Aconteceu no
tempo d'A Chave do Sol... em agosto de 1982
Estávamos
bem no princípio das atividades da nossa banda (A Chave do Sol) e nesses primeiros dois meses em que estávamos em atividade,
ainda não havíamos estabelecido o nosso QG, em um quarto disponível na edícula da
residência da família Gióia, fato que ocorreu logo após a realização de nossos
primeiros dois shows, em setembro de 1982.
Dessa forma, os primeiros ensaios
realizados em meados de julho e no decorrer de agosto e setembro desse ano, foram
realizados nas dependências do Café Teatro Deixa Falar, bem próximo da
residência da família Gióia, por sinal, a se tratar de uma extrema gentileza de sua
proprietária, uma senhora francesa, chamada, Sabine que nos oferecera a sua casa de espetáculos.
Tal espaço
estava decadente naquela ocasião e obtivera os seus dias de glória, anos antes,
quando na metade dos anos setenta, ostentara o nome de: “Be Bop a Lula”, uma
casa de espetáculos que apresentou em seu palco, quase todos os grandes nomes do Rock
Brasileiro dessa década.
Portanto, mesmo em declínio acentuado, a casa ainda mantinha a
velha estrutura do palco, coxia, camarim e uma iluminação em mau estado de
conservação, é verdade, mas ainda em condições de ser usada, razoavelmente. Portanto, ensaiar ali, apesar
dos pesares, teve o seu lado bom, afirmo com certeza.
E por estar
decadente e naquele instante por ser um mero bar maltratado, Dona Sabine fez o que
esteve ao seu alcance para gerar receita e no caso, ela costumava alugar o espaço para
ensaios de musicais, peças teatrais, espetáculos de dança e o que mais aparecesse.
Foi
em um dia de ensaio d'A Chave do Sol, que recebemos o comunicado da parte de Dona
Sabine, que teríamos um atraso para poder usar o palco para o nosso ensaio,
visto que uma trupe de teatro que alugara o espaço, atrasaria para entregar-nos
a instalação. Bem, não poderíamos reclamar, ensaiávamos ali gratuitamente, portanto
resignamo-nos prontamente.
Esperamos do
lado de fora por um bom tempo e cansados do atraso muito grande, resolvemos entrar para verificar
o andamento desse ensaio dos atores e assim que chegamos ao salão central,
deparamo-nos com a trupe a todo vapor, ainda a trabalhar.
Os atores passavam o seu espetáculo
inteiro, como ensaio geral, daí a demora e dessa forma, sentamo-nos em uma mesa e assistimos um pouco a
performance. Tratava-se de uma espécie de revival do Teatro de Revista dos anos
quarenta ou cinquenta, com sketchs musicais, dança, muita piada maliciosa à
moda antiga e vedetes a sensualizarem, bem naquela perspectiva antiga do machismo explícito.
Só que houve um detalhe a mais nessa equação: todos os
atores eram homens e a desmunhecada foi total ali. Foi quando Dona Sabine
abordou-nos e pediu-nos mais paciência pela demora e aproveitou para revelar-nos que esses rapazes eram
atores amadores ali a ensaiarem e que na verdade eram todos médicos de um famoso
hospital público localizado na zona sul de São Paulo.
Nesse instante, enquanto rebolavam travestidos e
desmunhecados, eles cantavam aquela velha canção carnavalesca do Ari Barroso,
imortalizada pela Carmem Miranda, chamada: “Como Vaes” (“Como vaes você? Vou
navegando, vou temperando/pra baixo
todo santo ajuda/pra cima a coisa toda muda”...).
Mas o mais surpreendente
mesmo foi verificarmos a completa transformação pós-ensaio dessa orquestra de
senhoritas, quando os seus membros saíram do estabelecimento a usarem as suas roupas brancas e jalecos e a carregarem as
suas malas típicas para médicos, e sobretudo a falarem "grosso", pisarem firme e ao tratarem-se
uns aos outros como: “Doutor”, na maior seriedade...
Foi quando um colega de minha banda, cujo nome não revelarei, soltou a frase: -“se eu passar mal, fiquem avisados para não levarem-me para esse hospital”...
Sei que foi um outro tempo, movido a preconceitos enraizados, mas a afirmativa do amigo, foi tratada apenas como uma pilhéria entre nós.
Nenhum comentário:
Postar um comentário