Uma nova
loja abrira em um bairro próspero da cidade. E vivia-se um tempo em que aquele conceito
arraigado no âmago da alma brasileira, ganhara um reforço advindo das camadas
supostamente mais progressivas da sociedade, fomentado pela juventude
universitária e formadora de opinião.
Tratara-se da dita “malandragem” de rua,
o velho conceito de que o brasileiro “gosta de levar vantagem em tudo”, mesmo
que isso fosse medido pelo custo para prejudicar pessoas e instituições.
Lastimavelmente,
tal conceito que deveria ser execrado, pelo contrário, ganhou conotação vanguardista (ou coisa que o valha), e
nessa predisposição, a loja queria explorar tais conceitos, ao atrair a
juventude que mostrava-se inebriada por tal preceito.
Na música, os artistas considerados mais avançados, usavam e abusavam desse mote, a nova poesia urbana, idem e assim, em diversos setores, tal conceito ganhara ainda mais força. Dessa forma, todos que frequentavam a loja, pautavam-se pela ideia de que mais valia aparentar ser moderno a todo custo do que dedicar-se a um questionamento sobre tais descalabros, como um todo.
Na música, os artistas considerados mais avançados, usavam e abusavam desse mote, a nova poesia urbana, idem e assim, em diversos setores, tal conceito ganhara ainda mais força. Dessa forma, todos que frequentavam a loja, pautavam-se pela ideia de que mais valia aparentar ser moderno a todo custo do que dedicar-se a um questionamento sobre tais descalabros, como um todo.
Foi em suma, uma rapaziada que valorizava a aura
do dito “hype”, acima de tudo, portanto, a formação de opinião girava em torno
de valores efêmeros, sem preocupação alguma de sedimentar uma discussão, mas
apenas a viver-se sobre a superfície fugaz das percepções vazias. Para trocar em miúdos,
uma mera repetição de um padrão paradigmático, sem ater-se ao âmago da questão.
Nessa nova
loja, não foi diferente do ponto de vista reinante nas ruas daquele bairro,
portanto, a preocupação foi pautada por seguir o padrão, com aquela intenção deliberada por
parte de seus dirigentes, incluso na formação de sua equipe de trabalho.
Privilegiou-se a contratação de gente jovem e “antenada” em tais ditames.
Portanto, eis que contrataram alguns rapazes e moças a ostentarem nos trejeitos e
principalmente no linguajar que praticava-se entre eles, um verdadeiro dialeto,
com tantas gírias e expressões idiomáticas modernas, porém fechadas nesse
conceito velho, com o qual uma pessoa não familiarizada com aquele universo, não
conseguiria entender o que falavam, simplesmente.
Condizente com as suas metas,
enfim, pois foi justamente o plano que os seus dirigentes acharam o mais adequado
para angariar uma clientela jovem e versada pela dita: “moderna cultura das
ruas”, mas que paradoxalmente, representara na verdade, o retrocesso.
Contudo,
houve um senão nessa história e tal empecilho seria considerado um autêntico
entrave para o proprietário, este a se mostrar mais obcecado por essa premissa em torno da busca pelo “hype”, um
rapaz que se auto-apelidara como “Mister E”, certamente a evocar alguma identificação
com o modismo.
E essa controvérsia residira no fato de que nem todos os seus sócios concordavam com essa postura e por ser especificamente tal
divergência manifesta através de um rapaz chamado, Timóteo, que efetivamente criou um problema por discordar dessa mentalidade generalizada.
E sendo este rapaz mais conservador,
digamos assim, mas sobretudo competente em suas atribuições e experiente no
ramo, justificara-se a sua permanência na sociedade e assim, não fora cogitada a
sua saída somente pela questão da divergência de mentalidade, embora esse ponto de discórdia
fosse um autêntico empecilho, principalmente para Mister E.
E não foi só
isso. Mister E tinha um ego proeminente e não só impunha a sua mentalidade a
ferro e fogo, como gostava de portar-se como o mentor de tudo, sempre a buscar
tal protagonismo ante os holofotes das lideranças do bairro, ao angariar
aplausos que satisfizessem os seus anseios pessoais.
Tanto foi assim, que ele gostava de
discursar nas reuniões mais importantes, ao conceder entrevistas em programas de
rádio e TV e também ao ver o seu rosto estampado nos jornais. Mas na inversa
proporcionalidade, ele esquivava-se de participar de reuniões ou mesmo conceder
entrevistas para órgãos que julgava inexpressivos. Ele tinha horror a estudantes
que pleiteavam entrevistas para jornalzinho de diretório acadêmico e contribuir para a elaboração de "TCC"
de universitários, nem pensar...
Então, para
não ficar desagradável para a loja e ao mesmo tempo não perder o seu tempo para
comparecer em compromissos assim insignificantes no seu entender, sutilmente
ele arrumava desculpas e pedia ao seu sócio, todo “certinho” para representar a
loja.
Imbuído de um sincero espírito cooperativo, eis que Timóteo, o sócio que
destoava dos “moderninhos de plantão”, passou a comparecer em tais oportunidades sob
menor repercussão e quando colocava-se a representar a loja, portava-se ao seu
modo, sem nenhuma preocupação em forjar um tipo de comportamento que ele
desaprovava, apesar das recomendações de seu sócio para que isso ocorresse.
E
assim procedeu-se quando Timóteo foi conceder uma entrevista para uma pequena emissora
de rádio universitária. Ao responder com seriedade as perguntas inocentes dos
jovens estudantes, Timóteo saiu daquele humilde estúdio, cônscio de que havia dado o
seu melhor em prol da divulgação da loja. Contudo, assim quando voltou ao
estabelecimento, surpreendeu-se com a atitude de Mister E, que gravara a
entrevista e a forçar uma reunião constrangedora ante os demais sócios (e até
alguns funcionários), fomentou uma audição da entrevista e a pontuá-la com
comentários desaprovadores, a fim de tentar impingir a sua concepção pessoal a considerar o
modo como Timóteo comportava-se, seria errôneo e envergonhara a loja.
Uma longa e
absurda discussão seguiu-se e ao mostrar-se infrutífera, se analisada pelo prisma
do bom senso, visto que cobrar maneirismos de uma subcultura de sarjeta da
parte de quem expressava-se corretamente e costumava fazer um bom uso da língua pátria,
realmente denotava que os valores estavam subvertidos.
Poucas
semanas depois, um outro convite surgira para a loja. Fora algo ainda mais obscuro do que o
programa radiofônico no qual Timóteo comparecera e do qual posteriormente duramente criticado
pela sua performance pessoal, por parte de Mister E.
Tratou-se de um programa
tosco e oriundo de um canal de internet com audiência quase no patamar zero
e claro que "Mister E" descartou de pronto participar pessoalmente desse compromisso e pediu ao seu
sócio, Timóteo, que fosse representá-lo.
Ele foi e de fato, não furtou-se em
cumprir tal tarefa, mesmo ao ter em mente o estapafúrdio sermão em que fora
submetido anteriormente, acusado de portar-se “inadequadamente” e também
consciente de que o programa em questão, mostrava-se praticamente irrelevante, contudo,
nada disso o desanimara e assim ele foi participar e sem questionar nada.
Quando chegou ao
estúdio, a constatação de que aquela estrutura mostrava-se ainda pior do que fora
imaginada, não chegou a desanimá-lo, mas a sua postura, assim que a luz
vermelha da câmera acendeu, foi condizente ao seu padrão habitual, ao responder com
seriedade, falar com correção gramatical, portanto a expor-se da melhor
maneira possível, embora tal tipo de comportamento fosse desaprovado pelo seu
sócio.
No dia seguinte ao chegar na loja, Timóteo surpreendeu-se pois eis que a sua participação no referido programa, já
estava a ser exibida pelo circuito interno de TV do estabelecimento e mediante uma
narração grotesca, sob explícita ação galhofeira e permeada pela clara intenção de ridicularizar a seriedade
de Timóteo ante as perguntas descabidas do apresentador daquele horrível
simulacro de Talk-Show, o provocador Mister E, regozijava-se.
Ali escancaram-se todas as
nuances embutidas na atitude deselegante a ridicularizar a performance de seu
colega, pois ao jactar-se em não participar de manifestações por ele consideradas como "menores", o pior de
tudo foi dar a entender que isso cabia apenas para o colega, para inferiorizá-lo deliberadamente.
Para
Timóteo, diante de tais fatos, a melhor solução foi promover a sua saída da sociedade, ao dar
vazão à máxima de que o incomodado que busque mudar-se, visto que Timóteo
definitivamente não compactuava com aquela mentalidade ali reinante.
Timóteo não acreditava que a malandragem fosse
uma marca cultural a orgulhar-se e invariavelmente, por pensar dessa forma, era estigmatizado como
um “otário”.
A "malandragem" é um estigma do povo brasileiro. tal tipo de procedimento é o
fator de atraso do Brasil. Um dia, talvez a convicção de Timóteo não será mais ridicularizada,
tampouco a de "Mister E", enaltecida em contrário. Nesse dia, o Brasil provavelmente deixará o terceiro
mundo, por que ser "malandro" não é “cool”, definitivamente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário