Em meio a essa fase inicial, quando tudo é confuso, o que
dizer sobre o convívio com a realidade das excreções, algo que enfrentamos várias vezes ao dia e a apresentar uma
infinidade de fluídos que o corpo expele?
Assunto deveras desagradável, eu sei,
no entanto, independente de ser um fato da vida, tal aspecto de nosso corpo e do
qual não entendemos absolutamente nada nos primeiros tempos, é provavelmente o
primeiro contato com a ideia de que o corpo, principalmente em termos
viscerais, é pleno de líquidos, matéria gasosa e pastosa, em suas entranhas.
Claro
que tal consciência vem bem depois, mas ali naqueles momentos iniciais da vida,
a sensação do incômodo gerado pelas cólicas, alivia-se em parte quando expelimos
tais materiais insalubres, mas apenas parcialmente, visto que a repentina sensação
de alívio, recebe a carga posterior dos odores fétidos a conviver com a sensação
da umidade e também da sujeira.
Intrigante ao extremo, tal fenômeno a ocorrer vária
vezes ao dia é um ato de puro incômodo nessa fase e sem chance alguma para associarmos tal tipo de material aos alimentos que ingerimos.
Como pode ser possível que alimentos e bebidas que saboreamos com prazer
possam se transformar em coisas tão abomináveis? E não falo apenas sobre as
excreções regulares do cotidiano, mas também a relembrar a existência de outros
fluidos tão desagradáveis quanto, como por exemplo a incidência ocasional do
vômito, que além da desagradável convulsão inerente, expõe pedaços dos
alimentos já apodrecidos em meio ao suco gástrico e outros líquidos estomacais,
misturados aos fluidos produzidos pelo fígado, pâncreas, vesícula biliar etc. Tal
visão fornece o primeiro contato com a perda do glamour que o alimento tão
saboroso parecia ter, como algo imutável.
Há ainda a
saliva, a cera do ouvido, a meleca do nariz e as ramelas dos olhos. As unhas
que crescem e são aparadas a apresentarem o acúmulo de sujeira, os odores produzidos pelos pés
e debaixo dos sovacos, cabelos que caem, enfim, a parte externa do corpo pode
ser um pouco mais higiênica em tese, mas também apresenta as suas vicissitudes desagradáveis.
E o tempo todo, estamos sujeitos a conviver com os
cortes nas partes do corpo que produzem o sangramento e o surgimento do
famigerado “pus”, aquela incidência de uma erupção a desvelar a podridão, vinda de seu âmago.
O sangue, logo aprendemos, mesmo que expelido sob uma pequena quantidade, é
associado ao perigo iminente a denunciar algo grave, pois somos condicionados
com tal prerrogativas, pela espontânea reação dos adultos que entram em pânico
com uma simples gota desse líquido vermelho, aparente.
Claro que alguns anos
depois os seus pais e familiares vão afirmar que a parte boa dos alimentos serve para ajudar-nos
a nos mantermos vivos e com a chamada boa saúde, além de insistir na ideia de
que especificamente nesta fase, estamos a crescer e precisamos ingerir os alimentos nutritivos, nos hidratarmos
bem etc.
Isso sem contar que em mais
alguns anos e na aula de ciência e posteriormente na de biologia, tudo ficará
esclarecido com detalhes, mas ali no começo, a lição é uma só e não exatamente
bem entendida e aliás, nada compreendida em essência: as nossas vísceras são
insalubres em sua constituição.
É desagradável afirmar isso, no
entanto, nesse ponto a percepção do bebê, por incrível que pareça ante a sua
parca capacidade intelectual momentânea, mostra-se incrivelmente precisa, em tal conclusão,
pois sim, somos absolutamente asquerosos, em termos materiais e sob o âmbito
interno, principalmente.
Augusto dos Anjos transformou em poesia tal podridão visceral, certamente, mas de fato, a nossa constituição material é insalubre.
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