quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Crônicas da Autobiografia - Show Acrobático, Ensurdecedor e Inspirador (mas não pela música em si) - Por Luiz Domingues


       Aconteceu no tempo d'A Chave do Sol, em janeiro de 1983...

Bem naquela virada de década de setenta para oitenta, a vida de um Rocker versado pela estética sessenta-setentista (meu caso), esteve dificílima e na verdade, tal panorama já vinha a degringolar desde 1977, pelo menos e só intensificara-se tal estado de coisas à medida que a mídia, de mãos dadas com a dita “formação de opinião”, decretou que o sonho hippie acabara e quem não comungara com tal ideia, havia perdido o bonde da história. 
 
Eu nunca acreditei nisso, é óbvio, mas paguei um preço amargo pela minha resistência em não correr ao salão de barbearia para acabar com a minha longa cabeleira "woodstockeana" que permaneci a ostentar e é óbvio que ao contrário dos “moderninhos de plantão”, ávidos pela estética blasé do Pós-Punk, eu só enxergava deméritos na produção artística oitentista em geral, salvo raríssimas e honrosas exceções.
Mas mesmo que houvesse um campo do Rock que ignorava retumbantemente essa turma altiva e invariavelmente raquítica, musicalmente a falar (o termo “raquítico” foi inspirado por um amigo meu que usa tal palavra nos dias atuais (2017), para designar tais artistas dessa estética e este fala com propriedade, visto que militou nesse métier nessa época, mas reconhece nos dias atuais, a fragilidade musical de quem embarcou nessa vertente), tal tipo de opositores não foi formado exatamente por tradicionalistas como eu, a respirar por aparelhos em uma espécie de UTI contracultural, mas uma turma que se por um lado era oposta ao Pós-Punk, ainda assim não significara ser algo compatível e agradável que encaixasse-se plenamente aos tradicionalistas em prol de um “religare”, através de seu clamor nostálgico. 
 
Refiro-me simplesmente a uma vertente que professava o dito “Heavy-Metal”, uma estética que nasceu em algum momento dos anos setenta, quando alguém jogou condimentos demais no molho do Hard-Rock e a comida passou do ponto, digamos assim... ao precipitar que se ramificasse tal como uma metástase, ao gerar subdivisões as mais diversas. 
 
Um desses ramos, foi parar na Califórnia, Estados Unidos e lá, mesmo a conter em seu bojo, certos artistas radicais, como em qualquer parte do planeta, a tendência para tudo que surge ali, é que a cultura local amenize e incorpore elementos seus muito particulares. Portanto, mesmo que a proposta seja um som pesado e acelerado, sempre vai haver o calor abrasador do asfalto da "Rodeo Drive", de Los Angeles em sua música, assim como uma latinidade caliente e festeira, mesmo que os artistas sejam genuinamente “wasp” em sua mentalidade inerente, a se pensar em outras temáticas mais rudes. 
 
Bem, eis que nesse estado da costa leste, meca do cinema e curiosamente berço do estopim do movimento hippie na América sessentista, surgiu ali na metade dos anos setenta e passou a ficar famosa ao final dessa década, uma banda formada por dois irmãos de origem holandesa, que ao se juntarem a dois amigos, formaram o seu grupo ao nomeá-lo com o sonoro sobrenome de sua família: Van Halen.
Eu só fui tomar conhecimento de sua existência por volta de 1980, mais ou menos e a primeira impressão que tive foi que o seu som som parecia um trabalho moderno para aquela ocasião, mas baseado no Power Blues-Rock acelerado do Ted Nugent, pelos riffs etc. e tal.
 
Tal banda nunca causou-me nenhuma comoção especial, mas tampouco a ojeriza, como eu nutria pelo Punk-Rock e seus derivados como o nascente Pós-Punk. Mas ali, por volta de 1981, 1982, eu passei a ter uma certa simpatia pela banda, não ao ponto de tornar-se uma referência na minha vida, mas por enxergá-la como uma espécie de boia salva-vidas, ao se considerar que o mar revolto oitentista consumir-me-ia por completo e dessa forma, agarrei-me no Van Halen como uma esperança de sobrevivência em meio à escassez de outras formas defensivas para se lidar com o ambiente hostil que desenhara-se. 
 
Mas é bom que eu esclareça, esse “admirar”, não significou que tornei-me seu fã inveterado, ao deixar de cultuar os artistas que realmente influenciavam-me, mas simplesmente foi melhor saber que o Van Halen existia ali em 1982 e ao menos os sujeitos usavam instrumentos e configuração de um quarteto Hard-Rock tradicional, cabelos longos/figurino Rocker mezzo setentista e postura de palco Rocker, em confronto com os dândis oitentistas arrogantes que inundavam os vídeoclips que passavam na TV, na ocasião. 

Então, com a minha banda, A Chave do Sol a dar seus primeiros passos no segundo semestre de 1982, foi quando soubemos que o Van Halen viria ao Brasil no início de 1983. Tirante apresentações sazonais com artistas internacionais, desde os anos sessenta, o Brasil não era ainda uma rota internacional para shows, consolidada. 
 
A logística do show business era precária e nas raras apresentações com artistas internacionais, tudo fora feito com muito improviso, a se gerar falhas e reclamações generalizadas do público e principalmente da parte dos próprios artistas estrangeiros, desacostumados a lidarem com um tipo de amadorismo gerencial e vergonhoso. 
 
Anos depois o Brasil pôs-se a crescer nesse quesito e creio, após o advento do Festival Rock in Rio de 1985, a máquina engrenou e o país finalmente ganhou espaço na rota das turnês mundiais dos grandes e médios artistas e hoje em dia, é uma alternativa interessante até para os pequenos também, a abrigar um circuito menor bem organizado para trazê-los ao país.
Mas ali em 1983, ainda havia muito amadorismo, como por exemplo na completa omissão por parte da produção do mesmo, para anunciar que haveria uma atração nacional como show de abertura. No caso, todos ficaram surpresos ao verem o equipamento da Patrulha do Espaço montado no palco do Ginásio do Ibirapuera. 
 
E foi um show espetacular, eu posso atestar, com a banda nacional a viver o auge de sua formação como trio, com Rolando Castello Junior, Serginho Santana & Eduardo Chermont, a cumprirem uma apresentação incrível e com direito a um solo de bateria do Junior, aplaudido com ênfase pelas doze mil pessoas aproximadamente que ali encontravam-se, eu incluso, além de Rubens Gióia e José Luiz Dinola, os meus colegas de banda, e vários amigos que estiveram conosco.
A Patrulha do Espaço em sua fase de ouro como Power-Trio no início dos anos oitenta. Essa formação, com Dudu Chermont, Rolando Castello Junior e Serginho Santana, respectivamente da esquerda para a direita, abriu os três shows do Van Halen em São Paulo, no mês de janeiro de 1983 

Bem, a despeito dessa apresentação memorável, a praxe do show business cumpriu-se e a valorosa banda brasileira tocou com cerca de 20% da potência de som e iluminação. Ou seja, depois que os Rolling Stones sentiram-se ofuscados pelo então desconhecido King Crimson, no Hyde Park de Londres em julho de 1969, nunca mais o artista principal quis deixar bandas de abertura tocarem com o mesmo equipamento de som e iluminação e assim, mesmo que a banda de abertura faça um show maravilhoso, quando a banda principal entra em cena, o impacto sonoro e visual é tão grande que automaticamente isso faz com que se apague da memória da plateia, a apresentação do artista emergente que abriu a noite. 
 
Portanto, quando o show do Van Halen iniciou-se, a carga sonora e a iluminação foram frenéticas, ou como diz outro amigo meu, e que entende muita da matéria: alucinante!
Diante de tal impacto, claro que o show foi impressionante, pelo aparato todo em si, mas por um fator, ou melhor, dois, que foram méritos do Van Halen e devo ser justo em reconhecer isso: o preparo físico da comissão de frente da banda, falo sobre as personas do baixista, vocalista & guitarrista que ao fazerem um mise-en-scène muito agressivo, com direito a coreografias e acrobacias ousadas, imprimiam um tipo de atração de tirar o fôlego.
 
E segundo ponto, a fama do guitarrista Edward Van Halen como virtuose ao instrumento, era concreta e em meio ao seu frenesi cênico impressionante, a sua performance musical foi igualmente marcante, ao segurar toda a banda nas costas, pois sem outro instrumento harmônico de apoio, Ed representou ali a usina de riffs, bases “ganchudas” e solos virtuosísticos acintosos, tudo ao mesmo tempo. 
 
Ao se considerar que o baixista era bem limitado, praticamente a tocar baixo contínuo sem frasear e o baterista, apesar de manter andamentos acelerados sem oscilações e fazer boas viradas, não era nenhum “assombro” no seu instrumento, dessa forma, o guitarrista segurava tudo ali, sem sombra de dúvida.  
Lembro-me que apenas para o uso do Eddie Van Halen, haviam doze cabeçotes Marshall, com vinte e quatro caixas a formarem os seus gabinetes de amplificadores. Mas na realidade, ele deve ter usado de fato, três no máximo, pois isso já gera uma potência absurda em cima do palco e a bastar mixar essa carga no PA com parcimônia, é mais do que o suficiente para suprir um ginásio daquele tamanho. 
 
O cenário usado foi uma tela imensa cuja ilustração básica simulava mais amplificadores, ao dar a impressão ótica da “montanha” ser ainda maior do que o fora na realidade. E na parte superior, houve a presença de uma tela com uma estampa a retratar um leão dourado, também mote secundário da contracapa do álbum. Pelos cantos, vimos bandeiras vermelhas daquelas de sinalização náutica, pois reproduziam também o visual da capa do mais recente disco: "Diver Down", que conteve essa temática baseada no mundo do mergulho submarino. 
 
A bateria do Alex Van Halen se mostrou descomunal. Foram quatro bumbos com extensão, a formarem portanto, bumbos duplos, um absurdo total.  
 
Como já observei, a movimentação dos três músicos da frente foi tão frenética, que chegara a embaralhar a vista. Os artistas pulavam, faziam acrobacias e sem parar de tocar. Achei o baixista Michael Anthony bastante limitado ao instrumento, mas gostei muito de seus backing vocals afinados, a demonstrar bastante potência vocal, além de sua movimentação esfuziante pelo palco, mas sobretudo, apreciei a sua simpatia.
A espetacular dupla de cantores/humoristas, formada pelo genial Louis Prima e a incrível, Keely Smith, a garota que não sorria... 

O David Lee Roth se portara de uma maneira extremamente divertida. Ele parecia no entanto, mais um entertainer do que um vocalista de Rock. Tanto foi assim que anos depois este artista deu início à sua carreira solo ao regravar um clássico de um artista dessas características (com a música:“Just a Gigolo”), a se tratar-se no caso, do genial cantor/humorista, Louis Prima, que fora basicamente um entertainer à moda antiga, muito famoso na América do Norte, entre os anos 1930 e 1950, e certamente David Lee Roth devia adorá-lo, ao ouvir as suas velhas bolachas da coleção de discos de seus pais e por vê-lo cantar na TV, em programas cinquentistas em preto e branco. 
 
Sobre a atuação de Roth ao vivo, mediante as suas poses acrobáticas e trejeitos, foram engraçados e acima de tudo, ficara a impressão de que ele divertia-se em assumir-se como um canastrão desses que fazem shows com alto teor popularesco em cassinos de Las Vegas. 
 
E o Eddie Van Halen representara sem dúvida a solidez musical da banda, pois a sua guitarra virtuose era incontestável (embora para o meu gosto, isso canse em tese e de fato, eu admito que “orei” aos Deuses do Rock para que o seu solo interminável e sob um volume ensurdecedor, terminasse, com os meus tímpanos em frangalhos ali no ginásio do Ibirapuera), além da sua simpatia e movimentação de palco alucinante. 
 
Quanto ao Alex, o achei um baterista seguro, mas muito simplório para o meu gosto. Particularmente, acho o Rolando Castello Júnior da Patrulha do Espaço, muito superior, tecnicamente. E falo isso de cátedra, pois toquei com ele, Junior, por quase seis anos e sei bem disso, sem exagero. 
 
No cômputo geral, esses três shows do Van Halen marcaram muito para nós, pois dera-nos esperanças de que nem tudo estava perdido no Rock. Haviam artistas ainda a acreditarem nos parâmetros setentistas, mesmo sendo algo bem sutil no caso dessa banda em específico, mais ligada ao Hard-Rock oitentista, uma corrente mais amena do Heavy Metal, naturalmente.
Em suma, saí do Ginásio do Ibirapuera não exatamente a amar tal banda norte-americana, mas aquela predisposição de se imprimir uma movimentação frenética no palco, influenciou-nos ao ponto de poucos meses depois, em julho, quando apresentamo-nos no palco do Sesc Pompeia, em filmagem ao vivo para o programa “A Fábrica do Som”, ao menos de minha parte (e isso é nítido nos vídeos de nossa aparição inicial), a lição de casa foi feita, pois esforcei-me bastante para seguir o parâmetro que assistimos no Ginásio do Ibirapuera sob noites quentes de verão, em janeiro daquele mesmo ano, 1983...
Acima, um dos shows do Van Halen em São Paulo, no mês de janeiro de 1983, com filmagem da Rede Bandeirantes de TV. Eu; Rubens Gióia e José Luiz Dinola estávamos nessa plateia, além de muitos amigos nossos que gravitavam na órbita d'A Chave do Sol.

4 comentários:

  1. Esse foi o show que eu mais me arrependo de não ter ido . . . ..

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    1. Grande Landoneto !

      De fato foi um bom espetáculo, devo dizer. Bacana ter sua visita aqui e com direito a comentário. Fiquei feliz !

      Grande abraço !!

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  2. Vi o VH no Ibira e a Chave na Fábrica do Som,que privilégio!

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    1. Mas que legal essa afirmação, Wilson ! Fiquei lisonjeado por sua visita, comentário e sobretudo pelo teor do que contou-me.

      Grande abraço !!

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