Conforme eu já expliquei detalhadamente em minha autobiografia, publicada neste Blog (na íntegra), quando eu voltei à formação do Língua de Trapo, para viver a minha segunda passagem por essa banda, a situação em que o grupo se apresentava em termos de status artístico, havia mudado radicalmente e então, em 1983, eu tive que me adaptar aceleradamente para acompanhar os colegas em suas conquistas.
Muito bem, em meio a uma agenda frenética, vivíamos dentro de vans, a nos dirigirmos de um compromisso a outro, em meios aos muitos shows e aparições que fazíamos em programas de TV, emissoras de rádio etc. e tal.
Em uma dessas noites em que o grupo esteve reunido dentro de uma Kombi, estávamos a nos dirigir para um show que faríamos ao ar livre, quando passamos perto da sede de uma instituição de cunho religioso, ultra conservadora, que pregava valores medievais em suas ações caudatárias e cujos seus membros costumavam se manifestar pelas ruas a defenderem as suas teses no âmbito da política, a apoiar partidos políticos coadunados com tais ideais e a sonhar com um governo autoritário que impingisse tais ditames ao povo brasileiro de uma forma radical.
Aos passarmos por um grupo de rapazes que eram membros de tal instituição e por serem eles tão conservadores, ao ponto de que as suas vestes e corte de cabelo eram padronizados ao não deixar margem de dúvida sobre serem adeptos de tal organização, eis que um dos membros da nossa comitiva não se conteve e ao colocar a cabeça para fora da janela do veículo que usávamos, berrou: -"Aí, seus punks".
O fato, é que esses rapazes que ali estavam de joelhos a rezarem em plena calçada, adotavam normalmente esse tipo de posicionamento ante um micro santuário que havia ali, exposto ao público em geral e eles se notabilizavam pelo seu fundamentalismo religioso e que exacerbava a sua militância sociopolítica pelas ruas.
Dessa forma, a sua visão do cristianismo era coadunada com a dos Cruzados medievais e assim, raivosos, eles não suportaram a brincadeira e saíram a correr e a gritar impropérios contra nós.
A nossa sorte, foi que os semáforos pelos quais nós passamos, nos favoreceram, pois não ficamos bloqueados nas esquinas subsequentes para que esses enfurecidos membros de tal seita nos alcançassem para nos agredirem fisicamente.
Senti-me em uma cena emblemática de um maravilhoso filme italiano da década de cinquenta, assinado pelo grande diretor, Federico Fellini, chamado: "I Vitelloni" (traduzido como "Os Boas-Vidas" em português), quando o personagem defendido pelo saudoso ator, Alberto Sordi, acompanhado de seus amigos vagais, xinga com palavras e gestos um grupo de trabalhadores braçais que davam duro debaixo de um sol causticante.
No entanto, o carro dos inconsequentes arruaceiros falha logo a seguir e o desespero se revela no semblante do personagem e de seus colegas, ao verem a massa de trabalhadores ofendidos a correr em sua direção, com tais brutamontes munidos com pesadas marretas, pás agrícolas e que tais, para retaliarem as ofensas gratuitas desferidas por esses vagabundos inconsequentes.
Não passamos por isso, mas poderia ter ocorrido algo semelhante...
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