sexta-feira, 3 de outubro de 2025

Autobiografia na música - Língua de Trapo - Capítulo 144 - Por Luiz Domingues

Feliz pelo resgate de mais material concernente à minha primeira passagem pelo Língua de Trapo e a reforçar dessa forma o meu portfólio pessoal de carreira, eu gostaria de analisar então as faixas que disponibilizei neste momento de setembro de 2025.

"Tragédia afrodisíaca" - Demo Tape de 1980

Eis o link para assistir no YouTube:

https://youtu.be/kWtoH9lZo2o

Para início de análise, falo a respeito da faixa "Vingança Afrodisíaca", composição de Guca Domenico e Carlos Melo. A se tratar de um típico samba-de-breque, estilo antigo dentro da vertente do samba e muito apreciado pelos membros da banda, a se constituir de uma forma muito conveniente para expressar letras com alta dose de ironia e até escárnio explícito, a brincar principalmente com a sátira aos costumes e moral vigente, enfim, tal canção usou e abusou de tal prerrogativa e com maestria, eu devo observar.

Na parte técnica do áudio, apesar dessa produção ter sido muito modesta e com direito à inevitável redução em meio a uma época na qual as gravações eram analógicas e neste caso, feitas com poucos canais disponíveis, é surpreendente como apesar das limitações inerentes ao recursos dos quais tivemos, a faixa soa bem. 

As cordas representadas pelo violão, cavaquinho e o baixo, estão bem mixadas e a percussão também se mostra muito bem. O baixo em questão me surpreendeu pelo timbre, pois a despeito de todo o preconceito que havia sobre os instrumentos de marcas nacionais naquela época, eis que o Giannini que eu tinha, a se tratar de uma réplica de baixo Rickembacker, se mostra muito bem, com um timbre médio-agudo bem característico de seu modelo e ao mesmo tempo, com um interessante peso resguardado pelas frequências graves.

Sob a interpretação excelente do Laert Sarrumor, essa música fez muito sucesso nas apresentações do Língua de Trapo desde 1980, e assim prosseguiu nos anos posteriores, sempre a constar da lista de músicas de seus shows, até os dias atuais, inclusive.

A respeito do teor de sua letra que é controverso para os dias atuais, muito provavelmente essa música teria problemas de aceitação generalizada pelo fato de estabelecer piadas sexistas e a ironizar os travestis, mas é o tal negócio: discussões a parte sobre as formas respeitáveis de se fazer humor, se são aceitáveis ou não mediante o entendimento geral de 2025, é fato que no contexto de 1980, era um tipo de humor popular e decorrente até nos programas dessa verve a se provar como popularescos na TV de então, e além do mais, é inegável que a sua construção é bem concatenada enquanto peça de humor.  

"Prazer" - Demo Tape de 1980

Eis o link para assistir no YouTube:

https://youtu.be/Q1QtA0tShgs

"Prazer" é outra canção que fez muito sucesso nos primeiros tempos do Língua de Trapo. Composição do Laert Sarrumor, é uma canção que flerta com a bossa nova, mas que insere, igualmente, elementos do samba-canção e da seresta em sua constituição. 

Sob uma letra muito inteligente criada pelo Laert (com sempre, dentro da sua genialidade nata), as ironias neste caso são finas, a usar até do cinismo como ferramenta para brincar com o tema do prazer e nesses termos, ao fazer insinuações divertidas não apenas sobre a libido humana pela via camuflada do duplo sentido, como lançar dardos sobre o comportamento inadequado de certos políticos e neste caso, a se pensar na época pela qual essa música foi composta e mais executada ao vivo, o alvo maior era um certo governador de estado que tinha a fama de ser um ladrão contumaz, mas que demorou décadas para de fato se comprovar as suas falcatruas.

A falar da parte musical e do áudio dessa gravação em específico, acho interessante que o violão executado pelo saudoso Lizoel Costa, tenha recebido o efeito de um pedal Phaser 90 e essa determinação deve ter sido feita pelo meu amigo Lizoel, baseado no fato dele ter tido em sua vida um lado Rocker que os demais membros da banda não tinham, com a minha óbvia exceção.  

Há a incidência de uma percussão discreta, porém muito eficaz através da atuação do grande Fernando Marconi. Em grande parte de sua ação, dá a impressão que ele estabeleceu um típico desenho rítmico de samba através de uma singela caixa de fósforos. Não me recordo, sinceramente, se o Fernando usou de fato uma simplória caixa de fósforos para gravar ou se utilizou um instrumento de percussão formal para reproduzir tal atmosfera tão informal a caracterizar uma ação improvisada de mesa de bar. 

Aliás, cabe acrescentar que essa questão de se edulcorar encontros boêmios de bar, sempre foi um mote usado pelo Língua de Trapo ao longo da sua carreira inteira, exatamente para recriar uma atmosfera de MPB antiga, um de seus motes prediletos, principalmente na ótica de Guca Domenico e Carlos Melo, os membros mais entusiasmados pelas raízes tradicionais da MPB.

Vale ainda ressaltar que a interpretação do Laert é cheia de maneirismos que são divertidíssimos, ao abusar de gritinhos e onomatopeias e que eu afirmo que funcionavam ao vivo de uma maneira muito eficaz. 

Continua...

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