Havia um
grupo de jazz na cidade, chamado: “Gouttes”, formado por rapazes jovens e bem
nascidos, de onde deduzia-se que no caso dos seus componentes, o
conhecimento musical avantajado fora adquirido mediante estudos em boas escolas
de música e pelo equipamento e instrumentos de alto padrão internacional que
usavam, fora óbvio que eram mesmo todos abonados.
Claro que isso não era
demérito, embora a inveja que sempre grassa no meio, provocasse comentários
deselegantes da parte de muitos invejosos de plantão, que desdenhavam deles,
ao chamá-los de “frescos”, por se vestirem como dândis europeus.
E como se não
bastasse serem bons músicos, bem equipados e bem preparados técnica e
teoricamente, os rapazes eram bem apessoados e despertavam a atenção das
meninas e isso potencializara ainda mais a raiva da parte do cordão dos invejosos.
- "Poxa, os rapazes
tocam músicas de artistas de primeira grandeza como Thelonius Monk, Chet Baker e Charles Mingus à perfeição, tem ótimos
instrumentos e arrancam suspiros das meninas por terem, todos eles, a fisionomia de galãs de
cinema como Alain Delon e Tony Curtis... que raiva", vociferavam alguns desses
maledicentes!
Mas nem todo
mundo pensava assim no meio. “Tem sempre laranjas boas no caixote, embora ao
fundo algumas estejam podres”, filosofia popular, mas com seu fundo de
verdade e dessa forma, um músico do meio que batalhava por sua carreira, mas nem de longe
com as mesmas condições financeiras tão boas desses rapazes, fizera amizade com
o baterista do “Gouttes”.
Em uma ocasião
futura, durante a realização de um grande festival, esse rapaz mais simples,
finalmente ingressara em uma banda mais proeminente e por pura coincidência, a sua
banda estava escalada para atuar na mesma noite.
Nos bastidores, Dom, esse rapaz mais
humilde encontrou-se com Dan, um dos componentes da banda de Jazz, mas as
circunstâncias agora mostravam-se bem diferentes para o “Gouttes”, pois a banda passara
por uma ampla reformulação.
Eles não tocariam mais Jazz, como amavam praticar e
doravante, sob a orientação da gravadora com a qual haviam assinado um contrato
felpudo e em comum acordo com um empresário, daqueles bem centrados na
determinação comercial total na música, fariam um som bem popular, ao sabor da orientação
dos marqueteiros da ocasião.
Claro que havia o dissabor pessoal da parte deles,
segundo confidenciou Dan, mas a parte prazerosa a compensar tamanho sacrifício,
seria a perspectiva do mega estrelato, mediante portas abertas na mídia, com o
esquema de hiper divulgação da gravadora, bem alinhavado com os planos do
empresário, que já fechara uma mega turnê em âmbito nacional. Sob tal
perspectiva de se obter um sucesso estrondoso, os rapazes não vacilaram para fechar o contrato.
Entretanto, houve um
componente a mais nessa mudança imposta por tais fatores externos e Dan
explicou a Dom, que a gravadora insistira na inclusão de uma cantora, no grupo.
A ideia seria ter uma menina muito bonita na linha de frente, com porte de
modelo e nem precisava ser uma cantora de fato. Se ela conseguisse manter uma afinação
mínima dentro da harmonia e aprendesse a não perder a pulsação/andamento das
músicas, seria o suficiente e visto que os seus colegas eram excelentes músicos, toda a parte
musical estaria garantida, em tese, portanto, não deveriam temer por nada
constrangedor.
Porém, essa era
a conversa da parte de empresários e marqueteiros da gravadora, pois bom músico que era,
é claro que Dan sabia que no desenrolar dos acontecimentos não seria assim exatamente como fora preconizado e na prática, uma pessoa com pouco
talento e nenhuma experiência musical poderia arruinar tudo. Foi quando afirmou
em tom de desolação:
-“ela é
linda, mas não canta nada”...
Bem, por se considerar que 99.9 das pessoas não
tem noção de teoria musical e pelo menos 85% delas, são facilmente manipuláveis
por campanhas publicitárias bem fundamentadas pela formação de opinião, não deu
outra, a outrora boa banda de Jazz fez muito sucesso popularesco, ao produzir um som Pop, enlatado & insípido, bem ao gosto do modismo da ocasião, com a cantora que na verdade não
cantava nada, mas ante a sua devida proeminência, a encantar pela sua beleza física
acentuada.
Por tais fatores públicos e notórios, e mesmo que não despertasse nenhuma queixa pelo seu fraco desempenho musical da parte de seus fãs, pouco criteriosos, tudo logrou em êxito. Ou seja, “tudo como dantes, no quartel de Abrantes”, a anotar-se mais
uma pérola da sabedoria popular e certeira para designar a mesmice que norteia a
difusão cultural comercial. E assim, o bom Jazz do Gouttes, ficou apenas restrito à memória de um reduzido grupo formado por testemunhas de um tempo remoto.
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