Antonio Buonnoventura,
também conhecido como: “Tom Buonno” era um jornalista veterano, colunista de um
jornal de grande circulação na cidade de Bologna, na Itália.
A sua coluna diária
continha muitos seguidores, sendo um arraigado costume local não sair de casa antes de lê-la,
ao tomar-se o café da manhã e claro, era sempre o primeiro comentário do dia em
todas as repartições públicas, no comércio em geral, consultórios &
escritórios e nas salas de aulas de toda a cidade.
Eclético, ele cativava o seu leitor padrão por
enfocar aspectos múltiplos do cotidiano local, sob um campo aberto para abordar
qualquer assunto e todos, invariavelmente, versavam sobre aspectos significativas
da cultura local, daí a identificação popular e imediata.
Tom Buonno
criticava as autoridades pelas mazelas da administração pública, mas com uma
carga de humor debochado, caricatural, que caia nas graças de todos e certamente
que até as autoridades riam, todas as manhãs, apesar de tudo.
E assim, por anos
e anos, do buraco na calçada ao foguetório perpetrado pela torcida (“tifosi”)
do clube de futebol local, o Bologna, nas suas grandes vitórias no campeonato, a passar pelas
manifestações culturais, tudo o que envolvia a vida da cidade, era comentado
pela sua coluna e o povo a adorava.
Seu editor,
signore Gaetanno, tratava-o como a uma grande estrela da redação e por fazer de
tudo para agradá-lo, designou-lhe um assistente pessoal, um misto de redator
auxiliar, secretário e office-boy (quiçá, mordomo), a servir-lhe e assim, tal
ragazzo chamado: Daniele Quidomagni, se mostrava muito prestativo e atencioso a
atender os pedidos de Tom Buonno.
Daniele era estudante de jornalismo e
mostrava também o seu talento, com boa redação, muito interesse pela profissão e
ficara óbvio que pleiteava crescer na carreira, a fim de se tornar um membro da redação do jornal, com proeminência
dentro dessa equipe, um dia.
E claro, ele sonhava em possuir a sua coluna exclusiva no futuro e fazer
tanto ou maior sucesso que o próprio Buonno (convenhamos, foi um sonho
plausível e legítimo).
O próprio
Buonno sabia disso e não incomodava-se com essa pretensão de seu estagiário e
muito pelo contrário, ele admirava a sua
determinação e de certa forma, identificava-se com o rapazinho, ao ver-se na
mesma situação anos antes ao relembrar o início de sua própria carreira.
Portanto, não existia da parte de Buonno, nenhuma contrariedade sobre a
explícita intenção do estagiário em galgar degraus ali, através dessa
oportunidade.
Buonno,
apesar da redação já estar a trabalhar com maquinário digital, ainda era adepto da
velha guarda do jornalismo e assim usava a sua obsoleta máquina de datilografar, para elaborar
a sua coluna.
Ele não era avesso à nova tecnologia e mostrava-se disposto a
aprender a usar um computador para trabalhar, mas estava ainda na fase de
postergar tal mudança estrutural em seu modo de agir, portanto a fazer uso da velha
máquina, até uma segunda ordem.
Mas eis que certa vez, em uma segunda-feira chuvosa e talvez influenciado pela
manhã sem sol a se revelar melancólica, ele resolveu sentar-se à frente da tela de uma computador e começou
a escrever o seu texto, mesmo a se atrapalhar muito com a sua inaptidão para entender o funcionamento da máquina, porém, providencialmente a ser ajudado
por Daniele, que mais jovem, certamente já dominava o básico do mundo virtual.
E assim, Buonno tomou gosto pela tecnologia e a sua gama de recursos, a empolgar-se com a
rapidez das resoluções, quando dessa forma, deixou de lado sua antiquada máquina datilográfica. Tudo bem que
não a usava mais, mas claro que ela era dotada de um valor sentimental para
ele, portanto, em princípio ele não cogitava desfazer-se dela, ao menos não imediatamente e
provavelmente nunca, sendo bem honesto consigo próprio.
No entanto, foi em um dia que
fora da redação, em sua residência, Buonno recebeu um telefonema. Fora da parte do seu
assistente, Daniele, em um domingo a noite, a dizer-lhe que surgira uma emergência na
sua faculdade e um aviso sobre a antecipação de entrega de trabalho o surpreendera e
como o seu computador pessoal estava no conserto, ele precisava de uma velha máquina
de escrever para encerrar esse trabalho. A seguir, perguntou-lhe se não seria
possível contar com a velha máquina de Buonno, emprestada.
Ora, Buonno
nem pensou duas vezes e só disse ao seu assistente para vir buscá-la
imediatamente. Cerca de trinta minutos depois, eis que um carro estacionou na
porta, com Daniele e dois amigos a acompanhá-lo. Uma rápida visita concretizou-se,
sob intenso clima de camaradagem, com todos a rirem bastante das piadas contadas,
sob uma confraternização agradável.
Danielle ainda com a máquina em mãos, foi
enfático ao afirmar que a devolução seria rápida, ainda naquela semana. Mas a semana
encerrou-se e o rapaz não falou nada, quando na sexta-feira posterior, limitou-se a dizer
“Ciao” ao final do expediente.
Va bene, Buonno...
Não havia até então, nenhum motivo para
o velho jornalista preocupar-se, visto manter inteira confiança em seu subordinado a quem tratava
coloquialmente, como um pupilo.
Entretanto, na semana subsequente, Daniele não falou uma
palavra sobre o empréstimo e na outra, na outra e na outra... igualmente.
Apesar da estranha postergação, Buonno, que a cada dia estava mais desenvolto
no manuseio do computador, nem sentia falta da obsoleta máquina datilográfica,
no entanto, começou a cultivar um sentimento desconfortável, ao sentir-se em
princípio desprestigiado pelo seu amigo e assim, ao quebrar o seu período sob longa
espera, abordou Daniele ao perguntar-lhe, frontalmente, sem subterfúgios:
- “e a minha máquina?”
Ligeiramente
ruborizado, este respondeu-lhe que pedia desculpas pela demora, mas a máquina
estava bem cuidada e em breve seria devolvida.
Buonno aceitou inocentemente a desculpa evasiva e decidiu internamente
dar-lhe mais um voto de confiança. E sobre estar supostamente “bem cuidada”, ora, só
faltava essa, que não estivesse...
Mas o tempo
passou e a situação permaneceu imutável. Na inversa proporção, Buonno começou
a irritar-se com as desculpas cada vez mais absurdas que Daniele fornecia-lhe a
cada vez que era cobrado. Nem era pela máquina mais em si, que nessa altura
detinha um valor econômico irrisório, sendo tratada como uma quinquilharia tão
somente, mas a atitude pela qual Daniele pautara-se foi que irritara Buonno.
Passaram-se meses e logo o efeito implacável da ampulheta, transformou essa
espera em anos.
Foi quando
em uma ocasião onde Buonno o abordou e adotou a postura da franqueza absoluta,
que um diálogo, na verdade um monólogo bizarro, estabeleceu-se.
Daniele
demonstrava nem lembrar-se mais do empréstimo e ficou atônito quando Buonno
abriu seu coração:
-“Prego, figlio... você pode por favor contar-me a razão
pela qual não devolve a minha máquina?
Veja, nem vou ficar bravo ou te cobrar ressarcimento, cazzo... só quero
saber o que você fez com ela, que não a devolve. Por acaso, ela quebrou? Você
precisou de dinheiro e a vendeu? Reemprestou para alguém que sumiu com ela?
Eu só quero saber a verdade, pode falar que não vou brigar contigo”.
Então, com
os olhos arregalados, Daniele simplesmente não respondeu nada, e isso revelou-se incompreensível para Buonno, visto que o velho mestre deixara claro que não brigaria com ele,
mas só desejava saber o motivo dessa situação irritante.
Infelizmente, o silêncio
de Daniele deixou o caso insolúvel e Buonno a ficar muito desapontado com a
atitude de quem considerava um amigo, certamente.
Mais tempo se passou e de fato, Daniele
tornou-se um grande jornalista, como foi previsto. Reverenciado e com muito
merecimento profissional, por sinal, Daniele manteve o nível de respeito e admiração pelo
velho Buonno, sempre a enaltecê-lo quando encontravam-se nos corredores e
elevadores da redação do jornal.
Buonno nunca o destratou por conta disso, e
pelo contrário, não mudou o seu comportamento no que tangia à maneira pela qual tratava o seu ex-assistente e agora, celebrado jornalista. Mas a pergunta ficou no
ar: onde foi parar a máquina e sobretudo, por que nunca foi esclarecida a questão sobre a sua não devolução?
Uma crônica com tema mais comum do que imaginamos. Quantos objetos emprestamos sem retorno e sem sabermos que fim levou. Coisas do ser humano!
ResponderExcluirOlá, Jani !
ExcluirSim, ao emprestarmos objetos de nossa estima para um amigo (que naturalmente compartilha de nosso mesmo gosto, e por isso somos amigos, em tese), o básico em uma relação de respeito mútuo, é que ele seja devolvido no prazo prometido ou até antes, se possível e claro, absolutamente intacto. Portanto, ao não cumprir essa determinação, já caracteriza uma grande decepção. Mas pode ser pior, como ficou patente na crônica, com a postura de quem está em grave falta, a não esclarecer, protelar e não resolver jamais a situação degradante em não devolver, propositalmente. Aí a decepção fica elevada ao cubo !
Grato por ler e comentar !