses e sem legenda, exatamente para atender a colônia nipônica radicada na cidade e registre-se, São Paulo é a maior cidade "japonesa fora do Japão", no mundo, dada a imigração que foi massiva por aqui e que naturalmente gerou milhões de descendentes. Por anos a fio, o Cine Joia cumpriu a sua função com muita dignidade, sendo um polo cultural para a colônia, ao apoiar principalmente os imigrantes mais idosos, que tinham imensa dificuldade para aprender o nosso idioma e assim, ir ao Cine Joia e assistir um bom filme japonês e poder ouvir a sua língua, evitava que entrassem na depressão inevitável pela não adaptação ao Brasil. 

E claro, o Cine Joia fica encravado no centro do bairro da Liberdade, onde a tradição dos orientais construiu-se na cidade e por décadas foi considerado o bairro japonês da cidade. Ainda há nos dias atuais a presença de um comércio fortíssimo dos japoneses ali, mas nos dias atuais, os chineses e coreanos também estão ali a trabalhar nos serviços, em profusão. 

Bem, apesar disso tudo, por ser uma ex-sala de cinema e não ter sido muito drasticamente modificada para vir a ser uma casa de shows na atualidade, o palco em formato de uma concha, pareceu-me mal aproveitado, com uma profundidade que não servia para nada e a parte útil de fato, prejudicada pela dimensão exígua. Bem, a vantagem foi que tocamos em quarteto, com um mapa bem simples. Bateria e percussão na linha de trás e guitarra e baixo na segunda linha, para deixar a frente para o Edy, a estrela da noite, naturalmente.

No acesso ao camarim, a banda reunida com Edy Star, momentos antes do show. Da esquerda para a direita: Luiz Domingues, Kim Kehl, Edy Star, Michel Machado e Carlinhos Machado. Cine Joia, 13 de janeiro de 2017. Foto: Carol Mendonça

Gostei do caminho interno para os camarins, com certo sentido labiríntico e a existência de muitos cartazes antigos de filmes japoneses que certamente ali foram exibidos. Isso foi incrível mesmo, gostei muito de ver essa memorabilia ali exposta, ainda que não exatamente bem cuidada, uma pena. Nos momentos antes do show, Edy divertiu-nos no camarim, ao contar-nos histórias sobre suas andanças por Portugal, no início dos anos setenta, quando atuara como ator, em montagens teatrais.

Os Kurandeiros (Carlinhos Machado, Kim Kehl & Luiz Domingues), no camarim do Cine Joia, em 13 de janeiro de 2017, desta feita a serviço de Edy Star. Foto: Lara Pap

Sobre a organização, tudo foi muito bem azeitado, essa rapaziada organizava essa festa há anos, portanto tudo correu muito bem, não tive nada a reclamar e pelo contrário, só tenho elogios. Incluso na contratação de um equipamento de som e iluminação com qualidade, ou seja, foi um alívio para todos.
Outra foto do momento do soundcheck, no período da tarde. Da esquerda para a direita: Kim Kehl, com Carlinhos Machado ao fundo na bateria, Edy Star, Michel Machado na percussão, atrás e Luiz Domingues. Foto: Lara Pap. 

Edy Star é um artista performático e por conter a formação como ator, não contentava-se em cantar e fazer mise-en-scène tradicional, mas sempre buscava um algo a mais. Durante o soundcheck, ao olhar o palco com uma considerável altura em relação ao patamar básico do público (havia também um mezanino muito bonito), ele inventou de iniciar o show a vir a cantar por trás do público e subir ao palco por uma escada de acesso frontal. Até aí, tudo bem, boa a ideia pelo aspecto impactante que daria na hora do espetáculo, todavia a escada era íngreme, sem apoio de segurança e pior, sob a plena escuridão estabelecida sobre o público e iluminação ofuscante na contraluz, portanto, o risco dele desequilibrar-se e cair seria enorme e colocava-se aí nessa receita a sua idade cronológica, com quase oitenta anos de idade naquela ocasião, portanto isso gerou uma preocupação generalizada. 

Luiz Domingues na primeira foto, Kim Kehl na segunda e Michel Machado & Luiz Domingues na terceira. Edy Star + Os Kurandeiros na "Festa Odara", no Cine Joia de São Paulo. 13 de janeiro de 2017. Clicks de Carol Mendonça

Mas ele insistiu e de fato, na hora do show a banda entrou a tocar a música: "Os Mais Doces Bárbaros", que aliás é uma canção que eu adoro do repertório desse trabalho do super grupo formado por Gil, Gal, Bethânia e Caetano, quando atuaram como uma banda nos anos setenta. Foi inevitável buscar a minha lembrança sobre por quantas vezes eu fui ao Cine Belas Artes assistir o documentário dessa turnê dos "Doces Bárbaros", e adorava ver a abertura do show com essa mesma canção e com o Arnaldo Brandão a destruir tudo no seu baixo Fender... claro que toquei com muito prazer ao pensar nessa minha reminiscência setentista e óbvio que tocaria a canção na mesma intenção do Arnaldo, com aquele swing todo orientado pelo R'n'B/Soul Music. 

E o Edy fez o que prometeu... veio a cantar da plateia, com um canhão de luz ao estilo, "super trouper", a acompanhá-lo e todo "Glam", subiu apoiado por seguranças e não perdeu o pique...

Edy Star, todo "Glam" ao microfone, com Luiz Domingues no primeiro plano e atrás, encobertos, o percussionista, Michel Machado e o baterista, Carlinhos Machado. 13 de janeiro de 2017, no Cine Joia de São Paulo. Click de Carol Mendonça

Fora disso, o repertório recheado por músicas da tropicália e MPB, acertou na mosca, eu diria, pois o público saiu a cantar e dançar o tempo todo. O percussionista, Michel Machado, era (é) um excelente músico e tratou de fornecer o "champignon" ao show, como dizia o saudoso, Wilson Simonal. 

Uma panorâmica do palco. Da esquerda para a direita: Kim Kehl, Edy Star e Luiz Domingues na linha de frente. Atrás, Carlinhos Machado e Michel Machado. Festa Odara no Cine Joia de São Paulo. 13 de janeiro de 2017. Click de Carol Mendonça

Um dado engraçado sobre esse show, ocorreu que em um determinado momento, eu olhei para baixo e vi algumas pessoas a chamar-me a minha atenção, mediante gesticulação. Quando fitei-as, vi que uma menina mostrou-me uma tela de um "tablet" com os seguintes dizeres grafados: "Fora Temer"... e além do mais, ela e a sua turminha faziam sinais para eu ir ao microfone e insuflar a massa com tal "mantra". 

Ora, eu não poderia tomar tal iniciativa de forma alguma, visto eu ser ali um acompanhante. O dono do show era o Edy, e eu jamais poderia afrontá-lo ao tomar uma atitude impertinente dessas. Segundo ponto, mesmo não sendo nada simpático ao governo desse senhor citado e ao seu partido, eu não faria isso nem que fosse um show regular dos Kurandeiros, minha banda, e onde teria liberdade para tomar uma atitude dessas se fosse o caso, pois mesmo assim, isso só seria cabível se a banda toda estivesse de acordo com a tomada de posição política e além de amplamente debatido no nosso ambiente interno, houvesse 100 % de concordância com tal tomada de posição em público, ao expor a banda dessa forma. 

Ao pensar nisso tudo sob uma fração de segundos e sem deixar de tocar, simultaneamente, eis que eu sinalizei para a garota que não poderia fazer isso, mas não fui hostilizado por ela e seus amigos. Pelo contrário, ela sinalizou-me com o dedão, ao fazer o clássico sinal de "positivo", a denotar entender a minha posição ali em cima do palco. 

Mas não adiantou nada eu não ter evitado essa manifestação, pois na primeira pausa possível entre uma canção e outra, alguém do público emitiu a palavra de ordem e a massa aderiu com contundência. Mas nós ignoramos a manifestação e encobrimos o coro com tal teor político, ao começar imediatamente o próximo número e ninguém ali sentiu-se ofendido. Passaram a cantar e dançar, com o "comício" político a encerrar-se de forma natural...

Bela perspectiva com o público de frente e toda a banda a ser agraciada com o púrpura profundo proposto pelo iluminador so espetáculo... Festa Odara, no Cine Joia de São Paulo. 13 de janeiro de 2017. Click de Carol Mendonça

Finalizamos o show com o público bastante satisfeito, a aplaudir bastante o Edy e por conseguinte a banda. Acho que demos o recado e cumprimos a missão com bastante sucesso. No camarim, no momento do pós-show, o cansaço foi grande. A madrugada quente de verão estava avançada e pela vidraça ali disponível, víamos a Avenida 23 de Maio, semi deserta, uma cena rara por tratar-se dessa via de São Paulo, tradicionalmente sempre cheia, mesmo durante a madrugada. 

Na saída, recebemos muitos cumprimentos. Essa sinalização do público de que havia gostado, foi muito positiva e surpreendeu de certa forma quando alguns mais antenados, fizeram considerações mais embasadas da nossa performance e a demonstrar ter cultura Rocker, pelas colocações feitas. Prazeroso, portanto, por essa não esperávamos e claro que foi um incentivo a mais.

Edy Star sob as bênçãos de Caetano Veloso nas imagens projetadas ao fundo do palco. Carlinhos Machado ao fundo, na bateria e Luiz Domingues no primeiro plano. Festa Odara no Cine Joia de São Paulo. 13 de janeiro de 2017. Click de Carol Mendonça

Missão cumprida, foi o meu segundo show com Edy Star e mais uma vez foi prazeroso por muitos aspectos já citados ao longo deste capítulo. Aconteceu em 13 de janeiro de 2017, no Cine Joia, localizado no bairro da Liberdade, zona centro-sul de São Paulo, com cerca de quinhentas pessoas presentes. 

E assim foi este trabalho avulso (embora híbrido, posso afirmar, visto que a estrela fora o Edy, mas Os Kurandeiros levaram crédito, igualmente). 

Capítulo sempre aberto para novas investidas, Já tenho uma nova história, procure pelo capítulo 87, por favor, amigo leitor!

Um resumo da "Festa Odara" em 13 de janeiro de 2017, no Cine Joia do bairro da Liberdade, em São Paulo. Edy Star com Os Kurandeiros

Eis o Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=UR__OGJ8rBo
 

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