quarta-feira, 3 de março de 2021

Crônicas da Autobiografia - A Deselegância como Modus Operandi - Por Luiz Domingues

                 Aconteceu no tempo d'A Chave do Sol em 1982

Os primeiros ensaios d'A Chave do Sol ocorreram de fato no palco do Café Teatro Deixa Falar, conforme eu já narrei no texto do meu livro autobiográfico. Ali, por conta do espaço ter sido uma propriedade da mãe da noiva do Rubens Gióia na ocasião, obviamente que se abriu oportunidade para tal. 

No entanto, eu também detinha a simpatia da velha senhora, Dona Sabine, pois me apresentara ali naquele palco algumas vezes com o "Terra no Asfalto", a minha ex-banda cover e sobretudo por ter participado recentemente (ocorreu em julho de 1982 e esta história está contada com detalhes no texto do meu livro autobiográfico), de uma apresentação super improvisada com dois músicos argentinos (Rudi e Nacho Smilari), que eram componentes da banda argentina, "Jamaica Band" e lembro-me bem, foi um pedido especial que ela me fez e sobretudo pelo fato de eu atendido prontamente tal situação, fez com que ela aumentasse a simpatia de sua parte para com a minha pessoa.

Enfim, eis que através de um dia de ensaio marcado para A Chave do Sol, no histórico palco do Deixa Falar, que outrora vivera o glamour da sua encarnação anterior como "Be Bop A Lula", eu cheguei primeiro e enquanto preparava o meu baixo e amplificador para participar do ensaio, notei que entrou no ambiente um músico muito famoso e que inclusive eu admirava bastante por conta da sua atuação como baixista de uma grande banda de Rock formada ao final dos anos setenta e que fora uma das poucas que avançaram pela década de oitenta, incólume aos modismos, ao manter uma identidade Rocker tradicionalista e por conta disso, eu a admirava ainda mais por esse sinal de resistência.

Dona Sabine apresentou-me formalmente para esse artista e ele, nitidamente se colocou de uma forma antipática, a tratar-me com um grau de desdém explícito, a denotar que se considerava muito superior pelo seu status adquirido, em contraposição à minha condição ali a representar um reles aspirante a artista, desconhecido, e a preparar-me para ensaiar com uma banda em uma tímida fase de construção, longe de alcançar a proeminência que ele já possuía em sua carreira, há tempos. 

Ora, isso não me incomodou, pois eu sabia exatamente o baixo degrau que eu ocupava na minha iniciante escalada e a ostentar por conseguinte uma modestíssima posição no meio artístico. E também a respeito da envergadura artística de sua parte e na minha avaliação ali na hora, achei deselegante, mas não me ofendi com a empáfia da parte dele.

Entretanto, o rapaz não se contentou em exalar o seu complexo de superioridade apenas com bravatas e a fazer pose de "Super Star" e aí sim, ele exagerou na dose de sua arrogância ao cometer um ato de deselegância bem maior. 

Eis que subitamente ele passou a elogiar o meu baixo e pediu para tocá-lo um pouco, quando teceu algumas observações sobre ele e eu, de uma forma incauta, abaixei a guarda indevidamente ao sorrir para demonstrar a minha satisfação em poder ter sido gentil com um artista que eu de fato admirava. 

Foi quando ele tocou um pouco e afastou o instrumento do seu corpo para poder pegar a carteira que carregava em sua jaqueta. Sem me falar nada, ele simplesmente abriu a carteira e apanhou um pedaço de papel, leu o que estava ali anotado e virou o corpo do meu baixo para olhar a placa de identificação e assim conferir acintosamente a sua numeração de fábrica. 

Bem, eu comprara esse baixo nos Estados Unidos e quem me trouxe efetivamente foi o guitarrista do "Terra no Asfalto", Aru Junior, que o achou em uma loja de uma cidade do interior de Connecticut, e assim, ele estava sob a minha posse, há um ano naquela ocasião. 

Portanto, não havia a menor possibilidade do baixo que esse artista citado, perdera ou fora roubado, fosse o meu. Eu não lhe disse nada, no entanto, apenas peguei o meu baixo de novo e logo os meus companheiros d'A Chave do Sol chegaram para participar do nosso ensaio e ele anunciou a sua partida do ambiente.

No entanto, achei aquela atitude tão descortês de sua parte, que aí sim, deixei de admirá-lo doravante. Ainda acho que ele tocava muito bem e teve o seu valor assegurado por esse mérito artístico conquistado, mas fica por aí o grau de consideração que sobrou de minha parte sobre tal artista e que aliás, já não está mais entre nós, portanto, preservarei a sua identidade por respeito à sua partida deste mundo.

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