sábado, 1 de setembro de 2018

Frustração e Amargura - Por Luiz Domingues

Carl Zazz foi um menino que ao invés de gostar de brincadeiras físicas, como a maioria dos outros meninos, mostrava-se mais imaginativo. 
 
Participar da brincadeira em si não era muito importante para ele, que demonstrava claramente preferir dirigi-la, ou melhor ainda, inventá-la, se bem que o que ele propunha aos amiguinhos, não era exatamente algo inovador. 
 
E isso teve sua razão de ser, na medida em que desde pequeno, ele fora influenciado fortemente pela literatura infantil clássica, geralmente ambientada na Idade Média ou Renascença como pano de fundo. Desde o berço, acostumado a ouvir histórias sobre castelos, reinos e dragões, contadas pelos seus pais, avós e também por seus irmãos mais velhos, o menino foi precoce no processo de alfabetização, justamente pela sua ânsia para alcançar a autonomia para poder ler as histórias contidas nos livros, livremente, sem ter que pedir ajuda dos adultos. 
 
E assim pôs-se a desenvolver, obcecado pela ideia de tornar-se um escritor, a escrever textos desde que dominou os rudimentos da ortografia e gramática e assim buscar o seu sonho de um dia ser reconhecido como Hans Christian Andersen ou os Irmãos Grimm, autores que idolatrava.
Enquanto foi criança, as suas redações não eram levadas a sério pelos adultos em geral e nem mesmo a sua professora que as corrigia. Quando chegou à adolescência, claro que uma maior maturidade tornou-se inerente ao seu texto, mas apesar dessa paixão toda e suposta vocação natural, a verdade é que faltava-lhe um algo a mais. 
 
As histórias que criava, careciam de criatividade e mais que isso, eram opacas, sem brilho algum que saltasse aos olhos de qualquer pessoa minimamente familiarizada com o universo da literatura infantil clássica. Na prática, o que ele escrevia não passava de um pastiche da literatura que ele adorava e copiava, de forma inconsciente e muito mal por sinal.
Então, obstinado, ele levou os seus originais à apreciação de diversas editoras. Das mais tradicionais, nem resposta obteve. Nas médias, idem, com uma ou outra exceção quando uma tardia e polida reação negativa chegou-lhe, e a frustrá-lo, certamente. 
 
Amargurado pelo choque de realidade, nem assim ele esmoreceu no entanto, pois colocou em ação o seu plano “C”, ao rebaixar o seu padrão de expectativas pessoais ao abordar as pequenas editoras de sua cidade. Ao raciocinar que a estratégia de começar pequeno não seria um demérito pessoal, tampouco impedimento para galgar degraus na carreira, lá foi ele, resolutamente imbuído desse falso sentimento de humildade forçada. 
 
Mediante seus calhamaços com cópias de suas histórias, o aspirante a escritor bateu de porta em porta. Em uma delas, assim que deixou o seu material na mesa de uma secretária, saiu cheio de esperança por conta da frase padrão que a senhora proferiu-lhe: 
 
-“o senhor Gustav, dono da editora, vai analisar o seu material e assim que possível, dar-lhe-á uma resposta, senhor Carl”.

Passados alguns dias, de fato o senhor Gustav pôs-se a ler os escritos de Carl, entretanto, não chegou nem na metade do primeiro conto e já estava convicto que o material era muito ruim e não passava de um texto medíocre, a se revelar como uma mera cópia dos clichês em torno dessa escola literária. 
 
Então, a sua secretária, Olga, que era sua irmã, inclusive, entrou no seu gabinete no exato momento em que ele estava a rir sozinho, com um certo ar de desdém, ao ostentar o calhamaço de Carl em suas mãos.  
 
Olga perguntou-lhe:
 
-“O que estás a ler, Gustav? É o trabalho escolar de seu netinho?” 
 
De pronto, Gustav, que estava com os seus óculos arreados no rosto, a mirou por cima da armação e com um sorriso indisfarçável ao canto da boca, disse-lhe
 
: -“Não, é do "genial", Carl Zazz”...
Anos depois, Carl continuava a lutar pelo reconhecimento de sua produção literária. Por ter que adotar o plano “D”, ele lançou livretos por conta própria, com modesta produção gráfica e sem repercussão alguma a posteriori.
 
Infelizmente ele adotara uma amargura acentuada e inevitável em seus escritos. Histórias com bruxas feias e invejosas a desejarem o mal de princesas bonitas e camponeses de bom coração a serem prejudicados por monarcas ogros e prepotentes, tornaram-se abundante em seus escritos. 
 
E claro, tal linha de história não despertou nenhum interesse da parte de editoras e do público leitor. Primeiro, pelo fato de ser uma literatura com baixo valor artístico, ou a trocar em miúdos, mal escrita. 
 
O segundo ponto, só reforçou a má impressão ao constatar-se que além da redação ruim, Carl jamais libertou-se de seus influenciadores e pelo contrário, nunca conseguiu apresentar um vislumbre sequer de algo criativo que não fosse um clichê do que ele escutara desde criança. 
 
E por fim, o pior de tudo, quando toda a sua amargura pessoal por não lograr êxito em sua carreira, passou para os seus textos, ao torná-lo um escritor marcado pelo despeito, sentimento revanchista contra tudo e contra todos, rancoroso e invejoso. 
Em síntese, ele tornou-se mais amargurado do que as bruxas malvadas que descrevia em suas histórias...

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