terça-feira, 20 de agosto de 2019

Ele Quis Mudar de Vida - Por Luiz Domingues


Muitas vezes, nos deparamos com pessoas que não apresentam certas reações sociais esperadas e nesse caso, causa ainda mais estranheza quando não há aparentemente nenhum sinal de que algo esteja fora do padrão em seu comportamento de uma maneira geral, tanto pelos hábitos, quanto na sua aparência, entretanto, vez por outra, as suas declarações causam estranheza.
 
Rimán Oasino, um rapaz aparentemente normal, mostrava-se entre os seus colegas do trabalho, onde ele atuava, como uma pessoa discreta, a priori. Usava vestimentas tradicionais, sempre sob um padrão social conservador e muito dificilmente usava do artifício das gírias ou expressões idiomáticas em seu linguajar. 
 
Formal, em via de regra, ele falava pouco sobre si próprio e por ser respeitoso, dificilmente alterava-se, mesmo quando contrariado em alguma questão. O pouco que sabia-se ao seu respeito, foi que cursava a Faculdade de Direito no período noturno e sonhava em tornar-se juiz, e para tal, planejava prestar concursos públicos, futuramente.
Todavia, um dia, sem nenhum cabimento ele emitiu uma frase em voz alta, que gerou uma estupefação dentro do escritório de contabilidade onde trabalhava. Rimán, em um momento de profundo silêncio generalizado, afirmou em voz bem alta: 

-“Cansei de ser honesto. Vou tornar-me um bandido, doravante”.
 
Ora, tal frase proferida completamente fora do contexto, gerou uma estupefação total. Como reação, alguns riram, outros ficaram a mirá-lo com grande surpresa e certas pessoas imediatamente retrucaram, ao estabelecer uma série de perguntas em caráter simultâneo, tais como:

-“O que disse?” 
-“Você ficou louco?“
-“Que tipo de brincadeira é essa?”

Rimán, não alterou-se depois dessa fala desconexa e tampouco com a reação estupefata de seus colegas. Simplesmente prosseguiu a trabalhar em silêncio, ao ignorar as perguntas dos colegas, e continuar a fazer uso da calculadora e a anotar resultados em uma planilha que preparava para elaborar um balancete contábil.
 
Claro, ninguém conformou-se com aquele ato inesperado e pelos cantos, tal ocorrido tornou-se a fofoca da semana. E por ganhar uma contundência no ambiente, foi inevitável que tal acontecimento chegasse ao conhecimento da chefia do escritório.
Convocado para uma conversa com o chefe, assim que levantou-se de sua mesa, ele não esboçou nenhum sinal de preocupação e assim foi ao encontro do seu comandante em seu gabinete, sem alteração visível em seu comportamento, nem mesmo em seu semblante. Polido, o chefe o tratou bem, ao ponto de até elogiá-lo em seu preâmbulo de conversa, contudo, rapidamente ele entrou diretamente na questão, ao perguntar-lhe se ele estava a sentir-se bem, se tinha alguma queixa a ser feita, pois soubera que uma declaração sua causara estranheza no ambiente de trabalho e segundo relatos, não pareceu ser uma brincadeira.

Rimán, sem alterar em nem um milímetro a sua postura, apenas respondeu-lhe que não tratou-se de uma brincadeira, tampouco um ato histriônico a esmo, a denotar desequilíbrio mental ou que tais. Simplesmente, ele reiterou ao chefe, que cansara-se de ser um bom rapaz cumpridor das normas sociais vigentes em termos de boa conduta aceitável e que decidira-se a mudar o seu comportamento doravante, ao dedicar-se a uma vida sob a ação criminosa. Sem esboçar rir e nem mesmo a denotar uma espécie de sarcasmo em tom de deboche blasé, reiterou que estava decidido a agir assim na sua vida, doravante.

Claro que o chefe, apesar de ter ficado um tanto quanto assustado pela frieza que deixara-lhe a impressão dúbia sobre ser uma encenação em tom de escárnio ou uma afirmação realmente séria, relevou e por sentir que aquela conversa não evoluiria para algo mais esclarecedor que o tranquilizasse enfim sobre a verdadeira intenção de seu funcionário, dispensou Rimán dessa conversação, ao exortá-lo a voltar para o trabalho.
 
Rimán, levantou-se polidamente, pediu licença e saiu, como o bom rapaz bem educado que sempre aparentou ser. Nesse ínterim, o chefe, ficara sob uma dúvida atroz, pois ao mesmo tempo em que tudo aquilo pareceu ser apenas uma brincadeira performática, ainda que fora de propósito completamente, ao mesmo tempo, ele não poderia mandar o funcionário embora, somente por uma suposta brincadeira, que nem gerara muita confusão no ambiente de trabalho. 
 
Talvez houvesse sido uma tentativa vã da parte de Rimán, em perder a sua suposta timidez e a sua falta de tato no âmbito social produzira apenas uma piada absolutamente sem graça. Nos dias subsequentes, a rotina no ambiente de trabalho prosseguiu, mas em um determinado momento, eis que Rimán soltou outra frase de efeito, inesperadamente: 

-“Já elaborei o meu plano para apossar-me do dinheiro e será por meios legais, sob uma primeira análise”.
Bem, a surpresa já não existia mais e assim, todos relevaram com bom humor a fala inesperada e deveras chocante, ao tomá-la como uma farsa proferida a esmo, apenas para espantar o tédio em meio a um trabalho burocrático tão maçante e além do mais, no conceito de todos, Rimán seria incapaz de cometer qualquer ato ilícito. 
 
O consenso geral ali, dera conta de que Rimán seria o tipo de rapaz que ao comprar um pãozinho na padaria do bairro e perceber que o troco dado pela moça do caixa, continha um centavo a mais em seu favor, voltava imediatamente ao estabelecimento para devolvê-lo, até debaixo de chuva, se fosse o caso.
Passou-se meses e Rimán não repetiu mais a sua fala tresloucada, mas um dia, ele faltou ao serviço. Algo raro, muito fora do comum, visto que até doente ele comparecia ao serviço, ao demonstrar uma obstinação até exagerada. Entretanto, também não veio no dia seguinte. Todos estranharam, mas no terceiro dia, eis que o escritório paralisou quando um funcionário entrou a correr pela sala e gritou: 

-“a polícia está no gabinete do chefe, a revirar os arquivos, algo aconteceu”. 
 
Nesse ínterim, um outro funcionário ligou o aparelho de TV que ficava instalado na pequena copa e todos aglomeram-se à sua frente, para assistir o noticiário. O repórter falava sobre o escritório em que trabalhavam e que um golpe houvera sido executado, a usar documentos com o timbre do escritório, a conter assinaturas falsas etc. e tal. 
 
Milhões haviam sido desviados em uma operação fraudulenta, mediante uma falcatrua perpetrada pelo escritório contábil, no uso de notas fiscais falsificadas. Em suma, Rimán falara com seriedade, agora todos puderam comprovar.

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