sexta-feira, 30 de agosto de 2024

Autobiografia na música - Trabalhos avulsos (Golpe de Estado & Convidados) - Capítulo 125 - Tributo à Nelson Brito - Por Luiz Domingues

No canto do palco, lá estou eu (Luiz Domingues), a me preparar para tocar com o Golpe de Estado. Casa de Cultura Chico Science de São Paulo, 24 de agosto de 2024. Click, acervo e cortesia: Ana Cristina Domingues

Cheguei cedo ao ambiente da Casa de Cultura Chico Science e no caso, não se tratava apenas do show do Golpe de Estado, mas sim de um pequeno festival. Havia sido providenciado pela produção desse evento, uma estrutura até surpreendente mediante um bom equipamento de PA, até a se colocar acima das necessidades do ambiente, iluminação, um telão de qualidade máxima para os padrões tecnológicos da época para a exibição de imagens em alta definição, ou seja, esteve de parabéns a produção.

Estava um dia relativamente frio e ameaçava chover, o que de fato ocorreu assim que eu cheguei, mas não foi nada torrencial e sim sob uma rápida ação e de forma amena. Mesmo assim, eu fiquei chateado por verificar que o público presente que assistia a apresentação da banda que se apresentava quando eu entrei no recinto, estava absolutamente diminuto. Boa banda em ação, amparada por um equipamento de bastante qualidade, iluminação legal e telão de alta definição, fiquei feliz por ver uma banda legal a se apresentar com bastante energia e qualidade musical.

Da esquerda para a direita: Luiz Domingues, Roby Pontes na bateria, João  Luiz e Marcello Schevano. Golpe de Estado e convidados. Casa de Cultura Chico Science  de São Paulo. 24 de agosto de 2024. Click, acervo e cortesia: Ana Cristina Domingues

Bem, o meu estado gripal havia piorado desde o ensaio realizado três dias antes, mas o que me preocupou mesmo foi o clima de comoção com o qual me confrontaria. Começou o espetáculo e da coxia, vi o Daniel Kid iniciar no baixo a tocar músicas mais recentes do Golpe de Estado, fruto da formação mais atual da banda. A seguir, o amigo Fabio Cezzar entrou em cena e tocou três canções dos dois primeiros discos e da coxia, eu fiquei sensibilizado pois tais temas povoavam a minha lembrança de convívio com a banda ainda nos anos 1980.

Para potencializar ainda mais a minha melancolia disparada de forma implacável, eis que a imagem fixa que se usou no telão, foi uma colagem de fotos do Nelson em ação e a cada vez que eu via o meu amigo ali, fui acometido de pensamentos que se intensificaram no sentido de despertar uma tristeza muito grande.

Fui chamado ao palco e gentil como sempre, Fabio Cezzar me emprestou o seu belo baixo Fender Precision, ou seja, a repetir o empréstimo que já fizera no ensaio. Facilitou demais a troca rápida e o som do instrumento estava espetacular, não mudei um centímetro da regulagem de timbre que ele arrumara para si.

Começamos com "Cobra Criada", uma canção oriunda do LP "Forçando a Barra", de 1988. Música mais acelerada, foi com esse impulso que tocamos e foi um prazer tocar aquela linha de baixo tão  bonita e complexa, criada pelo Nelson Brito.

Quando a música se encerrou, a enxurrada de aplausos e gritos foi emocionante e eu tive a reação natural de apontar para a imagem do Nelson no telão. Marejei os olhos e tudo se intensificou quando avistei o rosto de Heloísa Gongora na multidão, viúva do Nelson que ao fitar-me, sinalizou com sentido de agradecimento e ali eu embarguei de vez. Sabedor do sofrimento que ela teve no processo todo da doença, internação e falecimento do Nelson, é claro que só de vê-la ali presente eu já me desequilibrei ainda mais.

A imagem de Nelson Brito em proeminência no telão que ornou o palco. Uma bela, emocionante e justa homenagem ao amigo que partiu.Golpe de Estado e convidados. Casa de Cultura Chico Science de São Paulo. 24 de agosto de 2024. Click, acervo e cortesia: Ana Cristina Domingues  

"Não é Hora" foi a segunda canção na qual eu participei a suprir o som do baixo. Canção oriunda do LP "Nem Polícia, nem Bandido", lançado em 1989. Clássico, mais um no caso, do repertório da banda, foi cantada em uníssono pelo público que naturalmente a adorava. Toquei e foi a aumentar a minha sensação de angústia ao não parar de me lembrar do Nelson e do Hélcio também.

Ricardo Schevano, eu Luiz Domingues a sair do palco, Roby Pontes, João Luiz e Fabio Cezzar a agradecer o público. Confraternização final da banda e seus convidados com o público. Golpe de Estado e convidados. Casa de Cultura Chico Science de São Paulo. 24 de agosto de 2024. Click, acervo e cortesia: Ana Cristina Domingues

"Caso Sério", uma bonita balada contida no LP "Quarto Golpe" de 1996, encerrou a minha participação e a emocionar todos no recinto. Quando acabou, cumprimentei todos os colegas da banda, o público, naturalmente, fiz uma reverência à viúva do Nelson Brito presente na plateia e assim que voltei ao camarim, o Ricardo Schevano viu que eu estava bem abalado. De fato, a emoção me consumiu e cheguei aos prantos, bastante emocionado.

Lembrei muito do meu querido avô, que já em idade avançada me falou certa vez que muito mais que o medo da morte, o que estava a consumi-lo emocionalmente, era constatar a morte de entes queridos e amigos aos montes, o que é um fato natural quando se atinge uma idade longeva e a sensação de amparo vai a ser minada na medida em que tombam todos ao seu redor e com eles, vai embora também o sentimento de pertencimento ao mundo. 

Tal sensação é obviamente deveras desalentadora e finalmente eu comecei a experimentar o mesmo ao ver tantos amigos e familiares a desaparecer, além de pessoas de uma geração de artistas que tanto me influenciou também a perecer de uma forma avassaladora, no sentido que tal geração de fato chegou a uma idade limite sob o ponto de vista biológico.

Em suma, o meu avô teve razão ao observar tal sensação tão ruim e finalmente eu entrei em uma fase que começara a ter esse dissabor de uma forma bem comum, a provar que isso é de fato um sentimento devastador.

Bem, me controlei enfim, me despedi de todos, a agradecer pela oportunidade e na saída do camarim, ao tomar contato com parte do público que ali aguardou para cumprimentar a todos, encontrei velhos amigos e até fãs de trabalhos anteriores que eu tive, principalmente d'A Chave do Sol e da Patrulha do Espaço, o que me deu alegria para amenizar um dia permeado pela tristeza.

O Marcello comunicou-me que esse show possivelmente repetir-se-ia em outubro, em uma unidade do Sesc e que todos os baixistas convidados tocariam novamente acaso pudessem confirmar presença, De antemão, eu confirmei e pensei comigo que muito possivelmente desta feita eu estaria mais conformado e consequentemente melhor estruturado psicologicamente para atuar.

De qualquer forma, tristeza a parte, dei o meu melhor e acredito que onde quer que esteja, o Nelson recebeu a nossa boa vibração. Assim espero, pelo menos.

1) Golpe de Estado convida Luiz Domingues - "Cobra Criada" - Casa de Cultura Chico Science - 24 de agosto de 2024. Filmagem e cortesia: Ana Cristina Domingues

Eis o link para assistir no YouTube:
https://youtu.be/bkCRTpxSdFk

2) Golpe de Estado convida Luiz Domingues - "Não é hora" - Casa de Cultura Chico Science - 24 de agosto de 2024. Filmagem e cortesia: Ana Cristina Domingues

Eis o link para assistir no YouTube:
https://youtu.be/MdoZLV57Zuo 

3) Golpe de Estado convida Luiz Domingues - "Caso Sério" - Casa de Cultura Chico Science - 24 de agosto de 2024. Filmagem e cortesia: Ana Cristina Domingues

Eis o link para assistir no YouTube:
https://youtu.be/glHrzPxHEYA

A banda, com os baixistas convidados (menos Daniel Kid) e o guitarrista do grupo "Nevulla", que tocou na última música, além do público presente. Golpe de Estado na Casa de Cultura Chico Science de São Paulo. 24 de agosto de 2024. Acervo e cortesia: João Luiz. Click: Desconhecido

Por conta dessa muito provável incidência de mais uma espetáculo com o mesmo teor, possivelmente então, continua...

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