quinta-feira, 31 de maio de 2018

O Bom Rapaz Mentiroso - Por Luiz Domingues



Havia um repórter na TV que notabilizara-se por dar um enfoque muito humano em suas matérias, ao aparentemente fugir do estereótipo engessado que aprendera na sala de aulas da sua faculdade de jornalismo, mas sobretudo a desobedecer o manual de conduta das redações do jornalismo televisivo. 
 
Mas essa suposta insubordinação do jovem repórter gerou efeito contrário ao que geralmente esperava-se da parte da produção e por enxergar tal característica como um trunfo e não uma afronta, o repórter recebeu o convite para apresentar um programa jornalístico, com carta branca para pautar, produzir e conduzir como o desejasse. 
Uma meritocracia rara ao tratar-se do ambiente interno das emissoras de TV, diga-se de passagem. 
 
Medeiros de Albuquerque (assim apresentava-se, a forjar apenas o seu sobrenome duplo como sua alcunha), cresceu muito e seu programa tornou-se rapidamente muito apreciado pela audiência, a gerar muitos pontos nas medições oficiais e consequentemente a atrair patrocinadores, portanto, esse sucesso tratou de elevar muito a sua popularidade e inerente poder pessoal. 
E o seu grande trunfo na condução de seu programa, foi o seu carisma e dessa forma, a tal condução “humana” que imprimia, gerava enorme simpatia por parte de seus telespectadores, que naturalmente, formataram a imagem de Medeiros de Albuquerque, como um exemplo de candura, um verdadeiro bom rapaz que arrancava suspiros de senhoras idosas e que acalentavam o sonho de ter um neto, assim, tão "bonzinho". 
 
Em seu imaginário, Medeiros seria o gentil rapaz que costumava ajudar idosos a atravessarem as ruas perigosas ou coisa que o valha, em uma espécie de ideal do escotismo ou de congregações formadas por jovens ligados a denominações religiosas etc.

Um dia, por uma conexão inesperada, um telespectador desses que muito o admirava, foi parar nos bastidores do programa do Medeiros de Albuquerque. A ideia não fora abordá-lo diretamente, mas de forma discreta, apenas usufruir da condição de um espectador silencioso e assim ele pôs-se a observar a frenética movimentação dos técnicos e assistentes de produção nos bastidores, certamente excitado pela oportunidade. 
 
Todavia, todo esse glamour veio terra abaixo, logo a seguir. Eis que Medeiros chegou ao estúdio e o seu semblante mostrou-se muito diferente do que geralmente aparentava ao seu público pela TV. 
 
Tenso ao extremo e muito arrogante, só falava aos berros com os seus assistentes e humilhava-os de uma forma aviltante. A cada dez palavras que proferia, nove eram palavrões que as vovós que costumavam adorá-lo, ficariam estupefatas por ouvirem, ao sair de sua boca. 
 
Com uma agressividade incrível, ele humilhava a todos, com palavras muito desdenhosas, quando não em meio aos palavrões e insultos, fazia da ameaça constante de despedir a todos, sumariamente, um modus operandi, a acrescentar que faria esforços para que colegas de outras emissoras jamais os contratassem, sob uma bravata que denotava a sua prepotência desmedida. 
 
Foi quando então, uma voz vinda de um alto-falante interno iniciou uma contagem regressiva. O programa entraria no ar em segundos. 
 
Faltava menos de trinta segundos e Medeiros ainda gritava com uma funcionária que não colocara a dose de açúcar na medida exata pela qual ele exigia que o servissem, diariamente em seu café, enquanto o rapaz observava sob absoluto estado de choque, em meio a um misto de estupefação e decepção, certamente.
Então o programa iniciou-se e o desapontamento desse rapaz só aumentou, pois Medeiros mudou completamente o seu semblante e até a modulação de sua voz, ao falar de uma forma mansa, com aquele bom mocismo habitual que seu público tanto apreciava. 
 
Aquele seu jeito tão “humano” para tratar as pessoas, com compreensão e carinho, comiseração ao próximo, sempre a exortar que o caminho para uma boa convivência em sociedade seria o da tolerância, do diálogo, como ele sempre enfatizava, enfim.
 
Nessa altura, o rapaz que observava tudo em um canto discreto do estúdio da emissora de TV, percebera que as aparências enganavam. E dessa forma, desapontado, ele nunca mais assistiu TV com a mesma percepção de outrora, mas com um senso crítico muito aguçado, sem entregar-se cegamente, doravante, ao tipo de informação que vinha dela...

2 comentários:

  1. Bem comum essas atitudes, nem sempre o ídolo, o artista é o que parece ser, o que diz na frente da tela de tv, em um palco ou em sua música, conforme sua atividade. Triste ser assim, pois não precisamos ser uma Madre Tereza de Calcutá, um Buda, mas educação, bons tratos sempre é bom!!

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    1. Exatamente, amiga Jani !

      Infelizmente, esse tipo de comportamento falso é muito comum entre pessoas que trabalham em veículos de comunicação de massa. E não é um fenômeno moderno, mas algo bem antigo, na verdade. Eu mesmo, na infância, tive uma experiência nesses termos, ao conhecer o lado obscuro e muito ruim de um humorista que eu adorava, ao gerar-me uma enorme decepção. Eu e muitas crianças que também presenciaram o sujeito sob um ataque de estrelismo, regado a arrogância e muito mau humor, ou seja, o contrário do que ele representava para as crianças brasileiras nos anos sessenta, quando era idolatrado por milhões de pequenos, onde incluo-me.

      Sua colocação foi perfeita e saiba que eu adorei a sua comparação sobre a questão do equilíbrio. Perfeito, não é necessário ser santo como as pessoas que citou, mas balancear melhor as emoções e procurar tratar a todos com educação e respeito, é o mínimo que espera-se de uma pessoa minimamente educada, civilizada e cortês.

      Sejamos gentis, com todos, sem dúvida alguma.

      Grato por ler e comentar !

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