Sobre o material e a performance da banda, cabem mais algumas considerações. Para início de conversa, há de se destacar que a captura dos dois shows que alimentaram a fita K7, por uma questão de limitação extrema de espaço, tornou óbvio por conseguinte que cada apresentação ficasse circunscrita a um lado da fita, com cerca de trinta minutos, apenas. Portanto, foi um registro absolutamente aleatório, daí a existência de músicas repetidas e neste caso, consta até uma segunda versão de uma mesma música, contida em uma mesma apresentação.
Em suma, essas são algumas músicas internacionais (algumas nacionais, incluso), que costumávamos tocar ao vivo, do início das atividades da banda em 1982, até meados de 1983, quando o repertório autoral ficou robusto o suficiente para preencher o espaço de um show completo e momento esse em que dispensamos o uso de covers/releituras para fazer volume em nossas apresentações.
As sete primeiras músicas correspondem à apresentação feita em um evento fechado, durante o Reveillon de 1982. Começa então com uma versão muito energética de "Brown Sugar" dos Rolling Stones, com a Verônica Luhr já a dar mostras de seu enorme potencial vocal, inclusive por improvisar bastante ao criar vocalises, quase durante a performance inteira da canção. A voz do Rubens aparece bem e a da sua irmã, Rosana Gióia contribui com um bom backing vocal. A guitarra, nesta faixa aparece um pouco mais do que o baixo e a bateria.
A segunda faixa, "Honk Tonk Women", também clássico dos Rolling Stones, se mostra com bastante balanço. Nesta performance, a voz do Rubens nos backing vocals ficou mais proeminente do que a da sua irmã, Rosana e a Verônica Luhr brilha muito com uma performance de arrepiar a lembrar o estilo de Tina Turner. O baixo está bem prejudicado por uma equalização submetida ao acaso, praticamente, mas dá para notar que eu busquei o estilo Soul/R'n'B a fugir da simplicidade espartana gravada por Bill Wyman (se bem que os fãs dessa mega banda britânica sabem muito bem que muitos baixos foram gravados mesmo pelo guitarrista, Keith Richards), com os Rolling Stones.
Eis a terceira canção e a se tratar de uma surpresa, certamente, aos fãs d'A Chave do Sol, na forma de um Blues com uma quase pegada Gospel (no sentido musical pelo estilo e não pela conotação religiosa) e por ser supostamente uma composição fora do nosso alcance natural pelo Rock, pois é uma peça do cancioneiro da MPB, em tese e no caso, chamada: "Muito Romântico", uma bela canção composta por Caetano Veloso e lançada em seu LP "Muito" de 1978.
Na versão original do disco do Caetano Veloso, o arranjo é feito bem na linha Gospel/Spirituals, mediante um apoio de um coral, mas a nossa versão pendeu para o Blues clássico. Curioso, por uma questão de má equalização da banda, a gravação desta performance ficou quase que restrita à presença da voz e do baixo. A guitarra, a bateria e a voz backin' de Rosana Gíóia ficaram mais para trás, então, o baixo e a voz da Verônica Luhr, predominam, o que de certa forma tornou-a intimista para quem ouve esta gravação em específico, mas claro, não era assim que soava exatamente, nas ocasiões em que a tocamos.
Advém a quarta faixa, com a interpretação visceral de Verônica para o clássico de Neil Young/Crazy Horse: "My My Hey Hey". De fato, o nosso arranjo privilegiava o efeito do "crescente" na dinâmica e a Verônica aproveitava bem a deixa para dar ênfase ao seu improviso.
A versão de "O Contrário de Nada é Nada" dos Mutantes, ficou com muita energia e a Verônica mais uma vez nos brindou com uma bela performance. A voz da Rosana Gióia e do Rubens, contribuem bastante, igualmente. Mais uma vez, o baixo predomina junto às vozes, com a bateria e a guitarra bastante prejudicados na audição de uma mixagem mal resolvida na captura da gravação, portanto, na digitalização e pós-produção, nenhum milagre poderia ser feito para regularizar isso a posteriori, em 2020.
Emblemático por ser um registro histórico, ao final da canção, a Verônica fala ao microfone: -"A Chave do Sol", um costume que ela praticava com bastante insistência ao término das músicas, eu me lembro bem dessa sua característica, em todos os shows, inclusive, em que ela participou como a nossa vocalista.
Uma segunda versão de "Brown Sugar" dos Rolling Stones marca presença como a sexta faixa, e a animação é igual à da primeira tomada que abre o disco. A diferença, foi que nesta nova versão, pelo fato do baixo predominar junto às vozes, dá para ouvir a sua linha com maior clareza e verificar dessa forma, que a minha proposta foi buscar o balanço da Soul Music, mais uma vez e "mea culpa" que eu faço, devo admitir que principalmente na parte do riff em sua parte "A", eu exagerei muito, com frases feitas com muitas notas e mediante rapidez, porém, atenua a minha culpa o fato de que na época eu pensava que por tocarmos como trio, no tocante à instrumentalização da nossa banda, eu precisava preencher espaço ao máximo, para garantir a devida sustentação para que o Rubens pudesse atuar sem sobrecarga.
O Zé Luiz Dinola também exagerava na linha de bateria, exatamente por pensarmos igual e isso explica também os eventuais excessos cometidos por ambos, além da influência evidente do Jazz-Rock, a se configurar como uma marca registrada do nosso trabalho autoral ter sido forjado pela performance mais virulenta, digamos assim.
A sétima faixa, mostra uma leitura para: "Johnny B. Goode", clássico cinquentista do Rock'n' Roll, de autoria de Chuck Berry e com a Verônica Luhr a brilhar muito, mais uma vez.
O baixo está na frente mais uma vez e curioso, mesmo que eu tenha tido um aparato super precário para tocar, ao usar a linha da mesa de mixagem e sem um bom amplificador para me auxiliar, mesmo assim, o timbre do meu baixo ficou surpreendente pelo brilho e mais um dado: apesar de eu usar a técnica do "pizzicato" à época, que sempre tende a abafar a emissão da nota, a torná-la mais grave, em essência.
O solo do Rubens é ouvido como uma "sombra", muito ao fundo, mas mesmo assim dá para se deduzir que foi bastante energético. Verônica mais uma vez solta a voz e lembra a grande, Etta James, em seus melhores dias, certamente, mesmo com um equipamento super aquém para mostrar o seu verdadeiro potencial. Ela, Verônica, demonstrava possuir nessa época, um talento bruto impressionante, mesmo.
Vem então as músicas que compuseram o segundo show capturado, realizado no Café Palheta's de São Paulo, em 1º de janeiro de 1983, ou seja, no dia seguinte e a usar o mesmo equipamento do show anterior, retratado nas primeiras sete faixas deste disco.
Em "Jumping Jack Flash", a oitava faixa e a se constituir de mais um clássico dos Rolling Stones, se trata de uma versão mais acelerada de nossa parte, mais a ver com a versão do Johnny Winter do que a dos próprios Rolling Stones e nesses termos, a Verônica se solta de uma forma impressionante.
Nessa ocasião, ela mesmo sem nenhuma instrução sobre técnica vocal, tampouco sobre teoria musical, não se furtava a improvisar de uma forma intuitiva e absurda, ao fazer uma escalada vocal em termos de sobreposição, como se tivesse sido um arranjo bem concatenado, mas na verdade, foi fruto de sua intuição e demonstrou assim que o seu potencial nato era imenso.
A guitarra do Rubens aparece um pouco mais e é muito bom o seu solo, cheio de elementos vindos do Blues. E alguns momentos mais amenos, dá para se ouvir um pouco a performance do Zé Luiz, ainda que limitada a uma maçaroca, sem a possibilidade de distinção entre as peças de seu kit de bateria e não haveria de ser diferente mediante um único microfone em posição "overall" para captar tudo, de uma forma indistinta e a "brigar" com os demais instrumentos e vozes.
A seguir, vem mais uma canção que gostávamos de tocar, pois exigia demais de todos pela energia esfuziante de sua natureza: "Now I'm Here" do Queen e claro, a Verônica escandaliza a soltar a voz. A chamada dela, a capella para dar a deixa para a volta do instrumental a finalizar a canção, impressiona ao mostrar a sua voz rasgada, selvagem, absolutamente adorável pela espontaneidade e força na emissão. Que cantora nós tivemos! E aqui, Rubens e Zé Luiz são melhor ouvidos. A evolução de um fraseado feito nos tambores, mostra o quanto Zé Luiz já era muito técnico e a nossa banda mal estava a iniciar os seus trabalhos nessa ocasião.
A décima faixa mostra mais uma versão de: "My My Hey Hey" do Neil Young/Crazy Horse e desta feita, mediante um outro show, como eu já expliquei. A performance é praticamente igual da parte da nossa banda, mas o som desta versão tem um padrão de volume mais baixo que as demais, mesmo assim, eu optei por incluí-la, por ser uma peça histórica, naturalmente e disco com característica de "bootleg" tem margem para que o critério técnico seja completamente relevado, eu considero dessa forma.
O mesmo ocorreu com a décima primeira faixa: "Honk Tonk Women" dos Rolling Stones, quando o áudio master ficou prejudicado. Mesmo assim, é uma versão interessante por ter deixado a linha do baixo bem proeminente e assim, a minha opção pelo balanço a la Black Music se mostra com clareza.
Eu exagerei, confesso, e hoje em dia eu não arriscaria certas frases mais imprudentes, a desafiar a lei da divisão rítmica, digamos assim, mas há de se ressaltar o ímpeto juvenil que eu tinha naquela ocasião e também a boa surpresa de se ouvir essa versão, gravada de forma precária e mesmo assim, se observar um timbre muito bom, a mostrar o mérito genuíno de um baixo Fender Jazz Bass, puro e simples.
Rosana Gióia fez uma linha de backing vocals boa, com afinação e isso deu margem para que a Verônica Luhr improvisasse e subisse em certos trechos, com um brilhantismo incrível. A sobreposição vocal que ela faz em vários trechos da sua interpretação, chega a ser impressionante.
A décima segunda faixa é mais uma versão da música do Mutantes: "O Contrário de Nada é Nada". Desta feita dá para ouvir melhor a guitarra do Rubens e também o seu backing vocals. Infelizmente, esta música estava cortada na fita K7 e assim, a solução foi estabelecer um efeito de "fade out" para encerrá-la durante a entrada do segundo refrão, para maquiar o seu final abrupto logo a seguir.
Eis que chegamos à última faixa, uma versão bastante energética para "Johnny B. Goode" do Chuck Berry. O baixo está bastante prejudicado nesta versão, que contém mais bateria para compensar e a guitarra, se apresenta medianamente.
Logo no início, há uma microfonia bastante desagradável que ocorreu no momento da captura, mas que não foi possível eliminar na pós-produção de 2020. Houve sim um bom trabalho de limpeza feito, mas como uma camada geral, impossível de ser feita separadamente, pois se tratou de uma captura pobre com o "LR" (lados direito e esquerdo do estéreo), a se mostrar estático, ou seja, se limpou tudo em bloco e não separado por canal, portanto, se fosse para eliminar a tal microfonia, haveria um prejuízo generalizado.
Bem, dura menos de três segundos e como é um bootleg em questão, fica tal incômodo ao ouvinte pelo espírito da sua espontaneidade de captura ao vivo, com as inerentes precariedades de equipamento que tivemos para essas apresentações de 1982 e 1983 e pelo certo "charme" estabelecido, por incrível que pareça, dentro desse espírito.
Continua...
Nenhum comentário:
Postar um comentário