sexta-feira, 26 de abril de 2019

Somos Nojentos em Essência - Por Luiz Domingues


Em meio a essa fase inicial, quando tudo é confuso, o que dizer sobre o convívio com a realidade das excreções, algo que enfrentamos várias vezes ao dia e a apresentar uma infinidade de fluídos que o corpo expele? 
 
Assunto deveras desagradável, eu sei, no entanto, independente de ser um fato da vida, tal aspecto de nosso corpo e do qual não entendemos absolutamente nada nos primeiros tempos, é provavelmente o primeiro contato com a ideia de que o corpo, principalmente em termos viscerais, é pleno de líquidos, matéria gasosa e pastosa, em suas entranhas. 

Claro que tal consciência vem bem depois, mas ali naqueles momentos iniciais da vida, a sensação do incômodo gerado pelas cólicas, alivia-se em parte quando expelimos tais materiais insalubres, mas apenas parcialmente, visto que a repentina sensação de alívio, recebe a carga posterior dos odores fétidos a conviver com a sensação da umidade e também da sujeira.
Intrigante ao extremo, tal fenômeno a ocorrer vária vezes ao dia é um ato de puro incômodo nessa fase e sem chance alguma para associarmos tal tipo de material aos alimentos que ingerimos. 
 
Como pode ser possível que alimentos e bebidas que saboreamos com prazer possam se transformar em coisas tão abomináveis? E não falo apenas sobre as excreções regulares do cotidiano, mas também a relembrar a existência de outros fluidos tão desagradáveis quanto, como por exemplo a incidência ocasional do vômito, que além da desagradável convulsão inerente, expõe pedaços dos alimentos já apodrecidos em meio ao suco gástrico e outros líquidos estomacais, misturados aos fluidos produzidos pelo fígado, pâncreas, vesícula biliar etc. Tal visão fornece o primeiro contato com a perda do glamour que o alimento tão saboroso parecia ter, como algo imutável.
Há ainda a saliva, a cera do ouvido, a meleca do nariz e as ramelas dos olhos. As unhas que crescem e são aparadas a apresentarem o acúmulo de sujeira, os odores produzidos pelos pés e debaixo dos sovacos, cabelos que caem, enfim, a parte externa do corpo pode ser um pouco mais higiênica em tese, mas também apresenta as suas vicissitudes desagradáveis. 
 
E o tempo todo, estamos sujeitos a conviver com os cortes nas partes do corpo que produzem o sangramento e o surgimento do famigerado “pus”, aquela incidência de uma erupção a desvelar a podridão, vinda de seu âmago. 
 
O sangue, logo aprendemos, mesmo que expelido sob uma pequena quantidade, é associado ao perigo iminente a denunciar algo grave, pois somos condicionados com tal prerrogativas, pela espontânea reação dos adultos que entram em pânico com uma simples gota desse líquido vermelho, aparente.   

Claro que alguns anos depois os seus pais e familiares vão afirmar que a parte boa dos alimentos serve para ajudar-nos a nos mantermos vivos e com a chamada boa saúde, além de insistir na ideia de que especificamente nesta fase, estamos a crescer e precisamos ingerir os alimentos nutritivos, nos hidratarmos bem etc. 

Isso sem contar que em mais alguns anos e na aula de ciência e posteriormente na de biologia, tudo ficará esclarecido com detalhes, mas ali no começo, a lição é uma só e não exatamente bem entendida e aliás, nada compreendida em essência: as nossas vísceras são insalubres em sua constituição. 

É desagradável afirmar isso, no entanto, nesse ponto a percepção do bebê, por incrível que pareça ante a sua parca capacidade intelectual momentânea, mostra-se incrivelmente precisa, em tal conclusão, pois sim, somos absolutamente asquerosos, em termos materiais e sob o âmbito interno, principalmente. 

Augusto dos Anjos transformou em poesia tal podridão visceral, certamente, mas de fato, a nossa constituição material é insalubre. 

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