sexta-feira, 28 de julho de 2023

Autobiografia na música - Boca do Céu - Capítulo 95 - Por Luiz Domingues

Wilton Rentero e Osvaldo Vicino na sala técnica do estúdio Prismathias, de São Paulo. Primeiro dia da gravação do single: "1969". 15 de maio de 2023. Click e acervo: Luiz Domingues. 

No dia 15 de maio de 2023, eu tive uma reflexão, logo que acordei. Pensei detidamente que aquele dia estava fadado a entrar para a história do Boca do Céu, e também para cada um dos componentes, individualmente, com toda a certeza. Até essa conclusão, não houve nenhuma grande novidade, pois ficara claro que se tratou de um marco importante dentro do projeto do resgate que nos propusemos a realizar em 2020. 

No entanto, a minha análise levou a uma comparação, no sentido de que tal importância teve na sua devida proporcionalidade, a mesma sensação, e falo isso sob a minha ótica muito particular, do dia 12 de fevereiro de 1977, assim que despertei naquela manhã e tive uma sensação abdominal muito intensa, ou a trocar em miúdos, a sentir aquela típica sensação de "frio na barriga", a caracterizar uma descarga de enzimas no estômago, reação típica de quem tem um abalo nervoso por ansiedade. 

Nesse "still" extraído do famoso filme Super-8 do qual participamos em junho de 1977, eis a minha presença (Luiz Domingues), com um alto grau de timidez bem perceptível pela postura capturada nessa filmagem, com certeza intimidado pela presença do cinegrafista e a denotar que eu estava distante anos-luz de uma situação de preparo mínimo para aspirar uma carreira artística, também pelo descontrole emocional latente, entretanto, eu compensava a minha falta de recursos musicais, falta de experiência e traquejo para sequer entender o que era realmente o meio artístico, com uma vontade descomunal de fazer parte desse universo, baseado em sonhos contraculturais intensos que revertiam em puro ímpeto de minha parte nessa fase da minha vida. Filmagem em 1977: Nelson Gravalos. Still em 2023: Osvaldo Vicino.  

Naquele despertar que eu tive em 1977, acordei com tal sensação   exatamente por pensar que naquela noite, eu participaria da primeira apresentação ao vivo do Boca do Céu e por consequência, da minha vida musical (nesse último aspecto, sem a devida percepção mais apurada dessa dimensão naquele instante, é óbvio).

Tive a mesma sensação nas quatro ou cinco apresentações posteriores que a nossa banda teve entre 1977 e 1978, principalmente com aparições mediante a presença de um maior público, também pelo uso de palcos de dimensão profissional, equipamento de melhor qualidade, e sobretudo sob a responsabilidade de concorrer no festival estudantil de música da minha própria escola e poucos meses depois, em um festival sob um âmbito gigantesco para o nosso tamanho na época, a se tratar do festival "Fico" do Colégio Objetivo, através de duas eliminatórias ocorridas no salão de festa do Palmeiras, perante cinco mil estudantes ensandecidos em provocar escárnio generalizado para todos que subiram ao palco (portanto, um obstáculo a mais para uma banda formada por adolescentes inexperientes como éramos), mediante a transmissão filmada pela TV Bandeirantes e shows com artistas consagrados do mainstream, como atração máxima. Em suma, foi muita coisa para uma banda totalmente iniciante e no meu caso, a me revelar como um reles  aprendiz musical, no estágio mais básico da iniciação ao instrumento e também no campo teórico.

Bem, falo sobre tempos heroicos pela enorme determinação que eu tinha e o "frio na barriga", foi mais do que justificável em 1977.

Osvaldo Vicino, o aglutinador que deu o movimento inicial para o Boca do Céu ser criado em algum momento de abril de 1976, observa o trabalho do técnico, Danilo Gomes Santos, sentado ao seu lado na mesa de gravação. Primeiro dia da gravação do single "1969". Boca do Céu no estúdio Prismathias de São Paulo. 15 de maio de 2023. Click e acervo: Luiz Domingues

Não tive exatamente a mesma sensação em 15 de maio de 2023, mas sim, mentalizei essa reflexão que foi rica pela reminiscência emocionante e obtive uma enorme satisfação interior ao pensar que a partir das 15 horas daquele dia, estaríamos a dar o primeiro passo por algo que sonháramos concretizar entre 1976 e 1979, mas que dadas as nossas parcas condições naquele instante remoto dos anos setenta, não chegáramos nem perto de gravar uma simples demo-tape de ensaio, minimamente audível. 

Portanto, que dia incrível foi esse e logo que eu entrei no carro do Osvaldo Vicino, emiti a saudação de boa tarde e apertarmos as nossas mãos a seguirmos o protocolo da boa educação, mas eu logo disse: "estamos indo gravar para valer, Osvaldo!". Foi a deixa para a conversa ser animada da porta da minha residência até a entrada do estúdio Prismathias.

Sim, o Boca do Céu entrou em estúdio, finalmente após um hiato de quatro décadas, para gravar a sua primeira música de forma oficial e enfim demarcar a sua presença na história da música e do Rock brasileiro e isso por si só, já se mostrara como algo grandioso para nós, os velhos componentes da banda.

Continua...

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