domingo, 27 de dezembro de 2020

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 410 - Por Luiz Domingues

Então chegou o quarto volume dos Bootlegs d'A Chave do Sol, a se tratar do álbum denominado: "Ao Vivo em Limeira/SP 1983". 

Este áudio foi fruto da captura do nosso show realizado no Club Gran São João, localizado na cidade de Limeira-SP, em 9 de julho de 1983, quando nós abrimos o show da Patrulha do Espaço que foi a atração maior daquela noite.

Na mesma predisposição dos álbuns anteriores, a captura e armazenamento em uma fita K7, logicamente que não propiciou um super áudio para se ouvir, mas, digamos que mantém um padrão um pouco abaixo do segundo Bootleg (CD "Teatro Piratininga/SP 1983"), e bem melhor que o primeiro: "Ao Vivo 1982/1983".

Sobre a sua capa, infelizmente eu não tinha nem uma foto sequer desse show em si e apenas o recorte de jornal, da "Gazeta de Limeira" da época, que nos cita como banda de abertura do espetáculo e assim, eu sugeri ao Kim Kehl, que ele criasse algo a conter essa nota e algumas fotos promocionais que tínhamos feito pouco antes desse show, em maio de 1983. No entanto, tais fotos foram feitas de forma amadora e erro nosso, muitas delas com alguma intenção satírica que não passam de piadas internas e jamais deveriam terem sido cogitadas sequer para o uso promocional.

Uma delas, foi até objeto de uma tentativa de aproveitamento, pois o Kim recortou as silhuetas dos três componentes da banda e inseriu tal foto adaptada na contracapa, como um detalhe, mas ambos, eu e Kim, não gostamos, pois a foto não passa a ideia que imaginamos em 1983, comigo, Luiz Domingues e José Luiz Dinola a "interpretarmos" ladrões (os famosos "trombadinhas" como se falava nos anos setenta e oitenta), a tentar roubar a guitarra do Rubens. A interpretação para a foto, foi patética e somente nós três e o fotógrafo, Seigi Ogawa, sabiam da intenção da piada, portanto, no mundo de 2020, não coube deixar a foto na contracapa desse disco.

Então, sem material adequado, eu tive uma ideia ao me lembrar de capas de discos de bandas dos anos sessenta e setenta e assim sugeri ao Kim uma abordagem semelhante. Com três fotos da sessão que fizemos para a capa do nosso Compacto de estreia de 1984, não aproveitadas para aquele disco (clicks de Fábio Rubinato, feitos em janeiro de 1984), o Kim seguiu a minha ideia e montou os nossos respectivos rostos, dentro das figuras geométricas  em formato de "estrela" ao estilo dos distintivos de "Sheriff" do velho oeste norte-americano. 

Sob um fundo a trabalhar com um tipo de mixagem entre o verde musgo & azul turquesa, com detalhe roxo e com as tais estrelas amarelas, com os nossos rostos a conter detalhes azuis. Eu gostei muito da solução, pois ficou criativa e lembra muito, diversas capas de discos de bandas de Rock de outrora, portanto, secretamente eu comemorei ter um disco assim para enriquecer a minha discografia.

Então, devidamente comentada a história da criação da capa e contracapa, entro agora na análise das faixas, mais a comentar sobre o áudio, a performance da banda nesse show e as circunstâncias com as quais lidamos na ocasião.

A primeira observação que eu devo fazer, refere-se à ordem do repertório proposta para o disco, que sofreu modificação em relação ao set list que executamos ao vivo e foi capturado na fita K7. Isso por que eu decidi privilegiar o nosso material autoral no começo do disco e deixar a seguir, as releituras que interpretamos no show para preencher tempo. 

Nessa altura, julho de 1983, nós já tínhamos material suficiente para apresentarmos um repertório inteiramente autoral, no entanto, nesse show em específico, ao abrirmos a Patrulha do Espaço, banda grande e consagrada e perante uma enorme multidão, nós achamos mais prudente tocarmos covers internacionais mesclados às nossas músicas autorais, que dada a obviedade de que éramos completamente desconhecidos do grande público até então, seriam opções mais palatáveis para as pessoas ali presentes. 

Curioso, três dias depois, nós fomos tocar ao vivo no palco do teatro do Sesc Pompeia em São Paulo, para filmar a nossa primeira apresentação no programa de TV, "A Fábrica do Som", da TV Cultura e tudo mudou, ao nos dar o primeiro impulso de projeção midiática para nos tirar do anonimato.

Falo sobre as músicas deste disco bootleg, então. Bem, o disco se inicia com "Luz", sob uma execução vibrante. O áudio, no entanto, não é dos melhores, pois o rapaz que operou o PA, anexou o gravador na mandada do monitor, portanto, a mixagem que se ouve é bem desequilibrada, com o som do baixo muito aquém, guitarra um pouco melhor, vozes altas e a bateria com algumas peças em evidência e outras bem obscurecidas.

Sobre a performance, fora a vibração já observada, é engraçada uma parte onde o Rubens esqueceu a letra da canção e improvisou com algo onomatopaico, que eu tenho certeza que ninguém ali no calor da apresentação, notou, a não ser nós da banda, pois não éramos conhecidos na ocasião. O solo do Rubens é muito bom e as vozes dos backing vocals aparecem com clareza.

O Rubens anunciou que logo mais haveria o show principal com a Patrulha do Espaço e claro que a plateia respondeu com entusiasmo e tal predisposição de sua parte poderia ter sido um ponto perigosa para nós, ao dar a deixa para a hostilidade da parte do público vir à tona, mas isso não ocorreu, ainda bem e nos deixaram tocar. 

Veio então a nossa interpretação para: "Utopia", que soa com qualidade, com uma volúpia Rocker bem acentuada e as convenções saíram bem executadas. As vozes estão bem e ao ouvir hoje em dia, eu penso que essa música, detinha, sim, um potencial Pop.

"Intenções" é a terceira faixa e mostra a banda em ótima forma, com uma execução precisa para uma série de convenções, algumas intrincadas, inclusive. Na parte cantada a banda entra com muito balanço ao se parecer como bandas setentistas como o "Captain Beyond" e "Armaggedon", com peso e substância. Gosto muito dessa canção, já disse muitas vezes mas vou repetir: arrependo-me muito de não tê-la gravado nos discos oficiais da nossa banda, pois ela é forte, bem arranjada e mostra muito mais a nossa real identidade, do que muitas canções que gravamos a posteriori, não tenho dúvida.

Sobre a minha performance vocal, eu sinceramente pareço um ébrio rouco e ofegante pela debilidade pulmonar iminente. E a minha emissão, por possuir uma voz tão grave, é mínima, tanto que o Zé Luiz, quando entra na parte B, a fazer um contraponto, praticamente anula a minha voz que continua a entoar a melodia "A" enquanto ele canta a "B", e assim, eu estraguei com a minha inaptidão à época, o sentido do contraponto que planejamos como arranjo.

Vem a seguir a nossa interpretação para "18 Horas" e antes de começarmos, o Rubens fala ao microfone que essa música apresenta os três membros da banda. O meu solo dentro da música é bem econômico, por que eu teria um solo maior a seguir em outra música. 

Chega a vez do solo do Zé Luiz e nas partes onde ele buscou a dinâmica mais branda, ouvem-se murmúrios da plateia, já com os primeiros impacientes com a nossa então condição desconhecida e que ansiavam pelo show da Patrulha do Espaço, mas quando o ímpeto volta em sua interpretação, eles cessam e certamente a volúpia sonora os calou. O solo do Rubens é muito bom, ele estava bem inspirado nessa noite. 

Aí vem a deixa para voltarmos ao tema central e eu errei completamente ao antecipar a convenção e assim a criar o constrangimento aos meus colegas. Mas o Rubens foi rápido e improvisou uma saída, e assim, ele fez mais um solo muito bom e nós três, desta feita, fizemos a saída da música corretamente. Em seu improviso, é possível notar perfeitamente quando ele faz uso do recurso de tocar a guitarra com o dentes, ao fazer a óbvia menção e dessa forma, homenagear o imortal, Jimi Hendrix. Ao final, o Rubens citou o Zé Luiz para a plateia o saudar em relação ao seu solo de bateria. 

"Átila", a próxima canção, infelizmente foi cortada quase que inteiramente na fita K7, pelo motivo óbvio de ter encerrado o lado "A" e o técnico que operava o PA demorou para virar a fita e colocar o Lado "B" para gravar. Sobrou então apenas trinta e sete segundos para ouvirmos dessa performance, com a música quase no seu final. Foi aplicada na pós-produção de 2020, uma radical solução com um reverber seco para mascarar o final abrupto e sobretudo em relação ao ruído indesejável que estava impregnado na fita K7.

A seguir, ouve-se a nossa interpretação para: "Blue Suede Shows" do Carl Perkins, com uma ótima interpretação da banda. Rubens canta bem e ao final, ouve-se um coro a pedir: "pauleira, pauleira", ou seja, queriam que tocássemos temas mais pesados, situados entre o Hard-Rock e o Heavy-Metal, pois o termo "pauleira" foi uma gíria surgida na metade/fim dos anos setenta e que perdurou pelos anos oitenta, a designar o dito: "Rock pesado". 

Passaria despercebido, mas eu revelo: durante o solo, eu (Luiz Domingues) e o Zé Luiz, seguimos a cantar o backing vocals por distração nossa. Mas foi interessante, seguimos no erro e sem nos olharmos, por intuição e fomos em frente para que dessa forma parecesse ser o arranjo normal. É claro que foi inconveniente e atrapalhou o solo, mas o fato de mantermos o erro foi uma solução boa para efeito de performance ao vivo, certamente, pois pior seria se um de nós houvesse relutado e parado no meio do caminho a acentuar a falha. 

"Tie Your Mother Down", canção do Queen, vem a seguir com direito a um solo de minha parte, Luiz. Foi um solo planejado e que eu fizera igualmente no show realizado no Teatro Piratininga ao final de abril do mesmo ano e que também foi lançado em 2020 como um álbum bootleg. 

Nesta altura, a garotada presente na plateia já estava insuflada pela turminha que clamava por "pauleira" e ficou a entoar esse clamor nas partes baixas da minha dinâmica. Faltou-me experiência, pois eu deveria ter imaginado que nas partes mais sutis a buscar efeitos com o botão de volume do instrumento, eu daria brecha para a impaciência da plateia se manifestar. Tanto que nas partes mais pesadas e ritmadas do solo, eu provoquei interação, mesmo sendo um completo desconhecido para aqueles três mil e quinhentos garotos ali a nos verem e ouvirem. 

No disco eu suprimi, mas na fita K7 original, houve um momento em que pararam de gritar, "pauleira" para entoar a palavra, "debulha", ao naturalmente apoiar o meu esforço ali em fazer um solo para entretê-los. No disco, a banda volta com tudo e o final apoteótico é bom, com o Zé Luiz a apresentar-me e claro, a fazer uso daquele apelido que eu usava na ocasião.

"Foxy Lady" do Jimi Hendrix vem a seguir e a performance da nossa banda é muito boa. Soamos como o "Experience" nos anos sessenta, com a volúpia do Acid-Rock psicodélico, que orgulho. É muito bom, também, o solo do Rubens.

"Cocaine" do JJ Cale tem uma versão mais curta, sem repetir os versos em demasia, que foi proposital para esse show. Zé Luiz canta bem e os backing vocals feitos por Rubens e eu, Luiz, funcionam bem, igualmente. Ao final, a plateia responde de pronto quando fizemos a última volta do módulo e estancamos o instrumental de propósito para que a plateia sobrasse sozinha. Nesta faixa, dá para ver que o técnico do PA aplicou uma frequência média-aguda exagerada na caixa da bateria, pois a ressonância do harmônico da nota, a cada ataque da baqueta do Zé Luiz, é quase nula.

"My My Hey Hey" tem uma boa performance, com energia. Curioso, o Rubens fala antes de começarmos, que seria um momento para acalmar os ânimos, mas a nossa performance foi vigorosa.

A próxima canção, na ordem real do show foi a segunda, mas para este álbum foi colocada como nona faixa. Trata-se da nossa versão para: "Jumping Jack Flash" dos Rolling Stones, com uma performance instrumental bastante energética. A minha voz solo é medonha, eu reconheço, isso além do fato que ao buscar uma linha de interpretação agressiva, eu tentei acionar o "drive" de voz que eu nunca tive, portanto, pareço uma abelha fanha. 

E mais uma consideração: a pronúncia em inglês se mostra como algo indecifrável, visto que o que eu canto ali é tudo menos o idioma inglês. Na minha performance, eu pelo menos evitei fazer loucuras, baseado na minha atuação durante o show do Teatro Piratininga feito anteriormente, portanto, no Club São João de Limeira, eu fui mais comedido.

Para fechar, a nossa versão de "Blue Wind"/"Train Kept a Rollin" foi bastante convincente, com uma boa atuação do Rubens, mais uma vez. Ao final, ele mesmo, Rubens diz: -"boa noite, muito obrigado, até uma próxima oportunidade". Lamentavelmente a nossa banda nunca mais voltou à cidade de Limeira-SP, uma pena, mas três dias depois desse show, A Chave do Sol começaria a sair do anonimato, quando gravou a sua participação para o programa: "A Fábrica do Som" da TV Cultura, diretamente do palco do Sesc Pompeia de São Paulo e assim, atingiu um grande público pela primeira vez.

Para encerrar, a ficha técnica deste bootleg: A Chave do Sol ao Vivo em Limeira-SP 1983. 9 de julho de 1983. Clube Gran São João em Limeira-SP. Pós-produção de áudio em 2020: Kim Kehl. Criação e lay-out de capa: Kim Kehl. Fotos: Fábio Rubinato. Apoio: Crossover Records. Supervisão geral: Luiz Domingues.

Continua...  

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