sábado, 29 de junho de 2019

Quando Somos Obrigados a Errar Propositalmente - Por Luiz Domingues


Quando somos jovens, tendemos a achar que somente com a nossa extrema boa vontade para empreendermos as ações corretas, nós vamos mudar o sistema podre que rege o mundo desde que tomamos conhecimento de sua engrenagem e da qual, apenas herdamos dos nossos pais, avós e demais longínquos ascendentes. Trata-se certamente de um pensamento nobre, edificante e de fato, graças a tal idealismo e juventude é que o mundo evoluiu, em tese. Mas não com a urgência que os bem-intencionados almejam, aliás, muito longe disso.

Foi nesses termos que um desses rapazes cheio de boas intenções e energia para dar o seu melhor, deparou-se com tal realidade de precisar enfrentar o retrocesso e ainda por cima, por uma via torta. 
 
Ocorreu que esse jovem, chamado: Antonio, estava feliz da vida por ter sido contratado para trabalhar em uma empresa de médio porte, em um bairro da periferia. Assim que foi recrutado para atuar em tal corporação com bom nível para o seu modesto padrão social, o seu objetivo revestiu-se de um sentimento elevado, muito além de imbuir-se do profissionalismo necessário para ali atuar e nem mesmo o bom salário oferecido fora a sua principal motivação, pois o que ele almejara, revelou-se como algo mais ambicioso. 
 
Ele desejou mesmo, foi mudar alguns métodos que julgava serem arcaicos no desenrolar da metodologia daquela firma e ao modernizá-la, dar assim a sua contribuição para uma maior eficácia e por conseguinte, atender melhor a sociedade e sobretudo, a população, através do consumidor comum, tão desrespeitado, em via de regra.
Mas a engrenagem ali dentro, mostrara-se o avesso de sua proposta, visto que o seu proprietário antipatizou com ele, logo no primeiro dia, no primeiro documento que apresentou-lhe, visto que esse senhor, que fundara tal estabelecimento há muitos anos, debochava acintosamente de funcionários novatos que chegavam com o seu idealismo em torno de novas metas e entre tantas novas propostas pelas quais ele nutria uma verdadeira ojeriza, estava a questão da escrita com correção gramatical impecável, algo que ele não suportava. 
 
Adepto de um conceito antigo, pelo qual a ideia de quem falava o idioma português com a devida observação das regras gramaticais, era em sua concepção, uma pessoa dotada de soberba, ele rasgava tudo o que os seus subordinados escreviam com tal predisposição e exigia um texto mais perto da fala do povo mais simples, como ele mesmo gostava de enfatizar.
Na contrapartida, Antonio sabia que mostrava-se vergonhoso que documentos ali expedidos para cumprir diversas funções, fossem enviados para terceiros, sobretudo, com um nível de dissertação tão constrangedor e assim, Antonio, logo no primeiro dia sentou-se à máquina de escrever e preparou um memorando, mediante um texto redigido com absoluta correção, dentro das técnicas gramaticais e ortográficas que aprendera nos bancos escolares, mas assim que o chefe, o senhor, Xavier Zucoletti, leu o documento, soltou uma gargalhada debochada e falou bem alto, para que todos ali em volta ouvissem e compactuassem com o desagradável escarcéu em tom de humilhação: 
 
-"O Tonho da Lua  que escreveu este documento, pensa que aqui é o fórum, com essa fala de advogado”. 
 
E em seguida, mudou o semblante e o tom e advertiu, diretamente:
 
-“Olha aqui, rapazinho, não começa com frescura aqui dentro, não, que eu não gosto dessa conversinha de menino educado. Aqui é empresa de povão, e essa coisa aí, é para gente metida, de bairro de bacana”.
Chocado e constrangido, Toninho não pôde acreditar que havia sido humilhado e advertido por escrever corretamente e mais que isso, não podia conceber que uma pessoa pudesse achar que a chave para alcançar o sucesso fosse se portar deliberadamente como um agente a propagar a ignorância. 
 
No processo diametralmente oposto, tornou-se uma tortura insuportável para ele, ter que escrever textos medíocres, a conter erros crassos e gírias abomináveis, além de fazer um uso indiscriminado de abreviaturas. Cansado de compactuar com tamanho disparate, Antonio considerou que em documentos que não necessariamente eram examinados e assinados por Xavier, ele poderia enfim observar o decoro mínimo necessário, mas um dia, ele foi chamado à sala da diretoria e teve uma surpresa desagradável.

Xavier estava com uma folha timbrada da firma, a conter um comunicado dirigido para uma empresa fornecedora, que houvera sido redigido por Antonio. Ocorreu que por azar, tal documento fora devolvido pelo correio, visto que o seu destinatário havido mudado de endereço e não notificado a empresa do velho Xavier. 
 
Muito contrariado, Xavier afirmou que tal redação era vergonhosa para a sua empresa e que aquele seria o seu último aviso para Antonio, e que não queria mais que ele repetisse tal “erro” que o envergonhara, visto que talvez fossem pensar que a firma dele era “metida a besta”. 
 
No entanto, Antonio surpreendeu o seu chefe fanfarrão, ao pedir-lhe demissão em caráter irrevogável. 
No caminho para a casa, Antonio se sentira chateado por ter saído do emprego, mas ao mesmo tempo aliviado, pois de fato, não suportava mais viver contrariado a trabalhar nesses termos, por ser obrigado a a compactuar com a propagação da ignorância e assim, contribuir com uma inversão de valores que era diametralmente contrária aos seus sonhos de se construir um mundo com mais luz para vencer as trevas e não o contrário, como Xavier o obrigava a trabalhar.

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