Há formas e formas de se produzir humor. São inúmeros os estilos, escolas e tradições de humor construídas ao longo do tempo e também a caracterizar aspectos diferentes na formação e regionalismos, ou seja, o humor reflete muito da forma de pensar de cada nação, grupo étnico, região e formação cultural em geral.
Há estudos dentro do campo da antropologia, sociologia, psicologia e psiquiatria, igualmente, a demonstrar que o assunto é vasto, e por ser tão profundo, extrapola o âmbito cultural ao refletir diferentes formas de pensar e interagir socialmente para cada Ser Humano.
Entre tantas variantes, existem as formas de humor mais agressivas, deselegantes e as que extrapolam o bom senso, inclusive, ao fazer uso de humilhação, desdém, escatologia, sexismo, escatologia, necrofilia e toda uma gama de estigmas abomináveis contra pessoas e instituições para “brincar” e nesses termos, a abrir a discussão sobre até aonde a liberdade de expressão é aceitável, no sentido de que o conceito de liberdade varia tremendamente entre as pessoas, inclusive a implicar ideologia, portanto é algo bastante relativo se considerar tolerar toda forma de humor.
Bem, tal preâmbulo serve para elucidar a história de uma trupe de humoristas que foi criada entre colegas de uma escola de ensino médio de uma cidade grande em algum lugar da Europa ocidental.
Espirituosos e desinibidos por natureza, tal grupo formado por cinco rapazes e três moças, adorava se reunir no pátio da escola e ali passavam os vinte minutos da dita “hora do recreio”, a debocharem de tudo e todos. Membros do corpo docente como principal alvo, certamente, mas funcionários da escola e demais colegas também inspiravam piadas as mais diversas, com direito a imitações grotescas e sim, infelizmente, muitos desses gracejos a conter uma carga forte de preconceito, intolerância e falta de respeito de forma explícita em diversos aspectos.
No entanto, a lidar com adolescentes como eles, tais rapazes ganharam uma plateia natural ao seu redor, formada pelos coleguinhas que moldados pela mesma mentalidade deles e certamente a se tratar de uma formação familiar bem parecida em termos de valores, adoravam debochar e assim, as piadas escrachadas reverberavam com força a suscitar sessões de gargalhadas intermináveis e algo a mais, pois passaram a ganhar a insígnia de uma verdadeira formação de opinião.
Passado um tempo, tal grupo de humoristas em potencial se articulou e com ajuda de seus respectivos pais, esses jovens providenciaram a aquisição de um equipamento de gravação para produzir um conteúdo em formato “podcasting” para ser escutado em maior escala e de forma permanente através da Internet.
Foi um sucesso entre os colegas da escola, naturalmente e nem mesmo com os veementes protestos, sanções e ameaça de processos movidos na justiça, da parte de pessoas que se sentiram agredidas com o teor das piadas e notadamente da parte dos professores e diretores da escola, tal reação negativa tratou de tirar a sensação de vitória desses jovens debochados. Logo a seguir, eles foram abordados por uma produção de TV, que enxergara potencial nas galhofas agressivas por eles perpetradas.
E o argumento desses executivos da TV foram óbvios, no sentido de que mediante pesquisa de mercado elaborada previamente, estavam convencidos que um tipo de humor jovem, carregado de deboche, seria a melhor linguagem do momento para atrair tal tipo de público e ao ir além, alegaram que dados dessa pesquisa indicavam que pessoas de uma faixa mais avançada se mostravam bastante incomodadas com o tipo de humor em voga nos meios de entretenimento, a se mostrar “engessado” na sua opinião, por não poder brincar com temas que no passado, não eram considerados ofensivos.
Ou seja, seriam os pais desses jovens debochados, em tese, frustrados com a situação atual e sobretudo saudosistas do tempo em que riam de piadas de gosto duvidoso e mesmo que fossem cruéis em essência, criaram os seus pimpolhos com tal impressão e assim, um fator explicava o outro, na prática.
Foi, portanto, um convite que refletiu um momento cultural e mais do que isso, com outras implicações em seu bojo, a justificar plenamente tal ação.
Uma vez na TV, apesar de dirigidos por profissionais experientes, a instrução geral da cúpula da emissora foi no sentido de que eles deveriam atuar exatamente como estavam acostumados a se portar na condução do seu "podcasting" juvenil, ou seja, queriam essa espontaneidade acima de tudo.
E para que não se inibissem dentro da estrutura gigantesca da TV, os dirigentes da emissora foram bem claros ao tranquilizar os jovens, no sentido de que eles não seriam cerceados na interpretação de suas piadas e que arestas mais difíceis seriam aparadas na edição do programa, portanto, tiveram carta branca para elaborar o texto e interpretar da forma como estavam acostumados.
Então o programa foi lançado na grade da emissora e causou furor imediato. A juventude se sentiu identificada com aquela trupe formada por jovens como eles, que não tinham amarras na língua ao debochar e desdenhar de tudo e de todos.
Para reforçar a audiência a geração de pais e tios desses adolescentes também se identificou de imediato, ao se sentirem libertos de culpa por rirem de piadas que haviam sido marginalizadas nos tempos modernos. Agora sim, os bons tempos haviam voltado na opinião desses mais veteranos que nutriam saudade do tempo “bom” em que podiam fazer piadas à vontade, baseadas em preconceito e crueldade.
Dali em diante, quanto mais piadas a humilhar pessoas e instituições, desrespeitar a dor alheia e achincalhar instituições, mais audiência o programa angariava. Parecia uma catarse popular, com uma comoção generalizada em torno dessa ideia de que as pessoas precisavam ter a liberdade de falar o que quisessem, por mais absurdas que fossem as suas opiniões, que na prática mostravam uma vontade irresistível de fazer o padrão civilizatório regredir à idade da pedra e assim, quanto mais brutalidade e desumanidade, melhor.
Inebriados pelo sucesso e naturalmente estimulados a exagerar cada vez mais dessa forma, eis que um dos jovens humoristas teve uma ideia nova e a colocou na reunião de pauta.
E se eles fingissem que eram jornalistas e entrevistassem políticos com a velada intenção de ridicularizá-los? Não seria engraçado fazer perguntas absurdas para deixar essa gente embaraçada, sem saber se respondia com seriedade ou se entravam de vez na brincadeira e assim a correr o risco de macular a sua imagem com os seus eleitores, de uma forma ou de outra?
A ideia foi aclamada na reunião e por conseguinte teve o aval imediato da direção da emissora e assim, logo se organizou uma equipe de produção para deslocar-se até a capital e foi providenciada verba suficiente para prover tal esforço. E foi um retumbante sucesso, pois como era engraçado ver aqueles humoristas a se passarem por jornalistas e a causar constrangimentos aos deputados, senadores e membros do poder executivo, também!
Um tempo depois, surgiu dentro dessa dinâmica, a persona de um deputado completamente beócio, que caiu como uma luva para se tornar uma persona recorrente nessa horrenda predisposição.
Grosseiro, preconceituoso, radical extremista e declaradamente a favor da repressão total como uma ferramenta válida na sua avaliação a fim de incentivar a completa instauração da barbárie como uma meta de sociedade ideal de seus sonhos pervertidos, tais falas de sua parte seriam risíveis como tese descabida vinda de um Ser patético que o era, mas ao mesmo tempo, ele era um tipo de terrorista do baixo clero que jamais poderia ter voz para espalhar tais ideias abomináveis, porém, na sanha de apenas produzir uma galhofa grotesca, tal fator sequer foi levado em conta pelos humoristas.
Sob a completa inversão de valores instaurada, a audiência cresceu e todos se divertiam com o parlamentar fanfarrão a defender ideias estapafúrdias, agredir pessoas e distorcer fatos que faziam da mentira deslavada, um recurso de marketing às avessas para confundir a opinião pública.
Eis que o ridículo mandrião ficou muito popular e a seguir, cresceu tanto nas pesquisas que foi aconselhado por seu partido político a tentar obter um mandato majoritário.
Completamente despreparado para o cargo, pois na verdade ele não reunia condições nem para amarrar o cadarço de seu sapato, tal fato cabal não foi levado em conta pelos seus eleitores, que simpatizavam com ele desde o tempo em que o descobriram na TV, a falar absurdos e assim alimentar a desenfreada busca pela pilhéria agressiva que aqueles moleques mantinham em seu programa de humor muito duvidoso, para ser bem ameno.
O pior aconteceu e esse energúmeno venceu as eleições. Uma Era de trevas se abateu sobre a nação e o programa dos garotos saiu do ar.
Após a dispersão do grupo, alguns deles se pronunciaram a demonstrar arrependimento pela linha de humor que desenvolviam e sobretudo pelo portal que abriram para deixar aquele monstrengo sair das catacumbas do inferno e assim, se sentiam mal pela indução de uma mentalidade tão perversa que adveio das piadas grotescas que faziam e principalmente pelo espaço inadequado que deram para um completo idiota ter crescido tanto ao ponto de tomar o poder e promover ações que levaram a nação ao atraso absoluto.
Outros, no entanto, não se mostraram arrependidos e prosseguiram a manter as suas piadas cruéis, porém, desta feita para um público cada vez menor, ainda bem.
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