Havia uma
loja de objetos de decoração, instalada em uma famosa galeria comercial no cento
da cidade, que começara humildemente, mas decorridos alguns poucos anos, viu-se
em plena expansão.
Ao tornar-se referência nesse setor, inspirou a abertura de
diversos estabelecimentos similares, ao estabelecer uma concorrência, que visto
por uma visão macro, fora saudável para fomentar ainda mais os seus negócios.
Bem, seu
mandatário, o senhor Calanggiaro, era um imigrante italiano, apaixonado pelos
objetos que vendia, e dessa paixão, veio a explicação plausível a justificar muito do seu sucesso pessoal, visto que fazia o
que gostava e para ele, não era um trabalho, tampouco um empreendimento comercial pura e
simplesmente, mas representava o seu prazer pessoal, poder respirar, 24 horas por dia,
o seu ofício. Quanto a isso, a sua postura pessoal era irrepreensível.
Contudo,
havia uma marca registrada sua, que com o passar do tempo tornou-se
acentuadamente visível e pela qual municiou os seus invejosos detratores, pois
paradoxalmente, tratara-se de uma reserva pessoal, que Calanggiaro ostentava
acintosamente.
Ocorre que
ainda bambino na velha Itália, o babbo de Calanggiaro repetia um ensinamento
quase diariamente, preocupado com o futuro de seu filho e no intuito legítimo
de prepará-lo para a vida, mas sobretudo pela visão pessimista que detinha do
mundo e das relações sociais em geral, notadamente no âmbito comercial, quando
alertara ao seu figlio com veemência:
-“Jamais ostente sua condição financeira,
mesmo entre pessoas de confiança e principalmente para estranhos”.
Impressionado
e quiçá atemorizado com tal máxima, Calanggiaro tomou tal ensinamento paterno
com absoluta convicção e assim procedeu quando chegou ao Brasil, onde mediante a sua
labuta pessoal, ele abrira a sua loja. Ocorre que com a prosperidade advinda, foi nítido
pela movimentação frenética de sua clientela, que a sua situação se tornara ótima, mas
para todos os efeitos, ele mantinha o discurso com o teor inverso, a falar sobre
dificuldades, dívidas, e invariavelmente a afirmar que estava à beira da
falência, o que contrastava frontalmente com a verdade expressa em sua loja,
sempre em franca evolução.
Tornou-se folclórica a sua afirmação padrão, ao dar conta de que estaria temeroso por não aguentar mais um mês com o seu estabelecimento aberto, pois a falência seria inevitável etc.
De fato, vivemos em meio a um padrão comportamental na
sociedade em que a imensa maioria das pessoas vive o seu cotidiano sob o signo dos apelos
materiais. Em meio a um bombardeio violento de estímulos que geram paradigmas a
ditar normas e condutas, é rara a pessoa que não pense o tempo todo em ganhar
dinheiro, ao visar alcançar o seu bem estar pessoal mediante o ultra consumo, a
gerar bem-estar e prazer.
E visto pelos aspectos positivos e negativos que tal
predisposição gera no inconsciente coletivo, é praticamente inevitável que o
sentimento de inveja não seja muito forte para uma imensa maioria que acha mais
fácil derrubar quem julga estar acima, do que efetivamente trabalhar para
alcançar o mesmo patamar. Isso é ponto pacífico e claro que o pai de
Calanggiaro teve razão, ao raciocinar dessa forma.
Contudo, tal
fervor que trouxe das palavras de seu pai gerou o exagero, e este também
o estigmatizara ao torná-lo folclórico para alguns, e com a fama de um usurário
velado, para outros.
De uma maneira sui generis, o antídoto que ele julgava ser
infalível, também o envenenara, pois tal postura exacerbada foi responsável igualmente
por uma onda de inveja gerada, da parte de quem não acreditava que ele
estivesse mesmo à beira do colapso financeiro, como alegava, pois visto por outro
lado, fora nítida a sua prosperidade.
Portanto, a inveja trouxe no seu bojo o
sentimento de raiva, igualmente, pela postura que muitos julgavam cínica a
debochar e desdenhar da situação de quem realmente não estava bem de vida.
Claro que
não foi nada disso, porque Calanggiaro apenas estava a proteger-se, como aprendera com
seu pai, mas a verdade é que viver em sociedade não é nada fácil e fatalmente,
um indivíduo vai formular um pensamento a respeito do outro, é assim a natureza humana,
pelo menos neste estágio onde a civilização encontra-se.
Quem sabe um dia isso
muda?
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