quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 409 - Por Luiz Domingues

Na sequência, veio o novo lançamento da série de Bootlegs d'A Chave do Sol, bem no início de outubro de 2020, e desta feita, trouxe à tona para os colecionadores e fãs, o disco: "Demo Tape 1983". De fato, a fonte que gerou tal CD, falo sobre a fita K7 que armazenara tal material, já houvera sido digitalizada anos atrás e cada faixa fora devidamente promovida através de promos especialmente produzidos para tal finalidade (graças aos esforços da produtora cultural, Jani Santana Morales), na utilização de fotos e peças de portfólio correspondentes à época. 

Todavia, quando houve o esforço maior para preservar todo o material das fitas K7, que ainda precisava ser salvo da deterioração, essa fita foi novamente digitalizada. Na comparação com o material salvo anteriormente, ficou nítida a superioridade da digitalização feita ao início de 2020, e assim, prevaleceu essa fonte para preparar o áudio do disco.

Então, eis que se apresenta para este disco, o material da nossa primeiro demo-tape, gravada em maio de 1983 e com uma produção absolutamente caseira. Foi feita, na verdade, como uma gravação de ensaio, mediante os parcos recursos em termos de equipamento dos quais nós dispúnhamos à época e na prática, a constar como os meios que tínhamos para ensaiar. Portanto, historicamente, eu diria que essa demo tem a sonoridade muito próxima da nossa realidade de ensaios.

Para especificar, tínhamos poucos microfones, portanto, basicamente, usamos um microfone para o bumbo, um "overall" para capturar a bateria como um todo, dois microfones para as vozes e um direcionado no amplificador do Rubens, com o baixo ligado diretamente na linha (mesa). 

Tudo isso passou por uma velha mesa de mixagem da marca Giannini, com doze canais e proveniente dos anos setenta. Devo acrescentar que a mesa apresentava problemas técnicos, pois não estava inteiramente em ordem, com alguns canais avariados e certos paramétricos em desuso. E a gravação foi feita por uma tape-deck da marca, Gradiente, um bom aparelho, não tenho dúvida, mas em tese, com função Hi-Fi caseira. 

Ou seja, se tratou de uma forma de captura espartana, mas foi o que tivemos para registrar este trabalho. Hoje em dia, sabedor dessa falta de recursos com os quais contamos naquela ocasião, eu pondero que o resultado é surpreendente na proporção inversa, em relação à maneira como foi gravado.

Na pós-produção de 2020, dirigida pelo meu amigo, Kim Kehl, que preparou o áudio desse disco, foi acrescido uma ambiência, visto que a gravação original estava seca, sem ressonância alguma, portanto, tal filtro sutil a garantir o efeito do reverber, trouxe a função da sala vazia, que faltara no resultado da gravação original, armazenada na fita K7. 

Sobre o repertório, eis que seguiu-se a lista, ipsis litteris, contida na fita K7. E como novidades, tivemos duas inclusões sensacionais, a se revelarem como um autêntico achado arqueológico. Duas músicas que sobraram da demo-tape de dezembro de 1984, que nós havíamos perdido irremediavelmente, foram recuperadas ainda em 2019 e a explicação mais detalhada sobre essa recuperação espetacular para a história da nossa banda, será emitida quando eu comentar sobre o disco número cinco desse projeto maravilhoso dos Bootlegs de 2020.

"Luz", abre o álbum e eu digo que é nesta música que mais o efeito da ambiência colocada na mixagem pós-2020, é sentida, pois a versão original estava muito seca. Na parte musical de 1983, eu creio que o andamento mais lento é o ideal para essa canção e isso contrasta com a versão oficial do compacto que lançamos em 1984, que ficou bem mais acelerada. Mas a performance da banda é praticamente igual, pois nós a tocávamos dessa forma desde o final de 1982, portanto nesse aspecto, é praticamente igual ao que se ouve no disco de 1984, inclusive o solo do Rubens, com poucas variantes em relação à versão do disco.

A versão de "18 Horas" desta demo-tape é muito boa, igualmente. Mostra-se muito próxima de como a gravamos no compacto de 1984, a sora muito fidedigna e firme, justamente por ter sido a nossa primeira composição e assim, número presente desde o nosso primeiro show que fizemos em 25 de setembro de 1982. As poucas diferenças que o ouvinte notará, serão em algumas sutilezas contidas através dos três solos individuais por nós perpetrados e ao início, em relação aos efeitos feitos pelo Rubens à guitarra.

"Átila", soa muito bem, igualmente. É até surpreendente o peso das convenções iniciais da canção, somente feitas pelo baixo e bateria. Gosto também da parte mais eloquente com a guitarra a usar bastante efeito e preencher de uma forma muito bonita todo o espaço.

A quarta faixa, "Utopia" soa bem. Foi sem dúvida a nossa música com melhor teor Pop nesse início de carreira da banda, mas mesmo assim, apesar da letra ingênua por eu mesmo escrita e da interpretação bem linear da parte do Zé Luiz no comando da voz principal, há certos detalhes destoantes, pois se a intenção seria soar popular, a presença de algumas convenções mais intrincadas para esse padrão, são ouvidas e o solo do Rubens é bem vigoroso no padrão do Hard-Rock. 

Eu sempre gostei dessa música, mas ela foi sendo descartada aos poucos do repertório até ser extirpada de vez, quando percebemos que apesar de diversos retoques, na sua essência ela se parecia muito com a música: "Summertime Blues" do Eddie Cochran e pelo viés da versão do The Who, portanto, por mais que a maquiássemos, a comparação seria sempre inevitável, mesmo que estivéssemos a viver a década de oitenta e neste caso, tal referência fosse considerada anacrônica e talvez só perceptível para Rockers tradicionalistas com cultura sessenta-setentista (e neste caso, também versados pela cultura cinquentista).

"Dança das Sombras" é a quinta faixa e soa muito bem. Chama a atenção logo de início, a estranheza proposital criada pelo Zé Luiz no desenho do seu pedal de bumbo, ao propor uma marcação não usual, mas esse detalhe dura por alguns compassos somente. 

Acho que logo quando a banda entra no balanço do tema inicial, uma parte A, digamos assim, há uma aceleração do andamento que não percebemos quando gravamos. Mas mesmo assim, soa com um balanço muito bom, inspirado no Jazz-Rock mais funkeado, sob viés setentista. E depois, quando quando o tema avança sobre uma jam-session mais vibrante, é mesmo um clima em torno do Blues-Rock com sabor Jazzy, bem ao estilo do Ten Years After. 

De fato era uma jam livre para as improvisações da parte dos três instrumentistas, no entanto, há uma quantidade de convenções estratégicas para delimitar o tema em fases, portanto, sempre houve o senso da organização a norteá-la e assim, a improvisação apresentava margens bem definidas para se desenvolver e segurança para irmos e voltarmos, o tempo todo. 

"Blue Suede Shows", o clássico cinquentista de Carl Perkins serviu como um item estratégico dessa demo-tape, pois ela não fora concebida para ser mostrada em gravadoras, mas para pleitear espaço de atuação em casas noturnas, daí a necessidade que tivemos de contar com algum material cover. Trata-se de uma boa versão, a soar exatamente como a executávamos ao vivo desde 1982, com a voz do Rubens bem aplicada e um vibrante solo de guitarra de sua parte.

A sétima faixa, "Purple Haze" também  teve o objetivo de servir como uma mostra da banda para vender shows em casas noturnas. Esta versão soa bem próxima da gravação original do Jimi Hendrix, portanto agrada-me muito. Rubens a interpreta bem e faz um bom solo.

A oitava faixa é uma grata surpresa aos fãs d'A Chave do Sol, exatamente por ser uma das duas faixas recuperadas da demo-tape posterior que gravamos, em dezembro de 1984. A canção: "Crisis (Maya)", vem cortada, pois perdemos o seu início, mas mesmo assim, tem o sabor do tesouro recuperado. Com uma qualidade um pouco melhor de áudio, pois fora gravada através de uma máquina de gravador de rolo e com melhores microfones, assim mostra a banda bem entrosada, a soar muito bem.

E para fechar, a se tratar de uma outra faixa bônus e oriunda da demo-tape perdida de 1984, eis aqui uma curiosa versão instrumental da música: "Segredos", que gravamos para ver como estava a soar, como sobra da fita de rolo e sem a intenção de incluí-la no material da demo-tape oficial. 

Interessante, há uma resolução harmônica diferente na sua parte B, que foi descartada logo a seguir, pois nós a gravamos sem essa variante, escutada através do EP lançado em 1985.

Sobre a criação da capa e contracapa, o Kim Kehl seguiu o mesmo plano dos álbuns anteriores. No entanto, como desta vez se tratava de uma disco a conter a gravação de uma demo-tape, evitou-se a presença de fotos da banda ao vivo, e daí, ele usou algumas fotos de uma sessão promocional, na verdade a primeira sessão com esse sentido, feita em março de 1983, sob a lente de Seizi Ogawa, assim que a Verônica Luhr deixara a nossa banda. 

Mas não são fotos com muito sentido promocional como se observa (estão todas disponíveis para o leitor, no meu Blog 3), pois todas elas tiveram um certo ar satírico a buscar uma diferenciação que certamente não conseguimos e no máximo, são apenas objeto de piadas internas, que só nós entendíamos, portanto. Todavia, mediante um esforço com efeitos, elas foram maquiadas e serviram ao propósito de se cobrir as ilustrações deste álbum em sua capa & contracapa.

Uma curiosidade interessante, a demo-tape de 1983 foi o material que levamos à produção do programa: "A Fábrica do Som", da TV Cultura, assim que a gravamos, em maio de 1983, e que motivou a nossa escalação para participar pela primeira vez dessa atração televisiva, em julho de 1983.

CD Demo-Tape 1983. Gravado em maio de 1983 (faixas 8 e 9, em dezembro de 1984). Autoprodução de áudio em 1983 e captura em 1984, de Carlos Muniz Ventura. Digitalização das faixas 8 e 9 em 2019: Pato. Apoio: Diogo Barreto e Ricardo Schevano (Estúdio Orra Meu). Áudio e criação e lay-out de capa em 2020: Kim Kehl. Apoio: Crossover Records.

Muito bem, quando este disco ficou pronto no início de outubro de 2020, o próximo lançamento do projeto, o de número quatro dos bootlegs de 2020, já estava finalizado e fora enviado para a fábrica, portanto, em breve, chegaria mais uma surpresa para os fãs do nosso trabalho.

Continua...

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